Autor original: Marcelo Medeiros
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Uma pausa no trabalho para um cafezinho, outro para acordar, mais um após as refeições. Trata-se de um hábito comum a muita gente. Poucas pessoas sabem, entretanto, o que há por trás de uma inocente xícara. O café atingiu seu menor preço no mercado internacional em 30 anos e dessa forma milhões de trabalhadores vêem seu rendimento cair enquanto as multinacionais que o revendem lucram milhares de dólares por ano. Mostrar essa situação é a intenção da campanha internacional “O que tem no seu café?”, lançada em 20 países em 18 de setembro pela Oxfam –organização britânica que luta pelo comércio justo e promove ações humanitárias. No Brasil, a iniciativa tem o apoio da CUT e da Contag.
Foram produzidos dois relatórios, “Pobreza em sua xícara: o que há por trás da crise do café”, sobre a crise internacional do produto e “Café do Brasil: o sabor amargo da crise”, sobre a situação social no maior produtor mundial do grão. Ambos documentos embasarão a campanha, que irá propor ações tanto em âmbito interno quanto externo para o comércio de café, inclusive entregando os relatórios a autoridades.
A crise
O relatório internacional da ONG britânica dá uma visão geral das conseqüências sociais da crise do café e apresenta dados sobre o papel das torrefadoras no setor. De acordo com o documento, o café emprega direta e indiretamente cerca de 25 milhões de pessoas- em 80 países da África, Ásia e América Latina. A maior parte trabalha em pequenas propriedades e colabora para o crescimento da safra mundial.
Os pequenos agricultores, entretanto, não têm recebido proporcionalmente ao tamanho da produção, dada a queda nos preços do café. Pior: chegam até mesmo a receber valores abaixo do custo de produção. Por outro lado, grandes empresas torrefadoras e moedoras apresentam balanços financeiros cada vez mais positivos, pois suas margens de lucro chegam a 26% do preço final.
A queda nos preços mundiais decorre da superprodução e da alta volatilidade dos preços do café. Novas tecnologias e expansão das áreas plantadas são responsáveis pelo crescimento da oferta, que ultrapassa a demanda. A volatilidade, causada pela desregulamentação dos mercados, pelo fracasso de acordos internacionais e o desenvolvimento do mercado de commodities, impede os agricultores de planejar suas vidas a médio ou longo prazo. Além disso, os estoques mundiais estão muito altos, capazes de abastecer durante alguns meses o planeta. Hoje se produz anualmente 8% de café a mais do que o necessário. “Com esses fatores agindo, a economia de muitos países praticamente quebra, pois 80% de seus recursos são gerados pelo comércio de café”, diz Kátia Maia, assessora para mídia e advocacy da Oxfam no Brasil.
Para piorar, os agricultores ficam com uma pequena parte do preço final, pois a cadeia de comercialização é bastante cara. No fim das contas, apenas 10% dos US$ 43 bilhões movimentados pelo café no mundo ficam nos países agricultores. O restante fica na mão de multinacionais e atravessadores. Há dez anos, esse percentual era de 30%.
Brasil
O Brasil está entre os países com maiores propriedades produtivas e um dos custos mais baixos de produção. De acordo com a Organização Internacional do Café (OIC), existem 8,4 milhões de empregos diretos e indiretos relacionados ao café no país, que, na safra de 2002/2003, deve colher 44,7 milhões de sacas –recorde nacional e maior produção mundial.
Esses números, entretanto, escondem uma outra realidade. A safra seguinte deve ser bem menor, pois o ciclo produtivo do grão atinge seu auge a cada cinco anos e a colheita deste ano é originária de crise de 1997, causada por geadas em Minas Gerais, o maior produtor regional.
Com o preço em baixa, uma crise é prevista e ela prejudicará principalmente os 210 mil agricultores familiares brasileiros, responsáveis por 25% da produção nacional. “No Brasil, embora a maior parte da produção seja em grandes propriedades, 75% dos produtores são pequenos proprietários. Essa imagem de que só há grandes plantações não é real”, diz Gerônimo Brumatti, diretor-executivo da CUT. Quebras são esperadas, bem como aumento do uso de agrotóxicos e aumento do êxodo rural.
As ações
No relatório global está contido o Plano de Resgate do Café da Oxfam, que terá auxílio da OIC. As demandas são feitas para todos os envolvidos na comercialização do café –desde produtores a varejistas e consumidores. Entre elas estão o melhor pagamento dos agricultores pelas torrefadoras; diminuição dos estoques internacionais; criação de um fundo para ajudar produtores pobres a buscar outros meios de vida, tornando-se menos dependentes do café; e aumento do comércio justo de café. Porém, como fazer isso?
Um exemplo dado pelo relatório de como é desequilibrada a relação entre produtores e empresas é Uganda. Os agricultores do país africano recebem apenas US$ 0,14 por quilo de café, enquanto ele chega às prateleiras de Londres custando US$ 26 o quilo de café solúvel. A pressão dos consumidores nesse caso é de extrema importância. “Ela tem grande impacto nas empresas que têm marcas bem conhecidas, como é o caso de Nestlé e Sara Lee. Os acionistas das empresas também têm interesse que a reputação da empresa não seja de vilã. Além disso, algumas empresas estão reconhecendo que é do seu interesse a longo prazo que haja uma oferta estável do café de qualidade”, diz Michael Bailey, coordenador da área de Comércio e Investimento no Departamento de Políticas da Oxfam.
O aumento da qualidade do produto é uma forma de diminuir a oferta, segundo os relatórios. A queima de cinco milhões de sacas de má qualidade traria maior equilíbrio entre demanda e oferta, agregaria maior valor aos países e aumentaria a diversificação.
O comércio justo seria uma alternativa complementar para os pequenos agricultores. Na Inglaterra, 2% do café torrado e 7% do solúvel é vendido com o selo de comércio justo e nos EUA, maior consumidor mundial, esse nicho cresceu 50% no ano passado. No Brasil, não há números. A perspectiva de crescimento é ótima em todo o mundo, mas há ressalvas. “Não é a solução para todos. O importante é que as torrefadoras paguem um preço decente. O comércio alternativo não irá substituir as empresas comerciais”, lembra Bailey.
Já o fundo seria bancado pela cooperação internacional em países com poucos recursos, pois o estudo mostra que os investimentos nesse setor agrícola caíram muito nos últimos anos.
Por aqui, a campanha conta com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário e a intenção é dialogar com todos os envolvidos. Daí a importância da CUT e da Contag. Elas articularão organizações de pequenos produtores para inseri-los nas discussões e ações de implementação das propostas de políticas públicas. Entre as sugestões estão o fortalecimento do Pronaf (programa agricultura familiar), políticas de crédito e assistência técnica, capacitação para diversificação e participação nas instâncias que discutem a política para o setor como o Conselho Nacional do Café, onde os pequenos agricultores não possuem representação.
“Além disso, a CUT e a Contag trazem para a discussão sobre a crise do café no Brasil a problemática social que é tão pouco abordado. Estamos falando de milhares de pequenos produtores familiares e de mais de um milhão de assalariados rurais. Essa articulação é fundamental não só internamente mas também para que o mundo entenda o papel da agricultura familiar na produção de café no Brasil”, diz Kátia Maia.
Faz parte da campanha o lançamento de uma Aliança Global, que contará com diversas organizações ambientalistas, ligadas ao comércio justo e ao desenvolvimento. Essa união irá pressionar empresas e governos a aumentar o preço do café e a renda dos pequenos agricultores, além de incentivar varejistas a exigir que seus fornecedores paguem valores justos aos produtores.
Quem sabe assim o cafezinho fica menos amargo.
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