Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original:
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Concluindo a série com os candidatos à Presidência da República, a Rets publica o conjunto das entrevistas exclusivas veiculadas desde a edição de 30 de agosto. A equipe da Rets formulou perguntas nas quais buscava saber o posicionamento dos presidenciáveis quanto a temas como o papel das ONGs, o fortalecimento do terceiro setor, modelos de relação entre Estado e sociedade civil organizada, entre outros. As perguntas foram enviadas, no mesmo dia, por e-mail, a todos os comitês de campanha. O candidato Zé Maria, do PSTU, não respondeu às questões e sua equipe justificou do seguinte modo: "Infelizmente, não temos condições de responder as perguntas enviadas por vocês. Lamentamos não poder atendê-los nesse momento, e espero que tenhamos uma nova oportunidade". O candidato Anthony Garotinho, do PSB, não respondeu às perguntas. As entrevistas estão publicadas nessa edição na ordem cronólogica em que as respostas chegaram à nossa redação.
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Entrevista com Rui Costa Pimenta, candidato do PCO, publicada em 30 de agosto.
Rets - Na sua opinião, de que modo o fortalecimento do Terceiro Setor – especialmente nos últimos dez anos – transformou as relações do Estado com a sociedade civil?
Rui Costa - O crescimento do chamado Terceiro Setor, nos últimos anos, é decorrência direta do progressivo distanciamento do Estado em relação aos seus deveres centrais para com o cidadão. Se é certo que muitas destas entidades florescem com fins lucrativos disfarçados, também é certo que uma boa parte procura suprir deficiências estatais em áreas importantes, como saúde, educação, cultura etc. O PCO entende que, nos marcos do capitalismo, a luta da classe trabalhadora deve buscar forçar o Estado a atender suas reivindicações, utilizando os recursos públicos para melhorias nos serviços de saúde, educação, construção de moradias populares, geração de empregos etc. Esse aumento da influência econômica do Estado na sociedade, no entanto, deve vir acompanhado da diminuição de sua influência política sobre a vida da população. Ao contrário, são os cidadãos que devem controlar o Estado, através de conselhos populares e suas entidades representativas (sindicatos, organizações do movimento popular e estudantil, dos sem-terra, dos sem-teto etc).
Rets - Como o senhor avalia a reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e sociedade civil no Brasil, em especial a Lei das Oscips – que criou um modelo de organização da sociedade civil e um formato novo na relação com o Estado (o Termo de Parceria)?
Rui Costa - A principal medida na legislação é a criação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), distinguindo as entidades de interesse público das de interesses privados. Para o PCO, o Estado não deve interferir em nenhuma medida na existência e funcionamento das organizações do Terceiro Setor.
Rets - Como a relação entre o Estado e a sociedade civil organizada está prevista em seu programa de governo?
Rui Costa - Como foi dito na questão anterior, o PCO defende que as organizações da chamada sociedade civil sejam completamente independentes em relação ao Estado. Estas organizações (sejam ONGs, sindicatos, associações etc) devem funcionar de acordo com os princípios estabelecidos pelos setores sociais que representam (uma determinada categoria de trabalhadores, jovens, mulheres, entre outros).
Rets - A busca de sustentabilidade é um grande desafio para as ONGs brasileiras. Os benefícios fiscais para doadores não são suficientes para estimular a maior participação de indivíduos e empresas no apoio financeiro às organizações. Na verdade, esta alternativa de sustentabilidade foi bastante reduzida pela política tributária do país: em 1995, foi cortada a dedução do imposto de renda para as doações de pessoas físicas e reduzida, de 5% para 2%, a dedução das doações das pessoas jurídicas. O senhor estaria disposto a apoiar mudanças na legislação (na área tributária) que garantissem a construção de um novo modelo de sustentabilidade das organizações da sociedade civil?
Rui Costa - O PCO defende que os recursos públicos devam ser usados exclusivamente em benefício da maioria da população, através de investimentos em saúde, educação, cultura, moradia, transporte etc. Ao contrário do que ocorre hoje, o partido é contrário à concessão destes recursos para grupos capitalistas, seja através da isenção de impostos, empréstimo “camaradas” (como os que são feitos pelo BNDES e bancos estatais) etc. No caso das organizações do Terceiro Setor que realmente prestam serviços relevantes à população (e são muitas), o PCO entende que o melhor caminho seria a sua estatização, ou seja, gerenciamento por parte do Estado, aí incluídos os recursos necessários.
Rets - Que políticas sociais terão prioridade em seu governo?
Rui Costa - O PCO entende que as chamadas políticas sociais implantadas pelo governo no país não passam de demagogia. Ou seja, ao mesmo tempo em que deixa a maioria do povo na miséria (através do desemprego, do arrocho salarial, do salário mínimo de fome...), o governo apresenta alguns programas sociais absolutamente insuficientes para melhorar a vida da população e que, na maioria dos casos, têm seus recursos desviados pela corrupção.
