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Comunicando para transformar

Autor original: Rogério Pacheco Jordão

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"É necessário encarar o acesso a novas tecnologias de informação e comunicação – com toda a carga de exigências que esta demanda gera – como uma reivindicação cidadã, a ser levada adiante por todo o movimento social ", diz nesta entrevista à Rets, Ronald Colbert, um dos coordenadores do Groupe Médialternatif (GM), do Haiti. Criado em outubro do ano passado por um grupo de jornalistas insatisfeitos com os rumos das "mídias tradicionais", o GM tem como objetivo difundir informações alternativas por meio da internet. O desafio é fazer isto no Haiti, país em que menos de 3% da população tem acesso a linhas de telefone.

Rets - O senhor poderia contar um pouco a respeito dos motivos que levaram à criação do Groupe Médialternatif?

Ronald Colbert - A decisão de criar o GM tem como objetivo preencher o vazio de informação existente no universo de mídia do Haiti. Em geral, as mídias tradicionais são engolidas pelo rodamoinho das notícias diárias, negligenciando, desse modo, planos importantes da realidade nacional e do mundo. O conteúdo dessas mídias tornou-se atrofiado.

Partimos de uma visão alternativa e temos como objetivo fornecer a nosso público uma informação que lhe permita interpretar melhor sua realidade e transformá-la. Mas nosso trabalho não se restringe apenas a difundir informações pela AlterPresse (a agência de notícias do GM). Nós damos consultorias nas áreas de jornalismo e comunicações. Formamos jornalistas, os preparamos a fazer reportagens, a organizar uma cobertura e utilizar de maneira eficaz as ferramentas de comunicação

Rets - Qual é o público alvo do Groupe Médialternatif? O que vocês comunicam?

Ronald Colbert - Nosso objetivo é comunicar de modo a incentivar processos que levem as comunidades a se equipar para influenciar as instituições. A meta é estimular o acesso aos serviços públicos, mas também incentivar ações de desenvolvimento (da cidadania) de longo prazo. A nossa idéia é que as comunidades possam construir seu futuro de maneira autônoma e responsável. Esta opção implica em uma noção clara de princípios, como o respeito aos direitos humanos, a ética, a transparência e a justiça.

Para além da abordagem mais aprofundada dos temas sociais e econômicos que dizem respeito ao Haiti – indo sempre além do meramente "factual" – nós nos preocupamos com temas globais (econômicos e políticos) ligados aos movimentos sociais. Damos sempre destaque a movimentos favoráveis à autodeterminação dos povos e aos que promovem a troca de experiências entre organizações de diferentes países. São assuntos que interessam a diferentes comunidades.

É por isso que os assuntos que tratamos estão ligados não somente às comunidades nacionais - às instituições e organizações que trabalham com os grupos de base e marginalizados - mas também aos organismos, instituições e organizações internacionais. Fazemos isso a partir de uma perspectiva democrática e de busca de alternativas

Rets - Quais têm sido os resultados práticos deste esforço no Haiti?

Ronald Colbert - A nossa experiência tem menos de um ano. É difícil avaliar, em tempo tão curto, os resultados. No entanto, é possível perceber que há uma boa recepção à nossa iniciativa por parte dos movimentos sociais do Haiti e entre aqueles que se interessam pelo processo social no país.

É claro que a visitação ao nosso site – cerca de 6 mil page views por mês – é relativamente baixa quando comparada à audiência das grandes mídias. Mas a repercussão do nosso trabalho pode ser percebida em outros sites do Haiti e em sites de outros países, que demonstram interesse naquilo que produzimos. Isso pode ser medido também pelo resultado da busca da palavra AlterPresse no Google : são mais de 380 referências. Além do mais, nossa lista eletrônica possui mais de 760 inscritos. Somos reproduzidos por diversas outras listas eletrônicas.

Em menos de um ano de atividade a agência AlterPresse conseguiu se estabelecer como uma fonte de informação de credibilidade. Em paralelo a isso, nós contribuímos para a abertura de um espaço de discussão sobre a comunicação, por meio dos debates que organizamos. Os encontros reúnem jornalistas, professores de comunicação, militantes pelos direitos humanos, quadros de ONGs e estudantes.

