Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Artigos de opinião
* Rigoberta Menchú
A Cúpula de Johannesburgo deve assumir um firme compromisso para garantir a governabilidade ambiental do planeta e, com ela, a paz mundial.
A Cúpula da Terra do Rio de Janeiro estabeleceu, em 1992, um compromisso para frear e reverter a deterioração ambiental e redistribuir o poder, os recursos e as oportunidades. Não será suficiente chegar à Cúpula de Johannesburgo com mais compromissos de papel, enquanto os desígnios dos que detêm o poder mundial continuam enfraquecendo a efetividade dos instrumentos internacionais até deixá-los irrelevantes.
Não desconheço os avanços feitos nos últimos dez anos em níveis nacional, regional e global, nem a riqueza das múltiplas experiências locais desenvolvidas à luz dos resultados do encontro do Rio de Janeiro. Entretanto, observando o ocorrido nesse período, me pergunto quantas desgraças terão ainda de ocorrer, quantas guerras, antes de aceitar-se que a "civilização", em nome da qual se comete erros e injustiças, não é um caminho único para a humanidade. Na cosmovisão de meus ancestrais maias, cada povo é o espelho do mundo natural em que vive. Ninguém pode imaginar um urso polar na Amazônia, nem que o povo masai mude do Quênia para a Groenlândia. A diversidade cultural é o espelho da diversidade natural. Cada vez que se arrasa uma floresta, violenta-se uma forma de vida, perde-se uma língua, corta-se uma forma de civilização, comete-se um genocídio.
A Cúpula do Rio de Janeiro aprovou o Convênio sobre a Diversidade Biológica, cujo artigo 8J obriga a reconhecer e a aprender sobre a riqueza e a diversidade dos sistemas de conhecimentos e práticas indígenas. Porém, prevalece a velha lógica do despojo e do desprezo coloniais que subestimaram o conhecimento de nossos ancestrais e negaram aos nossos povos o direito ao bem-estar.
Os instrumentos vinculantes e a ferramenta metodológica da Agenda 21 do Rio constituem o mais significativo avanço intelectual e político que o vacilante debate sobre desenvolvimento e convivência pacífica produziu na história contemporânea. Suas insuficiências maiores foram as dimensões institucional e financeira, que deixaram este processo à mercê da vontade política para alcançar os resultados esperados. É preciso renovar essa vontade para restituir o valor do pacto constituinte de nossas ações, validando o sentido de co-responsabilidade com o qual nasceu o sistema internacional contemporâneo há meio século e, sobretudo, estabelecer claramente a responsabilidade que cabe a cada um dos envolvidos.
Também esperamos que a Cúpula de Johannesburgo reforce o reconhecimento dos povos indígenas como sujeitos de direito. Isso implica reconhecermos o direito a desfrutar de nossos territórios inalienáveis, dos recursos que temos utilizado ancestralmente e da prosperidade intelectual coletiva sobre os conhecimentos tradicionais. Em nossos territórios preservamos a diversidade cultural e produzimos os alimentos que marcam a história das civilizações. A partir disso temos nos relacionado com o resto da humanidade, dando nosso conhecimento para melhorar a vida de nossos irmãos e aplicando conhecimentos que aprendemos de outros povos.
Não aceitaremos nenhuma restrição dos padrões internacionais vigentes, em particular a obrigatoriedade do princípio do "consentimento prévio e fundamentado" para qualquer ação que afete nossos interesses. Deve-se converter o pacto do Rio em um código de convivência num mundo que provocou tantos mortos desde a última guerra mundial quanto os que ela produziu, que gerou hoje mais de 23 milhões de refugiados, e ninguém sabe quantas pessoas tiveram de se deslocar do lugar onde viviam. É preciso mudar radicalmente o ritmo e a direção desta convivência complacente com o desastre e a crueldade. É necessário recuperar o sentido mais profundo do compromisso com a vida, com as vidas e com a sobrevivência das espécies e das civilizações.
* Rigoberta Menchú é prêmio Nobel da Paz de 1992 e embaixadora de Boa Vontade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Direitos exclusivos da Inter Press Service.
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
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