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Do asfalto para os palcos

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor








“Foi a maior experiência que já vivemos”. Assim Marco Antônio Garcia, diretor da Companhia de Dança Balé de Rua, de Uberlândia (MG), descreve a participação do grupo no Festival Internacional do Ocidente, realizado na Itália de 2 a 8 de setembro, e na 10ª Bienal de Lyon, na França, de 10 a 16 de setembro. As aplaudidas exibições premiaram o trabalho da companhia, que reúne dançarinos de rua e oferece aulas gratuitas de dança a crianças de comunidades carentes da cidade mineira, além de fazer um trabalho com pessoas da terceira idade.


Desde o começo dos anos 90 Uberlândia possui vários grupos de dança de rua e Marco Antônio era integrante de um deles, assim como Fernando Narduchi e José Maciel Silva – atuais diretores da Companhia. Os três, contudo, estavam insatisfeitos com as apresentações feitas no meio da rua, queriam melhorar as coreografias e participar de eventos de dança. Decidiram então se juntar e criar uma companhia própria, onde pudessem experimentar bastante.


Em 1992, surgia a Balé de Rua de Uberlândia. Eles montaram diversos espetáculos e, a partir de 1997, passaram a se apresentar profissionalmente em festivais. O sucesso foi tanto que, no ano seguinte, montaram o primeiro espetáculo profissional, chamado “Favela”. Depois dele, foram montados mais quatro: “Kirie” (1999), “Vira-lata” (2000), “E agora, José?” (2001), inspirado na obra de Carlos Drummond de Andrade, e “O Cubo” (2002). Os dois últimos foram apresentados na Europa pela equipe de 13 bailarinos, dois diretores, três técnicos e um diretor de marketing – na verdade, um amigo que sabe falar francês.


A temática sempre gira em torno de problemas sociais e das expressões culturais da periferia, mas com busca de inovações. Em “O Cubo”, por exemplo, a parte musical é feita com materiais reciclados como latas e garrafas. As músicas utilizadas variam do hip-hop a Mozart, passando pela eletrônica. As coreografias também misturam vários elementos, mas predominam o break e o funk. “Na verdade, apesar desses estilos serem importantes, hoje fazemos ‘dança de rua brasileira’ ”, diz Fernando Narduchi.


Trabalho Social


Nenhum dos bailarinos possui formação acadêmica de dança. Marco Antônio, por exemplo, era frentista e a dança o levou a ser iluminador de um teatro pouco depois de começar a se apresentar. Outros componentes trabalhavam como serralheiros, cozinheiros e office-boys. A origem humilde de todos levou Fernando a convidar, em 2000, um grupo de crianças que cuidava de carros estacionados perto do galpão onde ensaiavam a participar de algumas aulas, pois elas costumavam assistir aos ensaios. Todas aceitaram e ainda trouxeram amigos. No dia seguinte, a turma começava com oito futuros dançarinos.


Os integrantes da companhia gostaram da idéia e passaram a organizar aulas em seus bairros. Hoje são 320 crianças recebendo aulas de dança em 22 bairros da periferia de Uberlândia no projeto “Novos Talentos”. A freqüência dos ensaios varia, de acordo com a disponibilidade de cada bailarino-professor. Os diretores assessoram os professores e dão liberdade para a criação de novas coreografias.


As aulas, além de servirem como aprendizado para as crianças, são utilizadas como preparação para o ingresso na companhia. A cada quatro ou cinco meses, há uma seleção dos melhores alunos para ensaiar com a Balé de Rua. E o trabalho tem dado resultado. Dos 13 bailarinos que participaram da recente excursão à Europa, um tinha 14 anos e outro 16 anos, ambos formados pelos mais velhos.


Mas não é só a juventude que se beneficia do trabalho de Marco Antônio e Fernando. Há um grupo de terceira idade, que também dança break e funk – respeitando sempre os limites da idade, é claro. Todos os grupos participam de festivais realizados na cidade.


Dificuldades


Mas nem tudo é bonito na vida da companhia. No começo os integrantes sofriam com o preconceito contra a dança de rua. “Associavam o estilo com marginais por causa das roupas largas e da música. Cansamos de ter ensaio interrompido pela polícia”, diz Fernando.


Depois que o antigo patrocinador não renovou o contrato, todos ficaram sete meses sem receber - de dezembro a julho deste ano. A folha de pagamento gira em torno de R$ 135 mil ao ano e hoje é bancada por um novo contrato de patrocínio que explora a Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Os recursos, porém, não são suficientes. O custo total da Companhia é de R$ 560 mil, mas eles recebem apenas R$ 145 mil do patrocinador – o resto vem dos cachês, que não são generosos. Além disso, o galpão onde ensaiam não possui piso adequado.


Apesar dos percalços, a procura pelo grupo está tão grande que atender todos os interessados é difícil. As turmas estão cheias e a fama da Companhia, cada vez maior. O trabalho dos bailarinos tem sido devidamente reconhecido. Em 1997 foram os primeiros colocados no Festival de Dança de Joinville (SC), um dos maiores do Brasil, e em 1999 foram indicados para o Prêmio Mambembe de melhor grupo de dança.


Este ano surgiu o convite para participar dos festivais europeus e lá foram eles. Tanto em Lyon quanto na cidade italiana de Rovereto, sede do festival Oriente-Ocidente, a Companhia foi aplaudida de pé pelo público e demais participantes. Na Itália, “os aplausos não acabavam, tivemos que fechar e abrir as cortinas três vezes para a platéia se dar por satisfeita”, lembra Marco Antônio. Os bailarinos também fizeram performances na rua e chegaram a juntar 800 pessoas para fazer músicas pelas ruas históricas de Rovereto. Realizaram, ainda, uma oficina para 40 pessoas, que chegaram a estourar champagnes para comemorar as aulas.


Na França, a receptividade foi tão boa que fizeram um bis a pedido da organização no mesmo dia da apresentação. 700 pessoas aplaudiram o bis e ficaram encantadas com a performance ao som de Brasileirinho da peça “E agora, José?”. As apresentações renderam diversos contatos para outros espetéculos na Europa e Canadá, além de um amadurecimento para os integrantes. “Entramos em teatros modernos, ótimos equipamentos, além de um tratamento que raramente recebemos por aqui”, diz Fernando.


Se no poema de Drummond, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu e a noite esfriou, para a Balé de Rua de Uberlândia a festa acaba de começar, a luz está mais acesa do que nunca e o povo não pára de aplaudir.


 


Marcelo Medeiros

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