Você está aqui

Pra que serve a democratização dos meios de comunicação?

Autor original: Rogério Pacheco Jordão

Seção original: Artigos de opinião

Marcos Menezes*

A contextualização da discussão sobre a democratização dos meios de comunicação é fundamental para que esse objetivo não se transforme somente em um fim em si mesmo. Está claro para qualquer pessoa no mundo hoje que algo cheira mal. O grande desafio, no entanto, é identificar a raiz dos problemas. A corrupção, a violência, a desigualdade, a miséria, o consumismo, o neoliberalismo, a destruição do meio ambiente, o stress, etc, são sintomas de uma questão mais profunda. E o que vemos geralmente são propostas (algumas vezes bem intencionadas) mas que por visarem apenas um desses sintomas, acabam gerando outros problemas. E o mundo continua piorando...

Se observarmos com calma, podemos constatar que esses sintomas são frutos da miséria da condição do ser humano atual. Frutos de males que todos possuímos e disfarçamos: o egoísmo, o orgulho, a vaidade, a inveja, a preguiça. Podemos chamar isso de incapacidade da compaixão e da solidariedade desinteressada. E são essas características que vão gerar pessoas violentas, corruptas, que não se importam com a dor e a miséria do outro, pessoas que só se preocupam com a própria satisfação. E essas pessoas vão gerar a corrupção, a violência, a desigualdade, etc.

Essa "degradação da consciência" é chamada na psicologia de teoria da neurose. Afinal todos nós nascemos com um fluxo saudável de amor, e fomos perdendo esse contato com nossa essência devido às hostilidades e frustrações com o mundo, o que nos fez desenvolver todos esses defeitos para conseguir sobreviver.

Logo, não é possível uma mudança profunda no mundo se os seres humanos não mudarem também. E essa mudança é totalmente possível e desejável, afinal só temos que recuperar um "modo de funcionamento" que já possuímos anteriormente. O que nas tradições espirituais é chamado de retornar ao paraíso, voltar para casa, encontrar a terra prometida, atingir o nirvana...

Mas, para isso, é preciso ter consciência da raiz dos problemas que está na limitação humana em cada um de nós. É preciso ainda enfrentar o incômodo da auto-observação dos próprios defeitos, da auto-observação do egoísmo. Só através dessa "jornada" de autoconhecimento é possível recuperar a condição humana natural, de amor incondicional, de felicidade plena.

Entretanto, esse é o único caminho para melhorarmos o mundo. Não é possível um mundo sadio sem pessoas sadias, não é possível um mundo feliz sem pessoas felizes. O que acontece normalmente, no entanto, é que o interesse capitalista das grandes empresas explora ao máximo essa insatisfação humana, esse vazio que todos nós temos, causado pela perda da nossa essência. Isso é feito geralmente através da publicidade e do estímulo ao consumismo. As propagandas na televisão, no rádio, nas revistas, nas ruas, conseguem nos convencer que a felicidade depende de comprar aquele produto novo, aquele carro, aquele produto de beleza, aquela roupa, aquele serviço tal. Conseguem o absurdo de nos convencer que a felicidade pode vir de fora.

Nesse sentido, de modo geral, a motivação que move as pessoas que trabalham nos grandes meios de comunicação corporativos é a audiência, que está diretamente relacionada com a quantidade de dinheiro que a publicidade veiculada vai gerar para a empresa dona do meio de comunicação.

Aqui entra a importância fundamental da democratização dos meios de comunicação. Não apenas como fim em si mesmo. Mas sim como possibilidade de se desenvolver novos espaços públicos para o diálogo e para a livre expressão de problemas, críticas, idéias e projetos; sem a ditadura "do lucro a qualquer custo".

Afinal, não adianta existirem milhares de rádios e tvs comunitárias se as pessoas não tiverem clareza da importância da função social desses meios e não tiverem novas propostas de conteúdo e de linguagem.

E, infelizmente, o que mais vemos são rádios comunitárias cuja programação é quase toda de músicas das grandes gravadoras e de notícias retiradas de grandes veículos de comunicação comerciais. Que diferença uma rádio assim faz na comunidade?

Entristece também ver os novos canais de tv comunitários e universitários praticamente reproduzindo o formato das grandes tvs comerciais. Quase não existe espaço de experimentação, de subversão da linguagem, de outros tempos de diálogo, outras palavras. São raríssimas as propostas reais de crítica ao sistema, aos dogmas; raríssimas as propostas e idéias inovadoras. De que adiantou toda a luta pelo acesso da sociedade civil aos canais de televisão?

As rádios, tvs e publicações comunitárias e populares têm uma responsabilidade muito grande. Porque não podem reproduzir o discurso neoliberal subliminar de incentivo ao consumo e à competição. Esses espaços de interlocução têm o dever de realizar debates coletivos para discutir seus objetivos e estratégias práticas para fomentar a cidadania e a solidariedade. Devem estar sempre atentos para localizar e discutir democraticamente as questões institucionais e as relações de poder (dentro de cada rádio ou tv) que interferem na liberdade de criação e nos espaços de contestação e experimentação. Não uma discussão puramente de palavras bonitas e abstratas (os políticos são mestres nesse bla-bla-bla), mas sim com propostas práticas e pontuais que possam ser implementadas.

Para isso, é preciso discutir profundamente o papel social das pessoas que trabalham nesses espaços. Discutir as relações de poder dentro desses meios de comunicação (quem é que manda, quem é que inibe a criatividade, a ousadia, a experimentação?). Discutir qual é a missão, qual o objetivo e quais as estratégias e as propostas. É preciso abrir esses veículos "democráticos" para a participação da sociedade, dos filósofos, dos sociólogos, psicólogos; para as crianças proporem livremente seus programas, para os movimentos sociais, as ongs, a comunidade local, as escolas, os ativistas da ecologia, os artistas populares, os poetas, etc.

É preciso fazer a crítica consciente das ideologias podres; do capitalismo selvagem que está fundado no egoísmo e na competição dentro de cada um de nós; a crítica dos interesses comerciais e financeiros que movem a pseudo-cultura que circula nas rádios e tvs; é preciso fazer a crítica da burocracia abominável que engessa a criatividade e a alegria; a crítica às hipocrisias e ao cinismo que impedem que se possa falar o que se pensa, impedem que os dogmas sejam desmascarados. É preciso ousar mais. Para explorar outros assuntos diferentes dos clichês que saturam a grande mídia. Para aprofundar a análise dos temas, analisando o contexto, discutindo as causas e possíveis soluções. É preciso, antes de mais nada, ter coragem para se fazer a autocrítica, para debater publicamente que a miséria social (que só aumenta no mundo) tem sua origem no nosso egoísmo e na nossa vaidade.

Para pensar e discutir outro mundo, com mais solidariedade, mais respeito e mais paz, é preciso a coragem dos comunicadores. COR-AGEM: Ação que vem do coração.


*Marcos Menezes coordenador da Associação MudaMundo e responsável pelos projetos da Rede Brasil de Comunicação Cidadã - RBC na internet.

Este artigo foi originalmente publicado no site Feijão - conteúdos para comunicação. www.feijao.org

 





A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer