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Agenda 21: um documento da sociedade

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Há dez anos, os países presentes à II Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Humano, a ECO-92, produziram um documento final chamado Agenda 21, com 40 capítulos recheados de diretrizes e assuntos que os governos deveriam contemplar para promover o desenvolvimento sustentável. Os países poderiam elaborar uma versão nacional do documento ou aproveitar a Agenda 21 global já existente para começar a aplicar as medidas previstas e acordadas no encontro do Rio. A intenção era que se entrasse no século 21 com um outro padrão de crescimento dos países, um modelo em que proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica caminhassem juntas.


No Brasil, foi só em 1997 que surgiu, depois de um certo descaso governamental, a CPDS - Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável, ligada ao Ministério do Meio Ambiente. O órgão conduziu o processo de consulta popular e estudos que levou à elaboração do documento final "Agenda 21 brasileira: ações prioritárias". Uma década depois, no último dia 16 de julho, o Brasil finalmente apresentava a sua Agenda 21.


Rubens Born, do Vitae Civilis e do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais, foi o representante da sociedade civil na CPDS. Em entrevista exclusiva à Rets, ele conta como foi o processo de elaboração do documento e defende que, enquanto não houver conscientização do poder público de que a Agenda 21 é um compromisso amplo e de todos os setores e áreas, não será possível implementá-lo corretamente.


Rets - Por que demorou tanto para o Brasil concluir sua Agenda 21?


Rubens Born - Na verdade, o processo começou tarde, cinco anos depois da Rio 92, em 1997. Por que começou tarde? Por uma série de fatores. Em primeiro lugar, logo depois do encontro no Rio, houve o processo de impeachment do Collor (ex-presidente Fernando Collor). Em seguida, entrou o Itamar Franco, que ficou por um mandato curto, durante o qual foi formada a Cides -Comissão Interministerial de Desenvolvimento Sustentável, para, entre outros objetivos, coordenar a implementação da Agenda 21. Mas a Cides nunca chegou a ser instituída de fato, a sair do papel. Depois, quando o Fernando Henrique Cardoso entrou, o governo estava preocupado com a estabilização monetária.


Rets - E como surgiu a CPDS?


Rubens Born - Em março de 1995, às vésperas da Rio+5, foi organizado um seminário no Rio de Janeiro, com participação limitada a pouquíssimas pessoas. Em função dessa reunião, o Governo FHC extinguiu a Cides e instituiu a CPDS - Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável, encarregada de coordenar a elaboração e implementação da Agenda 21 brasileira. Cinco anos já haviam se passado e o Brasil não tinha elaborado nada. O Vitae Civilis já em 1994 tinha organizado o 1º Seminário Nacional sobre Agenda 21, inclusive com o apoio do Ministério do Meio Ambiente, do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e de outros, justamente para discutir capítulo por capítulo a Agenda 21 global e como adaptaríamos para um documento brasileiro. Em 1995 fizemos outro evento. Em 1996, o Ministério do Meio Ambiente, junto com o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também organizou um evento semelhante para discutir o tema.


Nesta febre de eventos, foi-se criando uma massa crítica e começou-se a discutir de fato, solidamente, a Agenda 21. Gastou-se 1997 para discutir muito. A CPDS [da qual Rubens faz parte] resolveu que era necessário fazer estudos preliminares em seis temas centrais, para que servissem de subsídios às discussões e propostas. Os temas são: Agricultura Sustentável, Cidades Sustentáveis, Infra-estrutura e Integração Regional, Gestão dos Recursos Naturais, Redução das Desigualdades Sociais e Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável. Só em final de 1998 foram contratados os consórcios que produziriam os estudos. Ao longo de 1999, estes documentos foram discutidos em workshops com técnicos e lideranças dos vários setores da sociedade. Ou seja, não foi só um trabalho consultivo, de poucas pessoas. Foi um conjunto maior. Mais ou menos em junho de 1999 os seis trabalhos estavam prontos. Eles foram condensados, reunidos em um único documento que se tornou a primeira versão da Agenda 21 nacional, com o nome de "Agenda 21 brasileira: bases para discussão".


Rets - Este documento já era o esboço do que foi trazido a público, em 16 de julho?


Rubens Born - Em termos. A idéia era que passasse por um amplo debate. Por isso, durante o segundo semestre de 2000 e o primeiro de 2001, realizamos (a CPDS) 26 debates estaduais (só no Amapá não se realizou um encontro), nos quais o documento recebeu 5.900 emendas, elaboradas pela quase 4 mil pessoas que participaram das discussões. Depois, relatórios de integração dos debates e emendas estaduais serviram para 5 encontros regionais. Este processo foi importante para que descobríssemos o que era preciso fazer regionalmente para que se possa haver uma Agenda 21 nacional e o que precisa ser feito nacionalmente para se ter Agendas 21 regionais.


Em 2002, foram feitas consultas setoriais em abril e maio, para discutir duas questões: a prioridade de cada setor e meios de implementação - como e quem devem fazer o quê, para não ficar só no papel. A partir desse ponto, conseguimos identificar prioridades de cada setor (empresários, governo, organizações da sociedade civil). Tudo - as emendas das discussões estaduais, os debates regionais e a consulta setorial - foi consolidado no documento "Agenda 21 brasileira: ações prioritárias", que foi lançado em meados de julho.


