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A Caminho de Joanesburgo, Rio + 10 Brasil: Balanço e Perspectivas

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original:

A Rio+10 Brasil deixa patente que o caminho a Joanesburgo passa, necessariamente, por responder a importantes desafios. É indispensável, de partida:



  • garantir a presença de todos os Chefes de Estado e de governo na CMDS;


  • chegar a Joanesburgo comprometendo-se explicitamente com

- o Legado do Rio (convenções, declarações);


- os princípios da cooperação internacional; e



  • assumir novos compromissos de implementação de ações concretas, metas e mecanismos de financiamento a partir da CMDS.


  • dar seguimento à Iniciativa de Energia e à Iniciativa Latino-Americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável;


  • dar início a uma mobilização mundial em torno de uma Cidadania Planetária e de uma Globalização Solidária.

Introdução


O presente documento apresenta um balanço das discussões que culminaram no evento realizado no Rio de Janeiro, de 23 a 25 de junho DE 2002, alem de explorar algumas possibilidades de desdobramentos em ações concretas a serem deflagradas no intuito de influir na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (CMDS), tanto no final de seu processo preparatório, como em seu desenvolvimento e nas alternativas que poderão advir de sua realização.

Entre Estocolmo e Joanesburgo, uma nova parada no Rio de Janeiro

Já em fins de 2001 ganhava corpo a idéia de congregar governos e sociedade no Rio de Janeiro para uma cerimônia que resgatasse o que se convencionou chamar de “Legado do Rio” e, ao mesmo tempo, marcar a passagem simbólica desse legado à Joanesburgo.

O “Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável: de Estocolmo a Joanesburgo - Rio + 10 Brasil” reuniu, no Museu da Arte Moderna do Rio de Janeiro, cerca de 1200 participantes entre chefes de Estado, representantes governamentais, de instituições multilaterais, organizações não-governamentais, empresários e ambientalistas. Embora estivesse presente a idéia de celebrar trinta anos da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, e dez anos da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, o evento ganhou contornos mais expressivos devido aos impasses observados no processo preparatório da CMDS, que vem gerando um crescente sentimento de frustração a respeito da agenda a ser discutida em Joanesburgo. Mais do que uma passagem simbólica da Conferência para Joanesburgo, a Rio+10 Brasil foi um encontro dos diversos atores que participam do processo preparatório da Cúpula Mundial e que buscam ações concretas para o desenvolvimento sustentável.

Do ponto de vista conceitual, o Seminário do Rio de Janeiro se insere num roteiro iniciado em 1972, em Estocolmo, onde o foco das discussões se concentrava no ambiente humano, em especial na dimensão planetária dos problemas ambientais, conduzindo à idéia de que tínhamos Uma só Terra, sobre a qual se imputavam impactos não devidamente considerados dos processos de crescimento econômico. Posteriormente, em 1986, o Relatório Bruntland introduziu as bases de um novo paradigma, ao afirmar que compartilhamos de um futuro comum (Nosso Futuro Comum) e que, portanto, se fazia necessário dotar nossas atividades de princípios e critérios de sustentabilidade. A partir de então, o desafio do desenvolvimento sustentável tornou-se o foco das discussões em 1992, no Rio de Janeiro, onde foi realizada a maior das Conferências das Nações Unidas até então. Em 1997, a Sessão Extraordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas, encarregada de avaliar os cinco anos da Conferência do Rio, reconheceu que, apesar do enorme avanço que representaram as discussões e os acordos celebrados por aquele evento, pouco havia de implementação efetiva. O aprofundamento dessa constatação permitiu que, em dezembro de 2000, fosse convocada a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, programada para se realizar em Joanesburgo em agosto e setembro de 2002, voltada para os desafios da implementação dos acordos e compromissos assumidos ao longo desse processo.

