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As perdas e os ganhos da Cúpula de Joanesburgo

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião

Carlos Tautz*


Não foram lá grande coisa os resultados imediatos da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável realizada na África do Sul. Convocada para descobrir meios de implementar as decisões tomadas há 10 anos na Rio 92, a conferência de Joanesburgo esteve muito longe de propor soluções para a erradicação da miséria e de proteção ao ambiente mundial. Ao contrário, o que se viu foi mais uma vez o exercício da supremacia das nações enriquecidas – particularmente os Estados Unidos – sobre o restante do globo.


Boa parte dos textos aprovados na África do Sul inspirou-se na Organização Mundial do Comércio (OMC), onde o debate com os movimentos sociais é zero. Mas, em Joanesburgo foi um pouco diferente. As delegações oficiais estiveram sempre na mira da denúncia das ONGs, o que deu à Cúpula o caráter de contraponto social às decisões econômicas da OMC. Mais ou menos na linha do antagonismo entre o Fórum Social Mundial de Porto Alegre e o Fórum Econômico Mundial de Davos.


A conferência teve pelo menos três avanços importantes. Primeiro, ajudou as organizações da sociedade civil a expressarem parcialmente a oposição aos princípios de liberalização total do comércio, como preconizam as decisões da OMC que contaminaram Joanesburgo. Depois, estimulou a divulgação de estudos científicos que comprovaram a gravidade dos problemas ambientais globais, o que terminou por isolar politicamente as nações que ainda rejeitam instrumentos jurídicos como o Protocolo de Quioto. E, por fim, redescobriu o princípio de que todos os países têm direito ao desenvolvimento, algo de que nos esqueceramos durante as décadas de supremacia ideológica do neoliberalismo.


Quase todos os governos, incluído o do Brasil, tentaram fazer de Joanesburgo uma justificativa política para a rodada de negociações da OMC que começou em Doha (Catar) no final de 2001, e que visa a derrubar qualquer barreira ao comércio internacional, inclusive proteções sociais e ambientais. A rodada é uma tentativa de recuperar o espírito do Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), que foi negociado secretamente de 1995 a 1997 na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O AMI fracassou em 1998 devido à pressão de ONGs internacionais e à defecção da França, integrante do núcleo do G-7, que não aceitou a liberalização do seu mercado cultural. Desde então, o AMI vem tendo seus princípios introduzidos em várias negociações paralelas que se desenvolvem na OMC.


Joanesburgo também vivenciou um tipo de apartheid (além daquele racial, cruel, que ainda hoje é visível e sufocante). Por pressão do governo sul-africano, as delegações oficiais e as das ONGs foram sediadas a 25 km de distância uma da outra. Esse fato foi decisivamente agravado por uma das heranças do apartheid: a inexistência de transportes coletivos públicos na capital sul-africana. Assim, debates importantes - como o acesso à biodiversidade, o estímulo às fontes renováveis de energia (proposta brasileira que se transformou no emblema da Cúpula) e o reconhecimento de que o acesso à energia e a água potável são direitos humanos inalienáveis – tomaram lugar em Sandton, sede das negociações oficiais, mas com muito pouca participação das organizações da sociedade civil.


Estas manifestaram-se com mais vigor na passeata que reuniu 20 mil pessoas em 31 de agosto. Elas percorreram a pé os quatro quilômetros que separam Sandton da miserável favela Alexandra. Seus quase um milhão de habitantes têm de superar diariamente a falta de saneamento básico, de habitação digna e de compromisso social que caracterizam o governo do presidente sul-africano Thabo Mbeki. E disseram isso tudo a Sandton.


A Cúpula também ajudou a realçar a importância que os temas do ambiente e das relações internacionais terão nos próximos anos. Como se não bastasse a importância dos eventos de 11 de setembro de 2001 para a agenda internacional, a partir de 2003 o Brasil será chamado a colocar em prática a sua natural projeção nas questões ecológicas. Primeiro, nas negociações do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que entrará em vigor em aproximadamente 90 dias, junto com o Protocolo de Quioto. E em março do próximo ano, quando esta mesma cidade japonesa que sediou o acordo sobre as metas de redução de emissão de CO2 vai receber a Cúpula Mundial da Água, organizada pela ONU, e o já prometido Tribunal Internacional da Água, que deverá ser organizado pelas ONGs internacionais.