Do ponto de vista do processo, a Agenda 21 foi muito boa. E porque houve este processo de consulta e debates com vários setores da sociedade, o documento demorou a ficar pronto. Na prática, ele foi feito em apenas cinco anos.


Rets - Quais foram os principais atores na elaboração da Agenda 21?


Rubens Born - Foi todo mundo, ONGs, empresários, governo, acadêmicos. Mas não houve uma participação balanceada dos setores. Uma lista enorme de ONGs participou do processo. Foi o setor que participou mais ativamente. Já o setor empresarial participou através do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável e das federações das indústrias, mas mesmo assim houve pouca participação.


Rets - Quais são os desafios que o senhor identifica para implementação da agenda 21?


Rubens Born - Vejo os desafios em dois grupos. O primeiro diz respeito aos candidatos que serão eleitos nas eleições de outubro, nas esferas federal ou estaduais, de eles terem Agenda 21 como referência. O grande desafio é colocar a Agenda 21 na pauta dos candidatos eleitos, não esperar passar as eleições, pois eles podem alegar que as propostas do documento não estavam no plano de governo deles e que a Agenda é do governo que saiu. É importante que isso fique claro: o documento não é de governo, é da sociedade.


O segundo grupo é - tendo a Agenda 21 se tornado referência ou não para os candidatos - que ela se reflita no Plano Plurianual (PPA), tanto no federal como nos estaduais. E também nos orçamentos municipais. Isso envolve também os poderes legislativo e judiciário. É necessária essa mobilização de recursos financeiros no âmbito do governo. E também pelos setores empresarias e o terceiro setor, fazendo o que eles podem e/ou sabem fazer.


Rets - Em comparação a outros países, o documento elaborado no Brasil traz inovações? Quais?


Rubens Born - Conheço pouco sobre os processos de outros países. Em vez de comparar com a formação da Agenda 21 de outros países, prefiro comparar com a formulação de outras políticas públicas nacionais. No caso da Agenda 21, ocorreu um amplo processo de consulta com os setores da sociedade. Essa experiência mostrou que dá para se fazer uma democracia participativa, dá para fazer o que está no primeiro artigo da Constituição brasileira.


Rets - Há quem critique a Agenda 21, alegando que o Ministério do Meio Ambiente, à frente da comissão encarregada do assunto, teria optado por fazer uma versão doméstica e reduzida de um documento maior, a Agenda 21 Global, desconsiderando compromissos internacionais assumidos na Eco-92. O senhor concorda?


Rubens Born - Não, não ouvi esse tipo de comentário. A crítica que eu faço - e que falei no discurso no dia do anúncio da Agenda 21 - é que o processo nacional ficou restrito ao Sisnama (Sistema Nacional de Meio Ambiente). A Agenda 21 brasileira é muito séria, de muita responsabilidade, não pode ficar restrita à área ambiental. Não fosse o MMA, nenhum outro ministério teria ficado à frente desse processo. Acabou que os debates estaduais e regionais foram articulados pelas secretarias de meio ambiente, foram eles que se mobilizaram. Não houve um envolvimento sério e profundo de outras áreas governamentais pelas quais passa a Agenda 21.


Rets - A Agenda 21 é um conjunto de ações que inclui muito mais além da preservação e conservação do meio ambiente. Preconiza também políticas públicas e ações que promovam um desenvolvimento sustentável em todas as áreas, com maior qualidade de vida, maior nível de emprego, novos padrões de produção etc. Isso tudo precisa de conscientização não só do Governo, mas de empresários e dos cidadãos como um todo. Como o senhor acha que ela deve ser feita? O senhor acha que vai ser fácil?


Rubens Born - Essa é uma boa pergunta. É preciso deixar claro que a Agenda 21 não é só meio ambiente. Trata-se de um documento de desenvolvimento social e econômico. Ela versa sobre temas como a erradicação da pobreza, acesso à terra, reforma tributária, mobilização de recursos financeiros, políticas de curto prazo, desenvolvimento, distribuição de renda e inclusão social, saúde, educação (uma das prioridades), responsabilidade das empresas etc, passa por uma série de áreas. Com certeza não será fácil, nem tampouco trabalho de um só grupo ou de um só órgão. É uma agenda grande de reeducação, que acarreta mudanças profundas tanto para os indivíduos, quanto para a indústria, quanto para os governos.


Não vamos fazer uma panacéia e achar que a Agenda 21 vai resolver tudo. É um documento de transformação. Não é mágica, não pode ser mágica. Toca o dedo em feridas da sociedade brasileira: as questões de renda, por exemplo. Isso obviamente vai sofrer resistências. Não é fácil e depende daqueles que acreditam na Agenda 21.


Rets - O estabelecimento de parcerias entre a sociedade civil organizada e os governos seria um caminho para a efetiva incorporação da Agenda 21 ao dia-a-dia brasileiro?


Rubens Born - Pode ser um caminho. Porém, não dispensa a formulação de políticas públicas. Em Joanesburgo (África do Sul, onde se realizará no final de agosto a Rio+10), eles estarão discutindo os compromissos de tipo 1 e 2. Os do Tipo 1 são os assumidos pelos governos. Os do tipo 2 são justamente o estabelecimento de parcerias entre governo e sociedade civil. Alguns defendem que esse segundo tipo é o caminho para se promover o desenvolvimento sustentável. Até pode, parcerias são bem-vindas. Mas nada dispensa a discussão e a mobilização dos órgãos do governo.


 


Maria Eduarda Mattar

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