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A era dos idosos

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião

Renato Veras

O século XX se caracterizou por imensas transformações. Possivelmente a maior delas é o envelhecimento populacional. A esperança de vida cresceu, mundialmente, cerca de 30 anos neste último século. As conseqüências desta maior longevidade são dramáticas e pouco apreciadas. Toda a sociedade está sendo afetada - e continuará a sê-lo na medida em que esperamos para as próximas décadas um processo de envelhecimento ainda mais rápido refletindo a diminuição acelerada das taxas de natalidade, nos últimos anos, na maioria dos países. A equação demográfica é simples: quanto menor o número de jovens e maior o número de adultos atingindo a terceira idade, mais rápido o envelhecimento populacional.


Uma das maiores conquistas da humanidade foi a ampliação do tempo de vida, ampliação que se fez acompanhar de uma melhora substancial dos parâmetros de saúde das populações, ainda que estas conquistas estejam longe de se distribuir de forma eqüitativa nos diferentes países e contextos socioeconômicos. O que era antes o privilégio de poucos, chegar à velhice, hoje passa a ser a norma mesmo nos países mais pobres. Esta conquista maior do século XX se transforma, no entanto em um grande desafio para o século que se inicia. O envelhecimento da população é uma aspiração natural de qualquer sociedade, mas não basta por si só. Viver mais é importante desde que se consiga agregar qualidade a estes anos adicionais de vida.


Nunca antes na história da humanidade os países haviam registrado um contingente tão elevado de idosos em suas populações, o que vem se fazendo de forma particularmente relevante, em anos recentes, no grupo de idade extrema, acima de 80 anos. A rapidez desta mudança demográfica também não tem precedente. No Japão, a proporção de pessoas com 65 anos de idade ou mais duplicou, entre 1970 e 1994, passando de 7% para 14%, e as projeções indicam que mais de 25% da população japonesa terá 65 anos ou mais no ano 2020.


Nos países desenvolvidos, a transição demográfica ocorreu lentamente, realizando-se ao longo de mais de cem anos. Hoje, alguns desses países apresentam um crescimento negativo da sua população, com a taxa de nascimento mais baixa que a de mortalidade. Não é demais lembrar a importante expansão projetada para o grupo dos idosos no Brasil, país tido como jovem e que hoje se encontra com cabelos brancos. Em um período de apenas 70 anos (1950 a 2020), a população brasileira estará crescendo 5 vezes, enquanto o grupo etário dos maiores de 60 anos estará se ampliando em 16 vezes. Comparando-se com outros países, como os Estados Unidos, Japão e China, no mesmo período, esta ampliação da população idosa será de apenas 3.5, 5 e 6.5 vezes, respectivamente.


A queda da taxa de mortalidade e a redução da taxa de fecundidade, a partir da década de 1960, são os dois determinantes básicos da transição demográfica, caracterizada pela mudança de um nível alto de mortalidade e fecundidade para níveis mais baixos, o que altera significativamente a estrutura etária da população. No Brasil, ocorreu uma acentuada redução nas taxas de mortalidade, particularmente nos primeiros anos de vida. Entretanto, mais do que a diminuição da mortalidade, a explicação para o crescimento da população de mais de sessenta anos está na drástica redução das taxas de fecundidade, principalmente nos centros urbanos. São várias as razões para esta mudança no padrão reprodutivo. Uma delas, fruto do intenso processo de urbanização da população, é a necessidade crescente de limitação da família, ditada pelo modus vivendi dos grandes centros urbanos (principalmente em um contexto de crise econômica), caracterizado, entre outras coisas, por uma progressiva incorporação da mulher à força de trabalho, e pelas mudanças nos padrões socioculturais decorrentes da própria migração e da ação massificadora dos meios de comunicação, sobretudo a televisão, que veicula um padrão de vida associado, de um modo geral, às famílias pequenas. Neste contexto, observa-se uma crescente difusão de métodos contraceptivos no Brasil.


O Brasil é um país que envelhece, a passos largos. As alterações na dinâmica populacional são claras, inexoráveis e irreversíveis. No início do século XX, um brasileiro vivia em média 33 anos, ao passo que hoje a expectativa de vida dos brasileiros atinge os 68 anos. Entre 1960 e 1980, observou-se, no Brasil, uma queda de 33% na fecundidade. A diminuição no ritmo de nascimento resulta, em médio prazo, no incremento proporcional da população idosa. Nesse mesmo período de vinte anos, a expectativa de vida aumentou em oito anos. Hoje a população de idosos totaliza 15 milhões de brasileiros, que em vinte anos serão 32 milhões. Esse segmento populacional, ao crescer quinze vezes no período de 1950 a 2020, em contraste com a população total que terá crescido apenas cinco vezes, situará o Brasil como o sexto país do mundo em termos de massa de idosos. Em paralelo às modificações observadas na pirâmide populacional, doenças próprias do envelhecimento ganham maior expressão no conjunto da sociedade. Um dos resultados desta dinâmica é uma demanda crescente por serviços de saúde.


No Brasil o envelhecimento populacional caminhou paralelo à progressiva urbanização e respondeu a um processo de complexificação científica e tecnológica nas mais variadas áreas do conhecimento - sobretudo no âmbito da biologia e medicina. Portanto, não apenas a estrutura da população se transformou profundamente, como também suas expectativas e valores.


Ainda que em países extremamente pobres, como os da África subsahariana, o aumento da expectativa de vida seja modesto, se comparado ao observado nas sociedades desenvolvidas, diversos destes países se vêem às voltas com uma população que reclama atenção e recursos em ambas as suas "pontas", ou seja, existe uma população muito jovem de importância central, mas também um componente crescente de pessoas mais velhas que vem experimentando incrementos substanciais nas últimas décadas. Estes idosos cumprem por vezes um papel fundamental - como na África, assolada pela pandemia do AIDS, onde são eles que cuidam dos filhos aidéticos e, após a morte dos mesmos, dos netos órfãos.


O Brasil, país de nível intermediário de renda per capita, marcado por profundas desigualdades sociais, apresenta situações absolutamente contrastantes, com estratos sociais privilegiados exibindo padrões demográficos e comportamentais em tudo semelhantes aos existentes nos países desenvolvidos e populações carentes de recursos básicos, como habitação, saneamento e alimentação adequada. Do ponto de vista demográfico, não resta dúvida de que existe uma superposição em nosso país de uma população jovem de dimensão muito relevante, com uma população envelhecida igualmente expressiva, na verdade, o Brasil atual trata-se de um "país jovem de cabelos brancos".


* Renato Veras é médico, professor do Instituto de Medicina Social e Diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ.

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