Destacaram-se, no evento do Rio de Janeiro, a realização de um Diálogo de Gerações de Estocolmo-1972 a Joanesburgo-2002 e, pela primeira vez em reuniões do gênero, uma audiência pública com os Chefes de Estado e Governo do Brasil, da África do Sul, da Suécia, além do Vice Primeiro-Ministro do Reino Unido. Essa audiência provocou ampla repercussão nos meios de comunicação de todo o mundo, reforçou o significado político da Conferência de Joanesburgo e, em certa medida, resgatou o processo negociador ameaçado pelos impasses provocados pela intransigência de alguns países desenvolvidos durante o processo preparatório da CMDS. Outro resultado significativo do evento foi a iniciativa de enviar uma mensagem aos membros do G-8 para que confirmem a sua participação na CMDS, se comprometam com ações concretas e reforcem os princípios da cooperação internacional.

O Rio + 10 Brasil possibilitou, ainda, debate sobre Iniciativas Regionais e de Energia e, ao mesmo tempo, ofereceu a oportunidade para uma reflexão sobre questões relativas às realizações no âmbito do desenvolvimento sustentável nos últimos dez anos, às metas não atingidas que poderiam ter melhorado a situação atual, às alternativas para tornar a globalização mais inclusiva e eqüitativa, às expectativas para a Cúpula de Joanesburgo, ao cenário nos próximos 10 e 30 anos, em termos de desenvolvimento sustentável, às alternativas para melhorar a articulação e a parceria entre o governo e a sociedade civil nesse campo e de como viabilizar os resultados da Cúpula. Durante a sessão de encerramento, os participantes puderam ressaltar os avanços mais importantes de todo o processo que antecedeu o encontro do Rio e encaminhar ações prévias e posteriores à Cúpula de Joanesburgo.

Iniciativas Regionais e Temática

No que se refere a iniciativas concretas, cabe destacar que, por determinação da Presidência da República, o Brasil promoveu um processo de consultas regionais que culminou na Iniciativa Latino-Americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável (ILAC), outorgando destaque às singularidades regionais, dando continuidade às decisões consolidadas na Plataforma de Ação aprovada no Rio de Janeiro em Outubro de 2001 durante a Conferência Regional Preparatória para a CMDS e identificando temas que permitam a articulação com propostas de outras regiões, a exemplo da Iniciativa Africana (NEPAD). Considerando a urgência e a especificidade dos desafios relacionados, entre outros, com as mudanças climáticas, o Brasil propôs também uma Iniciativa de Energia visando pavimentar a transição para matrizes energéticas com forte conteúdo renovável e, ao mesmo tempo, para padrões de produção e consumo sustentáveis.

Essas iniciativas, incorporadas ao documento oficial da CMDS, incentivaram o surgimento de outras, por ocasião da realização da IV Reunião Preparatória realizada em Bali, a exemplo da Iniciativa Asiática e da Iniciativa do Leste Europeu, permitindo a inserção de peculiaridades regionais no contexto das discussões da CMDS.

Participação da Sociedade Civil

A participação de destacadas lideranças de organizações da sociedade civil permitiu sublinhar desafios pendentes. Nesse sentido, a declaração das organizações não governamentais chamou atenção para a necessidade de promover uma campanha de mobilização mundial em torno de uma agenda que consolida cinco temas essenciais à promoção do desenvolvimento sustentável: energia, água, comércio, biodiversidade e responsabilidade corporativa participativa. Foi considerado fundamental avançar nos meios de implementação das decisões adotadas a partir da Rio-92 e no Plano de Ação a ser aprovado em Joanesburgo. Nessa mesma direção, ha que se recuperar o compromisso de Estocolmo, reforçado no Rio, em 1992, em relação a recursos financeiros novos e adicionais, em particular a destinação de 0,7 por cento do PIB dos países industrializados para a cooperação internacional.Foi sublinhada, ainda, a preocupação com a tendência das chamadas Iniciativas Tipo II, relativas às parcerias públicas e privadas, de caráter voluntário, como alternativa à irrenunciável responsabilidade dos governos na consecução dos objetivos do desenvolvimento sustentável.