As propostas sociais do PCO são:
- Redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais, como forma de garantir emprego para todos.
- Reposição de todas as perdas salariais impostas durante a vigência do Plano Real.
- Salário mínimo capaz de garantir a sobrevivência digna de uma família trabalhadora, assim como prevê a Constituição Federal (nos cálculos do PCO, R$ 1.500,00).
- Como maneira de combater a miséria atualmente, de forma emergencial, o governo deve criar um plano de obras públicas (construção de hospitais, casas populares, escolas, grandes obras fundamentais etc), para garantir emprego para os desempregados.
- Controle operário e popular (sindicatos, movimentos populares etc) sobre os programas atuais de combate à fome.
Rets - O senhor poderia citar exemplos de parceria já existente entre o poder público (federal, estadual ou municipal) e a sociedade civil em projetos sociais que o senhor considera um modelo a ser seguido?
Rui Costa - A resposta exigiria um levantamento sobre as parcerias existentes, coisa que o PCO não dispõe no momento.
Rets - A “brecha digital” nos faz confrontar com um novo analfabetismo que amplia de maneira rápida e intensa as enormes desigualdades sociais que o Brasil já conhece. Quais são seus projetos (ou idéias) para ampliar o acesso da população brasileira às redes de comunicação e informação e combater a exclusão digital?
Rui Costa - Um primeiro e decisivo aspecto é a garantia do acesso do conjunto da população à educação pública e de qualidade. O aumento do poder de compra dos brasileiros (através do salário mínimo real, criação de empregos etc) também é uma forma de garantir o acesso da maioria à informação, com a possibilidade, por exemplo, de ampliar o acesso à compra de computadores.
Um outro aspecto do problema é o sistema de comunicações no Brasil, organizado de forma bastante antidemocrática. As concessões de canais de rádio e televisão são produto, via de regra, de politicagem e troca de favores entre políticos ligados ao governo e grandes grupos econômicos. De um modo geral, a sociedade não tem acesso a estas concessões. Um exemplo disso é a própria CUT, que pleiteia um canal de TV há anos, sem sucesso. Enquanto isso, um único cidadão, como o senhor Roberto Marinho, tem o privilégio de dominar um gigantesco império de comunicação. Neste sentido, as propostas do PCO são:
- Sistema de concessões controlado pelas organizações populares (sindicatos, associações de moradores etc);
- Revisão de todas as concessões já realizadas (boa parte ocorreu na ditadura militar);
- Estatização dos meios de produção e geração, como forma de garantir o acesso de todas as entidades e organizações interessadas em veicular programas;
- Uso compartilhado dos canais por grupos de interessados. Por exemplo, um grupo de universidades usa um único canal;
- Contra todo tipo de censura. A população não precisa de nenhuma tutela e só a ela cabe decidir o que vai assistir ou não, de acordo com seus próprios critérios estéticos, morais ou políticos.
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Entrevista com José Serra, candidato do PSDB, publicada em 06 de setembro.
Rets - Na sua opinião, de que modo o fortalecimento do Terceiro Setor - especialmente nos últimos dez anos - transformou as relações do Estado com a Sociedade Civil?
José Serra - As relações se aprofundaram e se tornaram mais transparentes, pela mudança de postura do Estado e das entidades do terceiro setor. O Estado passou a ser mais exigente na delegação de atribuições e as entidades se tornaram mais eficientes, mais preocupadas com a qualidade e sobretudo com o resultado dos serviços que prestam.
Rets - Como o senhor avalia a reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e Sociedade Civil no Brasil, em especial a Lei das Oscips - que criou um modelo de organização da sociedade civil e um formato novo na relação com o Estado (o Termo de Parceria)?
José Serra - A Lei das Oscips foi importante. Foi uma evolução e abriu caminho para o aprofundamento das mudanças nesse setor, no sentido de ampliar e aprofundar a parceria e de se avaliar melhor os seus resultados. Os programas e ações federais na área social controlados por conselhos com participação da sociedade civil têm destinados R$ 7 bilhões no orçamento de 2002. Devemos aumentar esses recursos.
Rets - Como a relação entre o Estado e a sociedade civil organizada está prevista em seu programa de governo?
José Serra - Descentralização é a chave para a boa execução de políticas públicas, principalmente as políticas sociais, num país extenso e heterogêneo. A União deve cuidar da coordenação das políticas, deixando a execução para os estados, os municípios e entidades não-governamentais. Para que a descentralização funcione bem, é importante o controle social seja efetivo, com cidadãos atentos e organizados para cobrar.
Para aprofundar essa cooperação, devemos regulamentar a atividade. Por sua complexidade e pela diversidade, vamos buscar a regulamentação de cada segmento, de maneira democrática, avaliando as experiências já realizadas, ouvindo e envolvendo toda a sociedade. Formas transparentes e responsáveis de prestação de contas - ao governo e à própria sociedade -- do uso dos recursos públicos recebidos são igualmente importantes para fortalecer a confiança e a credibilidade desse segmento.
