Autor original: Rogério Pacheco Jordão
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Membro da Coordenação Colegiada da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (DhESC Brasil), Jayme Benvenuto Lima Jr explica, nesta entrevista à RETS, o que farão os Relatores Nacionais em DhESC, que serão empossados em setembro próximo para um mandato de um ano. Foram selecionados cinco relatores: Nelson Saule Júnior, do Pólis-SP (Direito à Moradia); Sérgio Haddad, da Ação Educativa-SP (Direito à Educação); Jean-Pierre Leroy, da FASE-RJ (Direito ao Meio Ambiente); Flávio Valente, da Associação Brasileira de Nutrição-DF (Direito à Alimentação) e Lucila Beato, do Geledés-SP (Direito ao Trabalho).
Coordenador do Projeto de Relatores e também do Programa DH Internacional do Gajop (Recife-PE), Benvenuto antecipa que os relatores buscarão parcerias com ONGs e entidades do terceiro setor para desenvolver seus trabalhos. "Dessa junção de esforços deve nascer uma série de iniciativas destinadas a realizar na prática os direitos humanos econômicos, sociais e culturais", afirma.
Rets- O que farão os relatores nacionais?
Jayme Benvenuto Lima Jr - A exemplo do que fazem os Relatores Especiais (no âmbito da ONU), os Relatores Nacionais vão receber denúncias individuais de violações aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais; realizar visitas in loco a diversos estados brasileiros na busca de informações sobre situações de violação aos direitos e de experiências positivas que possam ser replicadas ou adaptadas; e elaborar um relatório anual a ser apresentado à Conferência Nacional de Direitos Humanos (realizada todos os anos no espaço da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal) e ao futuro Conselho Nacional de Direitos Humanos, com a situação dos direitos humanos e recomendações de como superar os problemas. Os Relatores Nacionais vão buscar parcerias com quem quiser ajudar, desde a ONU, a diversos organismos do estado, a ONGs, ao terceiro setor. Dessa junção de esforços deve nascer uma série de iniciativas destinadas a realizar na prática os direitos humanos econômicos, sociais e culturais.
Rets- O Projeto Relatores Nacionais em Direitos Humanos, Econômicos e Sociais é inspirado no programa de relatores especiais da ONU. Como tem sido o trabalho desses relatores na ONU?
Jayme Benvenuto Lima Jr - O trabalho dos Relatores Especiais da ONU para direitos humanos existe há cerca de duas décadas e é o resultado da avaliação de que o sistema de monitoramento da implementação dos direitos humanos não podia se restringir aos comitês (de direitos humanos, de direitos da mulher, de direitos da criança, etc), nem à comissão de direitos humanos da ONU, integrada por 53 representações de países e que se reúne uma vez a cada ano, ordinariamente. Era preciso um mecanismo mais ágil que permitisse estabelecer a relação cotidiana com os países e as violações de direitos humanos, inclusive na perspectiva de elaboração de sugestões para a superação dos problemas.
Rets- E quais os resultados práticos desse trabalho?
Jayme Benvenuto Lima Jr - Quando trabalham bem e livres das pressões dos governos, eles conseguem estabelecer bons contatos com os grupos vulneráveis a violências, perceber claramente os elementos que compõem a violação aos direitos que analisam, e, como fruto desse trabalho, conseguem elaborar sugestões de grande significação na perspectiva de que os países ajustem suas leis e políticas nacionais no sentido do pleno respeito aos direitos humanos. Um bom exemplo é o relatório elaborado pelo relator especial da ONU sobre a tortura, Sr. Nigel Rodley (à época), divulgado em abril de 2001, depois de visitar o Brasil, em 2000. Nesse relatório ele diz claramente que no Brasil a tortura é praticada "ampla e sistematicamente", além de "seletivamente" contra certos grupos sociais (negros e pobres), e, apresenta uma série de recomendações ao governo brasileiro no sentido da eliminação da tortura - entre essas a realização de uma campanha informativa (que nesse momento é desenvolvida, em parceria, pelo governo brasileiro e o Movimento Nacional de Direitos Humanos), processos de capacitação sobre os tratados internacionais e os padrões de coleta de informação e investigação relacionados à prática da tortura, entre tantas outras. O país que quiser superar os problemas relacionados a direitos humanos têm, portanto, à sua disposição o trabalho dos relatores especiais da ONU que, nesse sentido, oferecem elementos que identificam as raízes dos problemas e apresentam soluções..
Rets- Por que constituir relatores nacionais para o caso do Brasil? Os da ONU já não seriam o suficiente?