Em termos de temas específicos, o encontro do Rio consolidou o consenso quanto à necessidade de erradicação da pobreza, de modificação dos atuais padrões insustentáveis de produção e consumo nos países desenvolvidos, de reversão das tendências que põem em risco a integridade dos ecossistemas e das ameaças que a nova agenda de segurança estratégica vem gerando para um clima de efetiva cooperação internacional no âmbito do desenvolvimento sustentável.

Constatações


Ao término do processo preparatório para a Cúpula de Joanesburgo, a sensação dominante é de perplexidade e frustração. Os resultados produzidos até o momento são extremamente tímidos diante da expectativa que se tinha quando da convocação da Cúpula. Os documentos preliminares produzidos nas esferas oficiais de negociação não avançam, como se esperava, na formulação de decisões orientadas à ação. Pelo contrário, grande parte da perplexidade que se verificou no Rio de Janeiro deve-se à constatação de que os esforços estiveram concentrados no sentido de se evitar retrocessos em relação às conquistas de 1992, e não no sentido de promover avanços significativos na implementação daquelas idéias.


Convenções e princípios acordados na Rio-92 são agora questionados e o impasse entre as posições dos países desenvolvidos e em desenvolvimento nunca foi tão explícito e de tão difícil conciliação. Dentro do mesmo bloco de negociações, os impasses dificultam a adoção de posições comuns. Um exemplo dessa situação refere-se à redução de emissões de efeito estufa, onde países industrializados juntam-se aos países em desenvolvimento produtores de petróleo para bloquear propostas efetivas de substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia. Princípios que constituem o “Legado do Rio” , como o das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, são questionados por alguns países industrializados, inviabilizando compromissos como o Protocolo de Kyoto.


As dificuldades desse processo evidenciam, em parte, o esgotamento do ciclo de grandes conferências das Nações Unidas, iniciado com a Rio-92 e seguido pelas Conferências sobre Desenvolvimento Social (Copenhague-1993), População (Cairo-1994), Mulheres (Beijing-1995), entre outras. O que a Cúpula de Joanesburgo mostra agora é que, mais do que grandes conferências ou novas convenções internacionais, o desafio que se impõe é a gestão e implementação do enorme conjunto de medidas que já foram acordadas nos últimos anos. O déficit de implementação dessas medidas revela a fragilidade do sistema das Nações Unidas, que não tem conseguido se mostrar efetivo nem na implementação de decisões nem na indução desse processo. Isso é agravado pela forma pela qual alguns atores do sistema interferem nas decisões, que são condicionadas à unanimidade. Trata-se de desafio de grandes proporções, pois envolve a ação articulada de diversos atores com interesses e motivações distintas, o que requer esforços de engenharia institucional e financeira, adicionais a todas as propostas já apresentadas para reforma no sistema das Nações Unidas. O próprio processo preparatório para a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável possui instância especial para a discussão das questões de governança internacional, mas nenhum resultado expressivo foi alcançado até o momento.


Uma última constatação importante diz respeito à desmobilização que se verificou na área ambiental por parte da sociedade civil nos últimos dez anos, especialmente frente à movimentação sem precedentes observada no Rio de Janeiro, em 1992. O momento atual, porém, requer empenho muito além daquele que governos e sociedade civil organizada tradicionalmente podem promover, devendo envolver o setor empresarial, crescentemente instado a assumir maiores responsabilidades sociais e ambientais, e o setor científico e acadêmico, elementos fundamentais num mundo onde as incertezas científicas continuam sendo invocadas como óbices à tomada de decisões na área ambiental. Contemplar uma reforma institucional global deve, necessariamente, incluir uma reflexão sobre os mecanismos que permitam incluir esse complexo conjunto de atores, forças e interesses no processo decisório global que, em última análise, se reflete sobre a vida de cada cidadão do planeta.


Desafios Pendentes: Legado do Rio, Cidadania Planetária e Globalização Solidária


A Rio+10 Brasil deixa patente que o caminho a Joanesburgo passa, necessariamente, por responder a importantes desafios. É indispensável, de partida:



  • garantir a presença de todos os Chefes de Estado e de governo na CMDS;


  • chegar a Joanesburgo comprometendo-se explicitamente com

- o legado do Rio (convenções, declarações);


- os princípios da cooperação internacional; e



  • assumir novos compromissos de implementação de ações concretas, metas e mecanismos de financiamento a partir da CMDS.


