Um grande círculo formado pelos participantes do V Fórum Social Pan Amazônico, constituiu a sua assembléia final na segunda-feira, 29 de novembro, em Santarém, Pará. A grande roda revelava as inovações metodológicas no processo deste Pan Amazônico, onde foram exploradas diversas linguagens e expressões culturais da diversidade amazônica. E foi emocionante. O primeiro eixo – Em defesa da mãe Terra – foi representado por cantos indígenas e quilombolas. Os habitantes originais destas terras, com suas várias etnias, línguas e costumes, viram sua invasão pelo branco europeu, resistem e lutam até hoje para viver onde viveram seus ancestrais. A exploração continuou com a escravização de originários povos da África, que lutam também, desde então, pela sua cultura e pelas terras que ocuparam desde aquela época. Presenças marcantes neste V FSPA. “Poder para os povos da Pan Amazônia: autonomia e territórios” foi o segundo eixo, em defesa dos estados plurinacionais, em respeito às várias culturas desta vasta região, fundamental para todo o planeta. Representado neste encontro final pela Aliança dos 4 Rios, unificação das lutas em defesa dos Rios Tapajós, Xingu, Madeira e Teles Pires, do Brasil, que sintetizaram o movimento num formigueiro de pessoas que mostrava toda a disposição de luta: “Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com as formigas, não assanha o formigueiro...” Rosa, da Federação de Mulheres Peruanas, apresentou uma mística a partir de três cuias conduzindo terra, água e sementes. “A Terra é nossa ou é dos grandes? Nós somos da terra ou a terra é nossa?”, perguntou ela ao final da mística. “Da terra viemos e para ela voltaremos, temos que adorá-la, basta de tanta devastação, de tanta contaminação. Sem água não haveria comida, não haveria também vida. E as santas sementes, cuidadas há tanto tempo pelos nossos antepassados, nos alimentam e nos curam”. Emocionando os presentes, Rosa conduziu um compromisso de todos em defesa da Mãe Terra. Um “toré” feminista, já apresentado na abertura do Fórum, representou na assembléia o terceiro eixo – Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais. Representando uma grande participação das mulheres neste Fórum, elas criticaram fortemente o machismo, o patriarcado e o capitalismo. “Quando as mulheres lutam são chamadas de loucas, histéricas, prostitutas”, lembrou Aldalice Oterloo, da Abong, uma das condutoras da assembléia final. A proposta da “Carta de Santarém”, documento final aprovado nesta assembléia, foi lido em seguida, em português e espanhol. “Temos uma utopia: A construção de um continente sem fronteiras, a Aby- Ayala, terra de muitos povos, iguais em direitos e solidários entre si. Uma terra livre de toda opressão e exploração. A vida em harmonia com a Natureza é condição fundamental para a existência de Aby-Ayala. A Terra não nos pertence. Pertencemos à ela. A Natureza é mãe, não tem preço e não pode ser mercantilizada”, diz o início do documento. Lido e aplaudido, o texto foi aberto para receber emendas, garantindo o processo democrático com que foi conduzido este V FSPA. Enquanto isso, a apresentação do quarto eixo: Culturas, Comunicação e Educação Popular. Um grande barco humano foi formando, com a dança malemolente das “águas” e um canto popular entoado. Então, uma grande espiral foi construída e quase todos fizeram parte dela. Ao final centenas de abraços felizes mostravam a satisfação do encontro de lutadoras e lutadores desta Pan Amazônia, com o compromisso de novo encontro dentro de dois anos. Veja a íntegra da primeira versão do documento final do V FSPA: Carta de Santarém Temos uma utopia: A construção de um continente sem fronteiras, a Aby- Ayala, terra de muitos povos, iguais em direitos e solidários entre si. Uma terra livre de toda opressão e exploração. A vida em harmonia com a Natureza é condição fundamental para a existência de Aby-Ayala. A Terra não nos pertence. Pertencemos à ela. A Natureza é mãe, não tem preço e não pode ser mercantilizada. Compreendemos que Aby-Ayala deva ser construída a partir de estados plurinacionais que substituam o velho estado centralizador, patriarcal e colonial, dando à luz a novas formas de governo, onde a democracia se exerça de baixo para cima, seguindo a máxima do mandar, obedecendo, onde exista um diálogo de saberes e culturas, onde cada povo seja livre para decidir como quer viver. A participação plena e igualitária das mulheres é uma condição fundamental na construção das novas sociedades. Da mesma forma a proteção integral das crianças, como portadoras do futuro da Humanidade. A Terra, nossa casa comum, se encontra ameaçada por uma hecatombe climática sem precedentes na história. O derretimento dos glaciares dos Andes, as secas e inundações na Amazônia são apenas os primeiros sinais de uma catástrofe provocada pelos milhões de toneladas de gases tóxicos lançadas na atmosfera e os danos causados à Natureza pelo grande capital, através da mineração descontrolada, a exploração petrolífera na selva e o agronegócio. Tal situação é agravada pelos mega-projetos, integrantes do IIRSA, como são a construção de hidrelétricas nos rios amazônicos e as grandes rodovias que destroem a vida de povos ancestrais, criando novos bolsões de miséria. Para deter este ciclo de morte é necessário defendermos nossos territórios exigindo o imediato reconhecimento e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e comunidades tradicionais, bem como o pleno direito de consulta livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental, preservando assim nossa terra, nosso modo de viver e a nossa cultura, defendendo a natureza e a vida. Defendemos e construímos a aliança entre os povos da floresta, dos campos e das cidades. Fazem parte de nosso patrimônio comum a luta dos camponeses pela terra, os direitos dos pequenos agricultores a assistência técnica, credito barato e simplificado, e os justos reclamos por saúde, educação, transporte e habitação dignas para