A água – anotem aí – é o grande debate da vez.


*Carlos Tautz é editor da revista Ecologia e Desenvolvimento. Cobriu a Cúpula da África do Sul para o Jornal do Brasil.



Joanesburgo – objetivos não atingidos


Temístocles Marcelos Neto e Kjeld Jakobsen*


A Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável, convocada pela ONU, com objetivos claros de definir metas e planos de implementação daquilo que se convencionou a ser chamado “Espírito do Rio”, recém terminou e fracassou frente a estes objetivos.


Esta é uma constatação diante da incapacidade de se avançar nos temas que compunham o centro estratégico da conferência. Foi sobre os temas como energia, mudanças nos padrões de consumo, produção e comércio internacional que os interesses das corporações multinacionais foram decididamente defendidas pelo governo norte americano, impondo ao resto do mundo a manutenção do status quo e da atual tendência hegemônica: os ricos cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres e as questões ambientais servindo apenas como retórica e jogadas de “marketing”.


Entretanto, vale ressaltar que em outros temas como gênero, direitos dos trabalhadores e saneamento básico, graças a arrojadas articulações e intervenções nos espaços oficiais da conferência, sustentadas por manifestações públicas, conseguiu-se cumprir as tarefas previstas no Rio de Janeiro e introduzir na declaração política de Johanesburgo, várias referências a estes elementos importantíssimos do ponto de vista temático.


No caso dos trabalhadores, as referências aos princípios fundamentais defendidos pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, foi uma vitória importantíssima das Centrais Sindicais, pois chegou-se a fazer fortes menções à dimensão social do desenvolvimento, embora na declaração política e não no plano de implementação de medidas concretas.


No caso das mulheres, as tentativas de retroceder foram intensas, promovidas pelos lobbies fundamentalistas. As organizações feministas sempre vigilantes, conseguiram barrá-las, bem como dar visibilidade significativa às questões de gênero durante toda a Conferência.


O resultado global do significado da Conferência, ainda merecerá um intenso debate por parte da Executiva Nacional da CUT e das demais organizações da sociedade civil, que têm como objetivos modificar os atuais padrões de consumo e produção.


Cabe avaliar também uma nova estratégia do movimento social frente às conferências sociais da ONU. Uma década atrás suas resoluções confrontavam-se com as políticas econômicas dos mesmos países que delas participavam, mas hoje elas estão cada vez mais submetidas ao receituário econômico neoliberal, o que evidentemente elimina seu caráter social e desenvolvimentista.


O Fórum Social Mundial, em Porto Alegre no próximo ano, será uma oportunidade importantíssima para discutirmos isto, ao mesmo tempo em que concluímos uma avaliação da Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável. Temos que estabelecer uma plataforma comum efetivamente sustentável e que consiga, por exemplo, com outro patamar de lutas mundiais, impor um desfecho diferente para a Reunião da OMC em Cancun no México no mês de agosto de 2003, que já sabemos será uma rodada de negociações com cartas marcadas, pela era Bush e pelo famigerado efeito do ataque de 11 de Setembro.


Nos encontraremos em Porto Alegre, certos de que um outro mundo é possível.


* Temístocles Marcelos Neto é Diretor Executivo da CUT Nacional e Coordenador da Comissão Nacional do Meio Ambiente - CNMA/CUT. Kjeld Jakobsen é Secretário de Relações Internacionais da CUT Nacional.



Lição óbvia

Fabio Feldmann*

Representantes de 191 países reuniram-se em Joanesburgo, África do Sul, para discutir os desafios ambientais do planeta e os instrumentos para enfrentá-los. Encerrada a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em 4 de setembro, pergunta-se: era mesmo necessária a espetacular mobilização de Chefes de Estado e de Governo, representantes governamentais, de instituições multilaterais, organizações não-governamentais, empresários e ambientalistas para alcançar resultados tão pífios? A resposta é não, ainda que se possam encontrar pontos positivos no documento final aprovado na conferência, o Plano de Implementação.

A Conferência de Joanesburgo - conhecida como Rio+10 por visar à identificação dos avanços e dos problemas no período de dez anos que se seguiu à Conferência do Rio, em 1992 - deu-se num momento histórico bastante diferente do vivido naquele ano. Em 1992, estávamos no fim da Guerra Fria, após a queda do muro de Berlim. O clima era de otimismo e esperança. O esforço mundial realizado no Rio de Janeiro produziu resultados - particularmente a Agenda 21 e a Declaração do Rio - que definiram o contorno de políticas essenciais para alcançar um modelo de desenvolvimento que atendesse às necessidades das populações mais pobres, sem com isso ameaçar os recursos imprescindíveis à sobrevivência das futuras gerações.

Em 2002, apesar das propostas aprovadas na Rio-92, incerteza e insegurança se impõem tanto aos países ricos como às nações em desenvolvimento, aliadas ao agravamento da pobreza e ao aumento da desigualdade. A cúpula de Joanesburgo é um reflexo desse contexto histórico. Durante o processo preparatório da Conferência, conceitos e princípios aprovados em 1992 foram colocados em xeque. A simples manutenção desses princípios, agora, é considerada uma vitória - quando, na verdade, não constitui avanço algum. O verdadeiro objetivo da Cúpula de Joanesburgo, a discussão de medidas para implementar os acordos do Rio, não foi alcançado. Muita energia foi gasta para evitar retrocessos, e não para promover avanços. No entanto, o Brasil sai da conferência com a sensação de dever cumprido. Tanto na esfera nacional como internacional, o país promoveu avanços significativos, ratificou a maioria dos acordos e convenções resultantes da Rio-92 e formulou importantes propostas, emergindo como uma das principais lideranças da cúpula. Além de protagonizar acordos com os países megadiversos e encabeçar a Iniciativa Latino-Americana e Caribenha (ILAC), que unificou as reivindicações da região, o Brasil teve papel central com a apresentação da Iniciativa de Energia. A proposta, elaborada pelo Secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, José Goldemberg, visava o comprometimento de todos os países em aumentar para 10% o uso de fontes de energia renováveis até 2010. A proposta foi derrotada pela ação de países produtores de petróleo e países que utilizam combustíveis fósseis de maneira intensiva, como os Estados Unidos. Entretanto, apesar de ter não ter sido aceita, a iniciativa teve mérito inegável, já que tornou o tema da energia um dos grandes focos de discussão da conferência.

Reconhecido o fracasso da Conferência, cabe a nós um olhar crítico sobre esses resultados e sobre as perspectivas do planeta. A lição mais óbvia que se tira de Joanesburgo é a fragilidade da Organização das Nações Unidas, que não tem conseguido se mostrar efetiva nem na implementação de decisões, nem na indução desse processo. Sem força jurídica para cobrar a execução das diretrizes adotadas, o sistema multilateral da ONU - em que qualquer resolução exige consenso e em que todas as nações têm igual peso, independentemente do tamanho de suas populações - não apresenta resultados satisfatórios quando há interesses contraditórios em jogo. O que se vê então é a imposição das nações ricas sobre as pobres, mantendo-se o status quo em detrimento da saúde planetária. As dificuldades hoje avistadas evidenciam o esgotamento do ciclo de grandes conferências das Nações Unidas. Por isso, é fundamental que se promova, urgentemente, um novo desenho desse sistema, de forma a definir novos mecanismos políticos para tornar a governança mundial mais justa e eficaz.

* Fabio Feldmann é Secretário Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e foi nomeado, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, seu representante para as questões relacionadas à preparação e participação do Brasil na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo.


 





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