Autor original: Rogério Pacheco Jordão
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"As crianças e adolescentes trabalhadoras domésticas são invisíveis, ocultas socialmente", alerta, nesta entrevista à RETS, a assistente social pernambucana Marylucia Mesquita, de 32 anos. Marylucia sabe do que está falando: ela é coordenadora do "Projeto Prevenção e Enfrentamento do Trabalho Infanto-Juvenil Doméstico: (re)construindo horizontes", desenvolvido pelo Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec/Recife). O projeto faz parte de um programa da Organização Internacional do Trabalho (OIT/IPEC) para a eliminação do trabalho infantil doméstico, que abrange, além do Brasil (Belém e Belo Horizonte), Colômbia, Paraguai e Peru. A execução do trabalho nestas localidades, conta, ainda, com o apoio da organização britânica Save the Children e da UNICEF. O objetivo é contribuir para a prevenção e enfrentamento do trabalho infantil doméstico e garantir os direitos das adolescentes trabalhadoras domésticas.
No Brasil, são 502 mil crianças e adolescentes que vivem esta situação. No Recife, o projeto coordenado por Marylucia oferece aos jovens oficinas sócio-educativas, na tentativa de abrir-lhes oportunidades melhores de vida.
Rets - Como as meninas e meninos reagem ao trabalho nas oficinas?
Marylucia Mesquita - As crianças e adolescentes chegam ao Cendhec com grande fragilidade emocional, afetiva, financeira e social. Como todas as demais trabalhadoras domésticas, elas também são invisíveis, ocultas socialmente. Essa condição transforma, muitas vezes, a relação de trabalho em "ajuda" ou "apadrinhamento", sendo elas, em alguns casos, identificadas como "alguém que faz parte da família empregadora". Entendemos que a invisibilidade é uma das formas mais graves de violência. Ela nega o direito básico de existir enquanto ser humano. As meninas – e aqui emprego o feminino porque a maioria é de meninas mesmo -, em seus relatos nas oficinas do projeto revelaram que, por vezes, são consideradas pessoas sem desejos, sem necessidades, sem voz, "assexuadas". São marcadas pelo sexo e pela cor: predominantemente são meninas e negras.
Rets – E como o trabalho de vocês pode ajudar a melhorar a vida dessas pessoas?
Marylucia Mesquita - O trabalho está focalizado no apoio direto às meninas, através de oficinas sócio-educativas em temas como: Sexualidade, Gênero, Direitos da Criança e do Adolescente, Direitos Trabalhistas, Preconceitos e Direitos Humanos, Abuso Sexual, Trabalho Doméstico etc. Além das oficinas sócio-educativas, viabilizamos a inserção delas em cursos profissionalizantes. Além da intervenção direta junto às meninas, estamos realizando um trabalho de articulação, mobilização e sensibilização das entidades governamentais e não governamentais para que incluam em suas agendas o tema do trabalho infanto-juvenil doméstico.
Rets – O que diferencia o trabalho infanto-juvenil doméstico do trabalho realizado por crianças e adolescentes em outros setores da economia?
Marylucia Mesquita - O debate em torno do trabalho infanto-juvenil doméstico assume semelhanças e diferenças em relação a outras formas de inserção precoce de crianças e adolescentes no mercado. Partimos, em todos os casos deste tipo de exploração, da premissa de que a inserção precoce no trabalho rouba o direito à infância, ao lazer, à escola e ao desenvolvimento bio-psico-social saudável. Com relação ao trabalho infanto-juvenil doméstico, lutamos contra a inserção precoce no trabalho e não contra o trabalho doméstico como profissão. Apesar de ser uma das atividades mais antigas e, mesmo contando com a organização sindical das trabalhadoras domésticas, esta profissão não conquistou a respeitabilidade e importância que possui. O trabalho doméstico ainda não é visto socialmente como uma profissão que dá condições para que outras atividades profissionais possam ser desenvolvidas. Também é importante destacar que estamos falando de uma forma de trabalho que se desenvolve no espaço privado, espaço inviolável, o que dificulta e restringe seu controle e fiscalização
Rets – Qual é o papel do Cendhec?