Jayme Benvenuto Lima Jr - Os Relatores Especiais da ONU têm uma capacidade reduzida de trabalho na medida em que atendem a todos os países membros. Eles realizam visitas aos países de tempos em tempos, e depois seguem agendando visitas a outros países. Sua capacidade de conhecimento da realidade local também é limitada em função de não dominarem a nossa cultura, língua, história, etc. Os relatores nacionais vêm no sentido de possibilitar o monitoramento dos compromissos nacionais numa perspectiva mais permanente. Imagino os Relatores Nacionais tendo contato freqüente com a realidade dos seus mandatos para, auxiliados por seus assessores, equalizarem um diálogo permanente e frutífero com as ONGs, as vítimas das violações, os representantes do estado, no sentido de buscarem soluções para os problemas enfrentados. Imagino os relatores nacionais estabelecendo uma relação com os mais diversos setores sociais a fim de que as soluções sejam construídas. Nesse trabalho, a relação com os Relatores Especiais da ONU será fundamental, na medida em que algumas soluções terão com pressuposto a pressão internacional.
Rets - Por que falar em Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais? O conceito "direitos humanos" já não incorporaria esses aspectos?
Jayme Benvenuto Lima Jr - Direitos Humanos englobam direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Infelizmente, a tradição ocidental convencionou tratar os DhESC como direitos de segunda categoria. Direitos humanos em sua plenitude, de acordo com a visão tradicional, são apenas os direitos civis e políticos. A Plataforma DhESC Brasil tem se empenhado em desconstruir essa visão, razão pela qual tem buscado constituir uma intervenção baseada na valorização e no reconhecimento dos DhESC. Essa visão é inteiramente compatível com o princípio da indivisibilidade dos direitos humanos, pelo qual os direitos humanos têm igual validação, sejam eles civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Particularmente, tenho defendido a idéia - abraçada pela Plataforma DhESC Brasil - de incorporar a expressão "humanos" à terminologia "DhESC", exatamente no sentido de atribuir igual valor a tais direitos em relação aos demais.
Rets- O sr poderia dar um exemplo prático do que seria um direito humano econômico? E um direito humano social? E o cultural?
Jayme Benvenuto Lima Jr - Não há uma distinção rígida nessa classificação geracional dos direitos humanos. A rigor, a classificação geracional tem muito pouca validade hoje em dia, na medida em que se reconhece que há uma dificuldade intrínseca em classificar um direito como civil, político, econômico, social ou cultural. Um direito pode muitas vezes ser classificado como de primeira geração (civil ou político) e como de segunda (DhESC) ou terceira geração (direitos de solidariedade). O exemplo clássico é o direito à vida, que pode ser classificado historicamente como direito de primeira geração mas, se entendido como direito à vida digna poderá ser visto como um direito com dimensões econômicas, sociais e culturais. Embora essa seja uma classificação que se consolidou ao longo dos últimos 50 anos, prefiro ver tais direitos apenas como direitos humanos. A força da tradição da classificação, no entanto, nos impõe a terminologia, inclusive na perspectiva da sua desconstrução paulatina e da afirmação da indivisibilidade dos direitos humanos.
Rets- No momento a RITS anima a campanha Cris - Communication Rights in the Information Society no Brasil. Esta campanha baseia-se na premissa de que a sociedade da informação só pode acontecer baseada no pleno direito à comunicação. O direito à comunicação (ao acesso à informação) pode também ser considerado um direito humano básico?
Jayme Benvenuto Lima Jr - Sem nenhuma dúvida. Precisamos ultrapassar os limites que dizem que basta estar vivo para ter direitos humanos. Na sociedade de hoje, ninguém tem direitos humanos plenamente se não tiver direito a informação, que vai orientar uma série de escolhas em termos de comportamento individual e coletivo. Informação e educação são direitos fundamentais, tanto quanto à integridade física, à vida, à livre expressão do pensamento etc.
Rets- O sr poderia fazer um breve balanço do trabalho da Plataforma DhESC Brasil até agora?
Jayme Benvenuto Lima Jr - Embora existindo há alguns anos, como parte da Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento, a DhESC Brasil foi recomposta há cerca de dois anos. Seus trabalhos começam a se dimensionar nesse momento com a apresentação de relatórios alternativos aos organismos internacionais sobre os Direitos Humanos, com o monitoramento desses organismos, com a apresentação de uma carta aberta aos candidatos à Presidência da República e dos governos estaduais e distrital sobre DhESC (na perspectiva do comprometimento com a realização de tais direitos), entre outros. Indicaria a visita à página da Plataforma para conhecer seus trabalhos principais: www.dhescbrasil.org.br
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