  • dar seguimento à Iniciativa de Energia e à Iniciativa Latino-Americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável;


  • dar início a uma mobilização mundial em torno de uma Cidadania Planetária e de uma Globalização Solidária.

Este último ponto merece ser aprofundado, pois parte da base de que o processo negociador não termina em Joanesburgo, na verdade se espera que seja fortalecido a partir de então. Nesse sentido, pensar o futuro requer resgatar as lições do passado. Transcorrida uma década da Conferência de Estocolmo, o mundo constatou que a originalidade desta, ao considerar por primeira vez a dimensão planetária dos problemas ambientais e o caráter finito da base de recursos que permitem as atividades econômicas, se bem havia representado um marco nas relações internacionais, revelou-se insuficiente. A publicação do relatório O Nosso Futuro Comum representou um salto qualitativo em matéria conceitual e política, ao consagrar a concepção de desenvolvimento sustentável.


O período que se sucedeu à Rio-92 evidenciou uma evolução similar. Num primeiro momento, pensou-se que o mais importante e urgente seria adotar decisões que conduzissem a um modelo sustentável de desenvolvimento, o que produziu convenções e tratados que, entre outros, promoviam a mudança dos padrões de produção e consumo (Mudanças Climáticas) e a reestruturação da base produtiva e de ciência e tecnologia (Biodiversidade), além de uma estratégia articuladora de transição, consolidada na Agenda 21. Apesar desse ímpeto, a avaliação unânime de governos e da sociedade, quando da Rio + 5, revelou resultados insatisfatórios. Às vésperas de Joanesburgo, é impossível escapar da constatação de que muitos dos compromissos assumidos no Rio, em 1992, perderam força e adesão e, além disso, alguns países tentam reabrir o debate sobre aspectos já amplamente aceitos da agenda global. O futuro da Conferência de Joanesburgo e, principalmente, a adoção de suas recomendações impõem duas tarefas urgentes.


Em primeiro lugar, há que se promover uma ampla mobilização para que todos os governos estejam presentes em Joanesburgo, em especial aqueles que, sob o manto de interesses estratégicos isolacionistas e egoístas, tratam de retroceder decisões arduamente negociadas. É nesse contexto que há de se resgatar o “Legado do Rio”. Mais importante, no entanto, é recuperar a efervescência intelectual e social do período que marcou a Comissão Brundtland.


Em segundo lugar, uma nova rodada de consultas planetárias e de avanço conceitual deve responder a complexos paradoxos relacionados com os imperativos de uma globalização solidária e de uma cidadania planetária. A globalização tem possibilitado importantes benefícios em matéria de universalização de direitos humanos, de práticas democráticas e de acesso à informação. Isso ocorre, no entanto, de forma assimétrica e cristaliza tendências corporativas que questionam a capacidade do Estado-Nação de promover a justiça social, a redução da pobreza e as dimensões éticas que são estranhas à operação dos mercados. O imperativo que se apresenta é, portanto, o de uma Globalização Solidária.


Adicionalmente, essa globalização deverá contemplar os anseios de participação da sociedade no desenho e materialização de um futuro sustentável, acalentados na Rio-92 e imediatamente frustrados. Além das dificuldades mencionadas acerca do sistema internacional, observa-se uma tendência a privilegiar os temas da agenda comercial, o que dificulta responder aos novos desafios de governança nos níveis globais, regionais e locais. Urge, portanto, a partir de Joanesburgo, que se promova o debate sobre como dar corpo a uma Cidadania Planetária que, junto ao necessário fortalecimento do multilateralismo na tomada de decisões internacionais, permita também o fortalecimento de identidades nacionais e locais.


 


* Este documento foi elaborado pelo Grupo de Trabalho Rio+10 Brasil.





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