todos. Lutamos por uma sociedade sem exclusões, com liberdade, justiça e soberania popular. Combatemos no dia-a-dia todas as formas de exploração e discriminação baseadas em gênero, etnia, identidade sexual e classe social. Particularmente nos esforçaremos para superar a invisibilidade da população afrodescendente nas suas lutas e propostas sobre poder, autonomia e território. A Amazônia Sul-americana possui problemas urbanos extremamente graves, nesse sentido é fundamental lutar pela construção de cidades justas, democráticas e sustentáveis, adequadas as diferentes realidades desta região, contemplando a diversidade dos atores sociais que vivem nessas cidades. Na Pan-Amazônia, como em toda a América Latina, enfrentamos o militarismo que atua como mediador entre o colonialismo e o imperialismo. Condenamos a utilização das forças militares, corpos policiais, paramilitares e milícias como agentes repressivos das lutas dos povos, bem como os intentos de se utilizar a Justiça para criminalizar os movimentos sociais, a pobreza e os povos indígenas. Denunciamos a presença de tropas norte-americanas na Colômbia e a reativação da IV Frota estadunidense como ameaças à paz no continente. Repudiamos o colonialismo francês na Guiana e apoiamos os esforços de seus povos para alcançarem a independência. Nos manifestamos contra o golpe militar em Honduras e a ocupação militar do Haiti. Da mesma forma protestamos contra as barreiras que procuram impedir a livre circulação dos povos entre nossos países, defendemos o direito dos migrantes de terem uma vida plena e digna no país que escolherem para morar. Lutamos por construir países apoiados em economias que mantenham a soberania e a segurança alimentar, que desenvolvam alternativas aos modelos predatórios e extrativistas e que tenham na economia solidária e na agroecologia, pilares na edificação do bem estar social. Para nós os saberes ancestrais são fontes de aprendizagem e ensinamento em igualdade de condições com o chamado conhecimento científico; a democratização dos meios de comunicação uma necessidade inadiável; a liberdade de expressão e a apropriação das novas tecnologias um direito de todos; bem como uma educação que estimule o diálogo, os contatos sem barreiras, os dons e talentos individuais e coletivos que dissemine valores humanos, abrindo caminho para a transformação íntima e social. Reafirmamos nossa identidade amazônida através de nossas múltiplas faces, honrando a tradição e construindo o novo. Fazem parte desta identidade as línguas originais dos nossos povos e seus conhecimentos tradicionais. Estes são os nossos compromissos. Devemos transformá-los em ação. LINHAS DE AÇÃO: - Lutar pela produção de outras formas de energia em pequena escala, fortalecendo a autonomia e a autogestão da Amazônia e de suas comunidades; - Realizar campanha pelo reconhecimento, demarcação e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e de comunidades tradicionais; - Lutar pela titulação de terras aos trabalhadores do campo e da cidade; - Realizar campanhas pela aprovação de leis regulamentando a consulta prévia livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental nos países Pan-Amazônicos; - Organizar fóruns regionais para troca de conhecimentos e implementação de ações, com organizações de outras regiões, em cada local onde a Mãe Terra esteja sendo agredida, ou ameaçada; - Participar das redes que investigam a ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Brasil), contribuindo para obstruir os financiamentos a projetos que destroem o meio ambiente; - Promover ações articuladas de denuncia e pressão contra projetos de caráter sub-imperialista do governo brasileiro na Pan-Amazônia; - Unificar as lutas contra a construção de represas hidrelétrica nos rios da Amazônica, em especial as lutas contra Belo Monte, Inambary, Paitzpatango, Tapajós, Teles Pires, Jirau, Santo Antonio e Cachuela Esperanza; - Realizar encontros e marchas denunciando as diversas formas de opressão, como o machismo, racismo e homofobia, e apresentando as soluções propostas pelas organizações e movimentos sociais; - Pensar formas de avançar nos processos de debate e avaliação coletiva, incluindo a elaboração de materiais que possam auxiliar nestes momentos; - Avançar na elaboração de propostas para garantir vida digna a todos os povos da Pan-Amazônia, considerando suas diferenças intra e inter-regionais; - Mobilizar as sociedades civis Pan-Amazônicas, contra as falsas soluções de mercado para o clima, como o REDD; - Desenvolver lutas contra o patenteamento do conhecimento das populações tradicionais, que apenas promovem os interesses das grandes corporações transnacionais; - Mobilizar as organizações contra as estratégias dos governos e das grandes empresas, voltadas à flexibilização da legislação ambiental na Pan-amazônia; - Lutar pelo reconhecimento legal de “territórios livres da mineração” e de outros empreendimentos, nos ordenamentos jurídicos dos países da Pan-Amazônia; - Articular a criação do “Dia da Pan-Amazônia”, onde todas as organizações realizem manifestações e discussões conjuntas, chamando a atenção mundial para os problemas ambientais, sociais, econômicos, culturais e políticos que ocorrem nesta região; - Constituir um centro de comunicação do FSPA, de maneira compartilhada, com a função de interligar os movimentos sociais da Pan-Amazônia, socializar debates e iniciativas de ação; - Divulgar as ações, discussões e resultados do FSPA nas comunidades, através de uma rede de comunicação; - Construir uma presença marcante da Pan-Amazônia na reunião do FSM em Dakar, no Senegal, em fevereiro de 2011; - Inserir o FSPA em redes e articulações que tenham causas comuns; - Realizar o FSPA de dois em dois anos, em países diferentes, com candidaturas antecipadas que deverão ser aprovadas pelas instancias do FSPA. Santarém, 29 de novembro de 2010 Por Terezinha Vicente, da Ciranda Brasil
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