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A Alca na boca da urna

Autor original: Rogério Pacheco Jordão

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






A partir do dia 1º até o dia 7 de setembro, os brasileiros estão convocados a ir às urnas. Trata-se do Plebiscito Nacional sobre a Área de Livre Comércio das Américas (prevista para entrar em vigor a partir de 2005), promovido por mais de 60 entidades da sociedade civil que compõem a Campanha Nacional contra a Alca. Com mais de 50 mil urnas espalhadas pelo país, os organizadores esperam superar a marca de 6 milhões de votantes, alcançada no ano 2000, quando aconteceu o plebiscito sobre a auditoria da dívida externa.

Embora não tenha valor legal, as entidades que defendem a não implementação da Alca (e o fim das negociações que se desenvolvem entre os governos do Continente – com exceção de Cuba - desde 1994) esperam que o plebiscito leve a discussão sobre a Alca "dos gabinetes para as ruas". O plebiscito também pergunta a respeito da possível cessão da base Espacial de Alcântara no Maranhão (prevista em Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional - veja quadro nesta página) ao controle militar norte-americano.

As cédulas propõem três perguntas: o governo brasileiro deve assinar o tratado da Alca? O governo brasileiro deve continuar participando das negociações da Alca? O governo brasileiro deve entregar uma parte de nosso território – a Base de Alcântara – para controle militar dos Estados Unidos?

Dos gabinetes para as ruas

"O objetivo do plebiscito é criar uma pressão popular sobre os políticos e também sobre a opinião pública. A Alca, se efetivada, envolverá mudanças que afetarão a vida de todas as pessoas", diz o padre Alfredo José Gonçalves, assessor da Pastoral Social da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB). A Pastoral Social é uma das integrantes da campanha contra a Alca no país (e também da Campanha Jubileu Sul/Brasil – ver link). Fazem parte da Campanha Nacional contra a Alca entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Marcha Mundial de Mulheres, União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras 60 associações.

De fato: se implantada, a Alca significará uma enorme transformação na vida econômica do país e, como conseqüência, na das pessoas. O projeto da Alca, lançado em 1994 pelo governo americano, prevê a eliminação gradual, a partir de 2005, das barreiras alfandegárias entre os países do continente. Ou seja: produtos norte-americanos entrariam no Brasil (e na Argentina, Uruguai, etc) sem pagar tarifa, em concorrência direta com os produtos produzidos no país. Os produtos brasileiros, em contrapartida, também teriam acesso maior ao mercado americano. A Alca segue modelo semelhante ao do Nafta (acordo de livre comércio que entrou em vigor em janeiro de 1994 entre EUA, México e Canadá).

"O problema disso é a assimetria. É um mercado de mão única, já que os Estados Unidos detêm a hegemonia econômica. Na prática, vai significar a abertura de nossos mercados para eles", alerta o argentino Gonzalo Merrez, um dos coordenadores da Aliança Social Continental (formada em 1998 e que reúne redes de ONGs, sindicatos e associações que se opõem à Alca em todo o continente americano). Segundo as entidades que se opõem ao acordo, a Alca significará a eliminação de milhões de empregos e o fechamento de indústrias nacionais.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos para o Desenvolviemento Industrial (Iedi), em maio deste ano, identificou as áreas mais vulneráveis à criação da Alca no Brasil. Entre estes setores, estão os de eletrônicos, brinquedos, bens de capital, papel e celulose e têxtil – todos grandes empregadores.

Soberania nacional em jogo

Mas não é só isso. Para os organizadores do plebiscito no Brasil, a Alca, por sua amplitude (veja link para saber mais sobre a Alca), pode colocar em risco a própria soberania nacional. Concentração de renda e poder nas mãos das transnacionais americanas; retirada dos direitos trabalhistas; desintegração da cultura própria de cada povo, pela pressão homogenizadora da mídia global; impactos na agricultura familiar e na segurança alimentar dos povos; destruição do meio ambiente, sendo que a biodiversidade da Amazônia será monopolizada pelas empresas americanas; falência das médias e pequenas empresas. Estes são alguns dos possíveis efeitos da Alca, segundo alerta feito pelo MST em seu site. Para o movimento o desafio do plebiscito é "fazer o enfrentamento em relação à política imperialista dos EUA e defender a soberania nacional. E mais que isso, construir uma alternativa de integração popular e soberana entre os povos americanos"

Para alcançar o maior número de pessoas possível – e transformar a realização do plebiscito em um ato político de peso – as entidades organizaram a estrutura da consulta de modo descentralizado. Foi estimulada a formação de comitês em bairros, paróquias, igrejas, sindicatos, escolas, universidades, nos assentamentos rurais. Cada comitê organizou seu próprio trabalho de difusão de informações, promovendo palestras, debates e mutirões. A Internet foi utilizada intensamente: nos sites da campanha havia farto material de divulgação, além de modelo de cédulas e do logotipo para se colocar nas urnas.

"Ele (o plebiscito) carrega também o sinal da democracia popular. A maneira como está sendo organizado - não é imposto por nenhum movimento ou entidade, é assumido livremente. Não impõe nada, simplesmente convida para o debate e para o posicionamento responsável dos cidadãos diante do futuro de seu país", diz D. Demétrio Valentini, bispo de Jales (SP).

As urnas estarão espalhas por mais de 3 mil municípios basileiros, em escolas, sindicatos, associações civis, igrejas, praças públicas, saídas de metrô (veja link Onde Votar).

Articulações internacionais

Consultas como a que ocorre no Brasil serão realizadas em todos os países do continente americano. A estratégia do movimento continental (formado pela Aliança Social Continental, mas também pela Jubileu Sul Mundial) é forçar os governos a se retirarem das negociações. "Este é uma luta que precisa ser pensada em sua dimensão continental", opina Kjeld Jacobsen, secretário de relações internacionais da CUT. "O plebiscito e as consultas nos darão uma dimensão do apoio do movimento social à luta contra Alca", explica. A primeira pergunta do plebiscito brasileiro – "o governo deve assinar o tratado da Alca?" – será repetida em todas as consultas daqui para frente.

O movimento pretende realizar manifestações em Quito (Equador), em outubro, quando se reúnem os chefes-de-estado dos países do continente (com exceção de Cuba) dentro da agenda de negociações da Alca. Em abril de 2003 haverá novas manifestações em Buenos Aires, quando os chefes de Estado se reúnem para definir as grandes linhas do acordo da Alca. Para as entidades, a ação dos movimentos sociais é o melhor caminho para pressionar os governos a não assinarem o tratado – e barrar a Alca.


Rogério Pacheco Jordão

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