Autor original: Mariana Loiola
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"Devem ser realizadas campanhas capazes de prevenir a violência contra a mulher", alerta, nesta entrevista exclusiva à Rets, Maria Amélia de Almeida Teles, autora, em parceria com Mônica de Melo, do recém-lançado livro "O que é violência contra mulher" (ed Brasiliense). E o alerta tem razão de ser: no Brasil a cada 15 segundos uma mulher é espancada devido à violência de gênero, o que significa a cifra de mais de 2 milhões por ano. Na entrevista, Teles lembra o papel das ONGs que lidam com o tema, que, embora poucas e com poucos recursos, têm buscado atender às mulheres em situação de violência "da melhor maneira possível". "Cada ONG, cada porta que se abre para atender às mulheres (...) é como se rompesse o dique que deve segurar a força das águas". Militante feminista, Teles é uma das fundadoras da União de Mulheres de São Paulo.
Rets – O que é violência contra a mulher?Maria Amélia de Almeida Teles – Violência significa o uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar e impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver grave e freqüentemente ameaçada, ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta.
Violência contra a mulher deve ser entendido como uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia induzem reações violentas e não é fruto da natureza, mas sim do processo de socialização das pessoas. É também conhecida como "violência doméstica e sexual" ou "violência de gênero". Mas o termo "violência contra a mulher" é o que expressa de maneira mais objetiva a violência praticada contra a pessoa do sexo feminino, apenas e simplesmente por sua condição de mulher.
Rets - O que te levou a escrever o livro?Maria Amélia de Almeida Teles - Resolvi escrever juntamente com a Mônica de Melo o livro "O que é Violência contra a Mulher" em razão de que esta violência é um fenômeno que pode acontecer com qualquer mulher, em qualquer país e em qualquer ambiente sócio-econômico tendo um alcance muito maior do que se supõe. Nesse trabalho, identificamos pontos que precisam ser trabalhados para que se avance numa atuação para prevenir e erradicar a violência contra a mulher.
Rets – Quais são as formas mais comuns dessa violência no Brasil?Maria Amélia de Almeida Teles – São várias as formas da violência contra a mulher, tanto psicológica como física.
O crime contra a mulher que apresenta maior volume de denúncias é o de lesão corporal, definido legalmente como "ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem" (CPB, art. 129). Segundo os dados levantados pelas professoras H. Saffiotti e Suely Souza Almeida, os boletins de ocorrência policial feitos a partir de 1994 nas delegacias da mulher de 22 capitais, apontam que 81,5 % dessas ocorrências correspondem aos casos de lesão corporal.
As ameaças ocupam lugar de destaque nas denúncias feitas pelas mulheres em relação à violência masculina. É a forma mais comum de intimidação e de manutenção do controle sobre as mulheres e, ao mesmo tempo, um meio de assegurar os poderes masculinos.
Tanto a ameaça como a lesão corporal, de um modo geral, precedem o assassinato. Em São Paulo, o homicídio tem sido a principal causa mortis de mulheres entre 15 e 49 anos de idade – que ganha um novo conceito, femicídio, quando se dá em decorrência da violência contra a mulher.
O femicídio tem sido talvez um dos crimes mais sub-notificados. Não se sabe ao certo quantas mulheres são assassinadas no âmbito das relações entre companheiros ou cônjuges. O estupro ocorre dentro de um contexto violento e significa um ato de força e ódio quando o agressor usa da sexualidade para manifestar sentimentos de rancor, vingança.
A sociedade repudia o estupro e, ao mesmo tempo, o legitima, caracterizando-o fora do contexto das relações desiguais e injustas entre homens e mulheres, tolhendo o desenvolvimento de campanhas educativas que promovam de fato o status político, econômico e social da população feminina, o que exige o reconhecimento dos fatores de gênero, raça/etnia, classe social.
O assédio sexual foi reconhecido como crime pela legislação brasileira a partir da promulgação da lei 10.224 de 15/05/2001, que acrescentou ao Código Penal Brasileiro o artigo 216-A, estabelecendo a detenção de pessoa que constranger alguém para obter vantagem ou favor sexual, aproveitando-se de sua condição de superior hierárquico ou ascendência. Segundo os dados apresentados para justificar esta lei, 52 % das mulheres brasileiras sofrem ou sofreram assédio sexual no trabalho.
Rets - A violência contra a mulher, de um modo geral, vem diminuindo no país (se compararmos, por exemplo com a que ocorria há 10, 20 anos)? E o número de denúncias (em delegacias da mulher, por exemplo) tem aumentado?
Maria Amélia de Almeida Teles – A violência contra a mulher cresce visivelmente e se confunde com a violência urbana e social. As últimas pesquisas apresentadas em março de 2002, feitas pela Fundação Perseu Abramo, dão dados estarrecedores: a cada 15 segundos uma mulher é espancada no Brasil devido à violência de gênero, o que significa a cifra de mais de 2 milhões por ano.
Rets – Em sua opinião, quais são as causas principais dessa violência?Maria Amélia de Almeida Teles – A ideologia patriarcal, que estabelece a supremacia masculina sobre a parcela feminina da população, ainda prevalece nas relações entre mulheres e homens. As ações e políticas públicas são negligentes e acabam por banalizar a violência contra a mulher. Falta um atendimento integral, interdisciplinar, capaz de dar conta de cobrir as necessidades das mulheres em situação de violência que abrangem a segurança pública, a justiça, a saúde, educação, a assistência social, entre outras. Devem ser realizadas campanhas capazes de prevenir a violência contra a mulher.
Rets – Como as Ongs têm atuado ou podem atuar nessa área?Maria Amélia de Almeida Teles – As Ongs têm buscado atender às mulheres em situação de violência da maneira melhor possível. Ocorre que são muito poucas as Ongs e menores ainda os recursos que elas têm. Por outro lado, há uma demanda imensa. Cada Ong, cada porta que se abre para atender às mulheres em situação de violência, é como se rompesse o dique que deve segurar a força das águas.
São necessários recursos, com profissionais em quantidade e qualidade adequadas, para assegurar a integralidade e eficiência dos serviços; são necessárias casas abrigo ou serviços de proteção às mulheres e suas famílias, as crianças etc.
Rets – Os movimentos de mulheres têm obtido avanços quando o assunto é violência contra a mulher?Maria Amélia de Almeida Teles – Sem dúvida, os movimentos de mulheres, por meio da denúncia, revelaram essa violência à sociedade, retirando-lhe a invisibilidade. Esta deixou de ser oculta e passou a mostrar o rosto das mulheres com hematomas e dor.
O Estado respondeu com a criação das delegacias da mulher que, embora deixem a desejar, foram e são porta aberta para os primeiros socorros das mulheres em situação de violência.
Outra conquista das mulheres foi a criação das casas abrigo de mulheres em situação de risco iminente de morte. São poucas ainda, sem os recursos necessários para dar o suporte que as mulheres e suas famílias precisam. Mas são lugares seguros para preservar a vida das mulheres e suas crianças.
A Constituição brasileira reconhece que a violência no âmbito da família dever ser coibida pelo Estado, uma vitória das feministas que conseguiram introduzir a questão no texto constitucional.
O reconhecimento, no âmbito da saúde pública, da violência de gênero é mais uma conquista que amplia o atendimento às mulheres fortalecendo sua auto-estima e confiança em si própria. Facilita assim uma tomada de decisão mais madura e autônoma.
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