Autor original: Maria Eduarda Mattar
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Na manhã da quinta-feira, 29 de agosto, a Rádio Bicuda, na Vila da Penha (subúrbio do Rio de Janeiro) foi invadida por agentes da Polícia Federal. Portando um mandato de busca e apreensão, os policiais levaram todos os equipamentos de comunicação da rádio e prenderam o presidente da ONG Bicuda Ecológica (à qual a rádio é ligada),Vanderlei Giarola; o diretor da rádio, Celso Brittes e o locutor que trabalhava naquele momento, Jovanir Conçalves. A rádio existe há sete anos e há quatro - desde que a Lei de Radiodifusão entrou em vigor- deu entrada no pedido de regularização. Até hoje, não foi concedida.
As pessoas detidas foram liberadas na própria quinta-feira, às 22h30. No dia seguinte, a Rets conversou com Vanderlei Giarola, que conta como foi o choque na hora da invasão, as horas em que estiveram detidos e comenta a política de regularização de rádios comunitárias no país.
Rets - Como tudo aconteceu, na quinta-feira?
Vanderlei Giarola - Por volta das 11h30, a Polícia Federal invadiu as instalações da Rádio Bicuda com um mandato de busca e apreensão, prendeu e algemou o locutor que estava trabalhando no momento - o Jovanir Gonçalves. O locutor falou no ar "Celso, estamos com problemas" - se dirigindo a Celso Brittes (um dos diretores da rádio). Percebendo o fato, Celso e eu fomos para a sede da rádio para não deixar que nada acontecesse com o Jovanir, que trabalha voluntariamente. Chegando lá, recebemos voz de prisão. Entre o momento em que isso aconteceu e a nossa liberação, ontem (quinta-feira, 29 de agosto) às 22h30, foram 10 horas - durante as quais fomos submetidos a interrogatórios. Não sofremos nenhuma pressão absurda, nada em especial, mas ficamos lá incomunicáveis e tomando "um chá de cadeira". Conseguimos sair depois do pagamento da fiança e vamos responder ao processo em liberdade.
Rets - O que os policiais levaram?
Vanderlei Giarola - Eles levaram todos os equipamentos de comunicação da rádio, entre eles: duas mesas de som, dois aparelhos de MD, dois tape decks, uma aparelhagem de comunicação interna, quatro cd players, oito microfones, três receptores FM, entre outros. Tanto os que estavam sendo utilizados como os que são usados para produção de programas e spots educativos que veiculamos, na conscientização e em todo o conjunto de atividades que a ONG Bicuda Ecológica tem. Temos uma sede do CDI lá, desenvolvemos um projeto de prevenção a DST/Aids, entre outras. A rádio é apenas uma delas.
Rets - Por que essa ação da Polícia Federal? O que eles alegaram?
Vanderlei Giarola - O porquê não sabemos exatamente. Numa demonstração clara de incompetência, a Anatel não aprovou até hoje nenhum pedido de regularização de rádios comunitárias na cidade do Rio de Janeiro. Já faz quatro anos que a legislação foi aprovada [a Lei de Radiodifusão Comunitária 9612 de 1998] e no estado do Rio existem 600 rádios comunitárias. As alegações foram aquelas de sempre: falam em disque-denúncia, que o serviço de rastreamento (de pesquisa de espectro de rádio) apontou que nós não estamos regularizados, etc. Se essa intervenção é legal, eu considero ilegítima, pois é ilegítimo negar o direito à comunicação, regionalmente, como fazemos. Desde que a lei foi aprovada, entramos com pedido de regularização para obter o alvará de funcionamento, mas é o que eu falei: a Anatel demonstra claramente que a regularização da radiodifusão comunitária não está entre as suas prioridades.
Rets - Parte da aparelhagem que levaram foi comprada graças a um convênio que a Bicuda tem com o Ministério da Saúde, não é verdade? Ou seja, a ação da Polícia Federal interferiu numa atividade que tem a participação do próprio Estado...
Vanderlei Giarola - Desenvolvemos um projeto que trata de DST/Aids, em convênio com o Ministério da Saúde. O que fazemos é falar em saúde e na prevenção ao vírus em linguagem popular. Inclusive, recebemos há pouco tempo a visita de 12 representantes de países africanos que foram lá conhecer a Bicuda. A Polícia Federal deveria ter chegado lá nesse momento e ter prendido todo mundo que estivesse lá. Eu gostaria de ver como isso iria repercutir...
Rets - Existe uma posição clara da Anatel em não regularizar as rádios comunitárias?
Vanderlei Giarola - Se não existe uma posição declarada existe a intenção. No mínimo, há uma má vontade, pois mexe com o monopólio das comunicações no país. Portanto, se não há um movimento contrário, há a negligência no trato com as rádios comunitárias. Há 600 rádios comunitárias no estado do Rio e nenhuma da cidade do Rio consegue concessão. Para falar a verdade, há dois meses saiu a notícia de que uma rádio comunitária em Vista Alegre foi regularizada. Para se ter uma idéia, o bairro fica bem perto de nós e não conhecemos esta rádio. No interior do estado é diferente, existem mais rádios regularizadas (o que não é diferente no estado de São Paulo e em outros centros urbanos). Muitas vezes, tem a ver, sim, com política. E isso pode ter relação com a regularização destas rádios no interior.
Rets - Vocês pretendem fazer algum tipo de ação, de mobilização popular?
Vanderlei Giarola - Sim, vamos usar todos os meios ao nosso alcance para denunciar, vamos tentar agregar a sociedade civil organizada. Além disso, vamos exigir que, no mínimo, eles devolvam o equipamento e, se possível, aproveitar o momento para pedir pela nossa regularização.
Quem quiser entrar em contato com a Rádio Bicuda, para ajudar na mobilização ou se solidarizar, o telefone é (21) 3352-2452.
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