Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
O outro lado do ringue conta com um peso pesado no quesito formação de opinião: a Igreja Católica. Contrário desde sempre, o Vaticano não ensaia nenhum movimento no sentido de admitir qualquer tecnologia reprodutiva - muito menos o aborto. É a Igreja - e sua idéia de sacralidade da vida - a principal influência sobre os grupos pró-vida, que rebatem os argumentos de direitos humanos empunhados pelo movimento feminista perguntando: "E os direitos humanos do filho?". Para quem é contra o aborto, a vida é formada no momento da concepção (fecundação), já existindo a partir dali um novo ser humano. Retirar da barriga da mãe este novo ser é, assim, um assassinato. Para eles, o filho não é parte do corpo da mulher e, sim, um novo ser. Por isso, não procede o argumento de que as mulheres devem decidir o que fazer com os próprios corpos.
Um dos argumentos mais fortes pró-aborto é a questão da saúde da mulher. O fato de o aborto de um modo geral ser ilegal não significa que não é realizado. Como é uma atividade clandestina (e que não se encontra em qualquer esquina), os serviços que apresentam condições seguras à saúde da mulher normalmente são caros. Pela própria realidade sócio-econômica brasileira (além de a educação sexual praticamente inexistir principalmente nas classes menos favorecidas), o maior número de gestações indesejadas se dá nessas classes – justamente as que não têm condições de pagar uma boa clínica clandestina. Acabam recorrendo a clínicas menos preparadas ou métodos caseiros de induzir o aborto.
Nesse contexto, as complicações são corriqueiras. Anualmente, morrem na América Latina e Caribe cerca de quatro milhões de mulheres em consequência de abortos inseguros, segundo dados de 1998 da Organização Mundial de Saúde. A RedeSaúde – em seu Dossiê Aborto Inseguro, de 2001 – estima que o aborto inseguro é a quarta causa de mortalidade materna (relacionado com complicações no parto ou na gravidez). Para o movimento feminista, legalizar o aborto é garantir que esses números diminuam vertiginosamente, na medida em que as mulheres poderão ter o devido atendimento, com o respaldo e sem medo da lei.
Métodos anticonceptivos
Há ainda outros aspectos, como controle de natalidade e implicações sócio-econômicas do aborto, estudados pela pesquisadora Sonia Corrêa, do Ibase e da Rede Dawn (Development Alternative with Women for a New Era). Para ela, “mesmo que uma ampla política de saúde sexual e reprodutiva fosse implementada em todo o país, é fundamental reconhecer que ainda assim a gravidez indesejada não iria desaparecer, num passe de mágica. As mulheres engravidam sem desejar mesmo nos países onde estas condições estão dadas como é caso da Suécia, Dinamarca e Holanda. Por que isto acontece? Em primeiro lugar porque os métodos anticonceptivos (exceto os definitivos, como a laqueadura) não são infalíveis. Eles falham tecnicamente. Em segundo lugar, muitas mulheres não têm acesso a métodos contraceptivos femininos, seja porque não podem comprar, seja porque não têm acesso a serviços que os ofereçam gratuitamente.”
Sonia também leva em conta outras questões do discurso do movimento feminista: “Entretanto o mais importante a meu ver é reconhecer que o aborto não é só um problema de saúde ou de prevenção da gravidez indesejada, mas uma questão de direitos tal como formulada na cartilha distribuída pela Rede Dawn e a Campanha 28 de setembro (controle e segurança sobre o próprio corpo, autonomia pessoal, privacidade, diversidade de opinião). O aborto é sempre uma circunstância que revela e interroga a questão da liberdade.”
Esses argumentos pouco sensibilizam os grupos pró-vida, que consideram o direito à vida maior do que o direito à liberdade. Para eles, realizar um aborto é comparável ao nazismo, ao alijamento dos leprosos levado a cabo no passado, dos velhos e de todos que se tornam “socialmente incovenientes” para quem realiza a ação.
Nessa briga permeada por considerações filosóficas, éticas, religiosas e exigência de direitos, aparecem movimentos como o Católicas pelo Direito de Decidir. “O nome "católicas" vem da nossa ligação com a igreja progressita e também pelo nosso contato com as Católicas do Uruguai, que já tinham um grupo constituído na época do surgimento de Católicas no Brasil”, explica Dulcelina Vasconcelos Xavier. Sendo católicas e defendendo o direito de escolher, podem correr o risco de serem consideradas controversas, o que não aceitam. “Não somos ‘controversas’, pois somos católicas e o nosso objetivo não é a defesa do aborto como método contraceptivo; o que queremos é que as decisões das mulheres sejam respeitadas em todas as dimensões, inclusive quando interrompem uma gravidez”, justifica Dulcelina. São pessoas que, apesar de católicas, levam em consideração o contexto social da vida da mulher, buscando compreender a condição concreta dela ter ou não possibilidade de levar a cabo uma gravidez. Na mesma medida, defendem a implementação de uma política efetiva de educação sexual e acesso a todos os métodos contraceptivos como forma de prevenção de gravidezes indesejadas, evitando, assim, o aborto.
O Legislativo
O campo em que grande parte desse debate se define é o Legislativo. Quando leis que permitem ou proíbem o aborto são aprovadas é que algum destes grupos obtêm alguma vitória. Atualmente, vários projetos-de-lei tramitam no Congresso Nacional, onde atuam lobbies tanto da bancada católica quanto dos movimentos feministas. Uma referência no assunto aborto no Congresso é o PL 00020, de 1991, proposto pelo deputado federal Eduardo Jorge, do PT. Mais de dez anos atrás, ele propunha que a rede pública de saúde oferecesse os serviços de aborto legal. Até hoje está na Câmara dos Deputados.
Para tentar adiantar a aprovação de projetos-de-lei desse tipo, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) atua diretamente no acompanhamento destes processos. “Existem diversos projetos em tramitação no Congresso Nacional sobre a temática do aborto. De um lado, dispondo sobre a ampliação das possibilidades de sua realização, sua descriminalização e sua legalização. De outro, propondo a condenação de toda e qualquer interrupção da gravidez. Estes projetos estão parados. As proposições que pretendem ampliar as possibilidades do aborto, descriminalizá-lo ou legalizá-lo enfrentam a oposição fundamentalista das forças religiosas e conservadoras", afirma Almira Correia de Caldas Rodrigues, assessora técnica do Cfemea.
De seu lado, os grupos pró-vida atuam no Congresso pela criação do Dia do Nascituro (não nascido), através do PL 947, de 1999, apresentado pelo deputado Severino Cavalcanti, católico e identificado com a luta contra a legalização do aborto. Tanto este PL quanto o Projeto de Decreto Legislativo 737/98 (que susta a Norma Técnica do Ministério), também de autoria de Severino Cavalcanti, contam com o apoio da CNBB.
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