Marylucia Mesquita - Os primeiros passos do Cendhec nesta temática foram dados a partir da participação da ONG no Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil, e também da realização do projeto "Onde está Kelly? Pesquisa, Mobilização e Apoio às Crianças e Adolescentes empregadas nos serviço doméstico em Recife", apoiado pela Save the Children – agência de cooperação inglesa. Atualmente, o Cendhec está montando um banco de dados com duas pesquisas realizadas sobre a temática. Uma apoiada pela Save the Children e outra apoiada pelo OIT/IPEC, que constituiu o instrumento básico para elaboração do Programa de Intervenção.
Rets - Como esses meninos e meninas chegam até o Cendhec?
Marylucia Mesquita - As meninas e meninos envolvidos no trabalho doméstico precoce geralmente são identificados por amostra acidental (durante o processo de pesquisa). A partir do contato porta a porta vai se formando uma rede de contatos e identificações. Com as pesquisas, construímos uma base de dados que nos permite ter acesso a telefone de contato, endereço do trabalho e da casa dos pais, escolaridade e informações sobre a renda individual e a familiar etc.
Rets – E como o Cendhec usa essa base de dados?
Marylucia Mesquita - O projeto vai, a partir dos dados identificados, criar parcerias institucionais para prevenir e erradicar o trabalho infanto-juveil doméstico e proteger os direitos das adolescentes domésticas. Um dos seus desdobramentos é a inserção das crianças e adolescentes em oficinas sócio-educativas; inserção das adolescentes trabalhadoras domésticas em idade legal para o trabalho (16 anos) em cursos profissionalizantes; entrada das crianças e adolescentes em programas sociais da prefeitura do Recife, a exemplo do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e bolsa escola; entrada das famílias das meninas em programas de trabalho e renda e educação disponíveis pela prefeitura do Recife; o atendimento jurídico-social e psicológico das jovens vítimas de abuso e exploração sexual e de maus tratos; a construção de diretrizes para legislação em torno do tema, a construção de uma retaguarda institucional em consonância com o Sistema de Garantia de Direitos, dentre outros.
Rets - Vocês acabam de lançar o livro "Onde está Kelly? O trabalho Oculto de crianças e adolescentes exploradas nos serviços domésticos na cidade do Recife", escrito pelo sociólogo Maurício Antunes Tavares. Quais as principais conclusões?
Marylucia Mesquita - O livro é resultado de uma pesquisa, apoiada pela Save the Children, realizada em julho de 2001, com 200 crianças e adolescentes (de idades entre 10 e 17 anos) trabalhadores domésticos do Recife. A idéia do livro foi traçar um perfil das condições de trabalho e de vida destas crianças e adolescentes, revelando as características mais presentes nas situações de trabalho e nas relações que mantêm com as famílias empregadoras e com as suas próprias famílias. As informações coletadas pela pesquisa, mostram, por exemplo, que em julho de 2001, o perfil do conjunto amostral pesquisado é constituído na sua maioria por: crianças e adolescentes do sexo feminino (94,5%); com idade acima de 15 e abaixo de 18 anos (55,5%); negras (69,0%); solteiras (93,5%); sem filhos (93,0%); e com o primeiro grau incompleto (63,3%). (outros dados da pesquisa disponíveis ao final da reportagem)
Rets - O Cendhec organizou, com o apoio da Save The Children e da Organização Internacional do Trabalho (OIT/IPEC), nos dias 30 e 31 de julho, o I Seminário Municipal sobre o Trabalho Infanto-Juvenil, em Recife, com 120 convidados. De que modo um evento como este ajuda no trabalho de vocês?
Marylucia Mesquita - O Seminário teve como objetivos sensibilizar a sociedade civil e o poder público para a prevenção e erradicação do trabalho infanto-juvenil doméstico e identificar parcerias institucionais que permitam a construção de retaguarda. Um dos maiores resultados do evento foi a elaboração de uma agenda de compromissos, dentre eles, a formação de um Grupo de Apoio Institucional para acompanhar, viabilizar e monitorar o Projeto de intervenção no Recife.
Para entrar em contato com o Cendhec, utilize o e-mail: cendhec@terra.com.br
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