No último dia 24 de abril, por exemplo, organizamos a primeira Festa da Internet do Haiti. Foi um dia de sensibilização a respeito das novas tecnologias de informação e de comunicação. Mais de 20 organizações de mídia participaram.

Rets - O Group MédiaAlternatif classifica sua metodologia de difusão de informações como sendo integral, diversificada e descentralizada. O senhor poderia explicar isso?

Ronald Colbert - O GM procura dar conta dos fatos que interessam às comunidades. Para tanto, diversificamos ao máximo nossas fontes de informação, sem abrir mão, é claro, da concisão na hora de escrever a notícia. A cobertura que fazemos dos fatos busca jogar luz sobre os diversos aspectos da vida cotidiana. A idéia não é simplesmente buscar a « objetividade », mas transmitir, com honestidade, informações que possam fornecer aos diferentes atores sociais subsídios para a tomada de decisões.

Para alcançar isso, é necessário não se contentar apenas com as fontes oficiais, mas dar voz a pessoas e grupos que não têm, em geral, acesso às mídias. São essas pessoas e grupos que poderão construir um novo discurso, um discurso alternativo. Por outro lado, nós queremos encorajar as camadas populares e marginalizadas a se expressarem. Isto, a partir de uma informação que não esteja centralizada nas mãos de uma minoria detentora de muito poder. A meta é estimular o surgimento de idéias novas e a participação de todos no processo de produção da informação.

Rets - Isto ficou mais fácil com o advento da internet?

Ronald Colbert - A internet faz parte do desenvolvimento e do progresso das tecnologias que aceleram os avanços em comunicação e informação. As populações dos países ditos "em desenvolvimento" devem fazer sua própria comunicação para adquirir autonomia de reflexão e informação – evitando o papel de meros consumidores de idéias e informações veiculadas pelos grandes grupos de mídia.

Com uma boa gestão da internet, muitas pessoas podem ser levadas a mudar suas visões a respeito de temas como o meio ambiente e as questões de gênero. E isso graças à qualidade das informações que são geradas na rede. É uma informação que nasce da visão particular e independente de muitos indivíduos.

Rets - A divulgação de informações pela internet não é limitada em um país como o Haiti, onde apenas 3% da população têm acesso a linhas de telefone?

Ronald Colbert - É claro que o acesso restrito a linhas telefônicas em países como o Haiti coloca um freio ao desenvolvimento da internet. Mas acredito que é necessário abordar o problema de uma maneira um pouco mais profunda. O primordial é que a maioria da população não tem acesso a serviços sociais básicos, como a educação. É necessário, pois, encarar o acesso a novas tecnologias de informação e comunicação – com toda a carga de exigências que esta demanda gera – como uma reivindicação cidadã, a ser levada adiante por todo o movimento social. Por isso, é essencial o trabalho permanente de conscientização a respeito das mudanças trazidas pelas novas tecnologias.

No caso específico do Haiti, há fatores que contrabalanceam o acesso restrito a linhas de telefone. É importante para nós o fato de existirem diversas redes « desconectadas » tanto em Port-au-Prince (a capital) como em diversas cidades do país. É preciso não esquecer também dos cybercafés e outros centros que contribuem para tornar a tecnologia acessível a algumas camadas da população. Os estudantes, muitos dos quais têm acesso à internet, também são importantes difusores de conhecimentos apreendidos na rede.

Mas não é só isso. No caso haitiano, chegamos à conclusão que é necessário juntar a internet a outras mídias que já têm penetração junto à população. A rádio, por exemplo, tem servido como suporte para o desenvolvimento da internet. Um ponto importante é que nossas notícias são também distribuídas por fax e veiculadas por estações de rádio, televisão e jornais.

O desenvolvimento da internet passa pelo fortalecimento de uma cultura de rede – o que pode ocorrer, em um primeiro momento, sem a intermediação da rede mundial de computadores.


Rogério Pacheco Jordão

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