Rets - A busca de sustentabilidade é um grande desafio para as ONGs brasileiras. Os benefícios fiscais para doadores não são suficientes para estimular a maior participação de indivíduos e empresas no apoio financeiro às organizações. Na verdade, esta alternativa de sustentabilidade foi bastante reduzida pela política tributária no país: em 1995 foi cortada a dedução do imposto de renda para as doações de pessoas físicas e reduzida, de 5% para 2%, a dedução das doações das pessoas jurídicas. O senhor estaria disposto a apoiar mudanças na legislação (na área tributária) que garantissem a construção de um novo modelo de sustentabilidade das organizações da sociedade civil?
José Serra - Estamos abertos para analisar alternativas e sugestões. Acredito, no entanto, que o incentivo fiscal é um aspecto secundário da questão. Até porque, mesmo contando com a colaboração de empresas e da sociedade, meu governo não pretende se desobrigar das responsabilidades do Estado para com áreas essenciais como a educação, a saúde ou a cultura, destinando recursos orçamentários para o seu atendimento. Mais do que aporte de dinheiro, espero que as entidades da sociedade civil tenham atuação estratégica e insubstituível como mobilizadoras e provedoras de recursos humanos e, sobretudo, como geradoras de energia criativa na gestão social.
Rets - Que políticas sociais terão prioridade em seu governo?
José Serra - A política de emprego é a primeira e mais importante política social. Mas não basta dar oportunidade de trabalho. É preciso ampliar as políticas sociais. O segundo objetivo de nosso Plano Social será avançar mais na universalização dos serviços básicos de saúde, educação e previdência. Na saúde, vamos beneficiar todas as famílias com o atendimento domiciliar, reduzir as filas e humanizar o atendimento na rede pública. Aumentaremos a oferta de medicamentos gratuitos no SUS, subsidiaremos a compra de alguns remédios de uso continuado e estimularemos a produção de genéricos. Com isso, cairão as taxas de mortalidade infantil e o estado geral de saúde da população melhorará.
Na educação, vamos criar quatro milhões de vagas na pré-escola, melhoraremos a qualidade do ensino fundamental e do ensino médio. Dobraremos as vagas no ensino médio e nos cursos noturnos das universidades públicas, ampliando as oportunidades de acesso aos carentes.
Na previdência, queremos ampliar o número de contribuintes, hoje restrito a cerca de 40% da força de trabalho, criando um sistema especial para trabalhadores informais, estimulando a formalização das relações de trabalho e combatendo as fraudes. Aumentando as receitas do INSS, poderemos melhorar os serviços prestados e o valor das aposentadorias e pensões.
Igualmente importante será o combate à desigualdade entre pessoas e regiões. Para tanto, vamos aprimorar os programas de transferência de renda, melhorar a qualidade de vida nas grandes cidades, fortalecer a agricultura familiar, incentivar o desenvolvimento de localidades mais pobres e promover a integração das regiões Norte e Nordeste ao desenvolvimento nacional.
Rets - O senhor poderia citar exemplos de parceria já existente entre o poder público (federal, estadual ou municipal) e a sociedade civil em projetos sociais que o senhor considera um modelo a ser seguido?
José Serra - Uma parceria notável, do ponto de vista da importância dos resultados, é a que soma os recursos do Governo Federal à rede de voluntários da Pastoral da Criança. As 150 mil voluntárias da Pastoral visitam mensalmente 1,5 milhão de crianças até seis anos de idade nas áreas mais pobres do País. Deve-se a essa parceria, em boa parte, a aceleração da queda da mortalidade infantil no País nos últimos sete anos.
Rets - A "brecha digital" nos faz confrontar com um novo analfabetismo que amplia de maneira rápida e intensa as enormes desigualdades sociais que o Brasil já conhece. Quais são seus projetos (ou idéias) para ampliar o acesso da população brasileira às redes de comunicação e informação e combater a exclusão digital?
José Serra - As novas tecnologias de informação e comunicação já começam a revolucionar as relações governo-sociedade. No Brasil, onde o imposto de renda, as eleições, os serviços bancários e até os programas de distribuição de renda têm elevado grau de informatização, temos tudo para avançar ainda mais. O governo vai multiplicar as formas de acesso à Internet, com terminais em órgãos públicos, agências dos correios, bancos e empresas, escolas, sindicatos e associações comunitárias, para a grande maioria de brasileiros que não têm computador em casa. Todas as escolas com mais de 100 alunos terão computadores ligados à Internet e cursos de treinamento para os alunos, até 2006. O governo vai também apoiar entidades da sociedade civil que tiverem projetos relevantes de formação e treinamento de pessoas no uso da informática.
Em dois anos, vamos disponibilizar na Internet todos os serviços e informações de órgãos federais que sejam de interesse relevante para o cidadão. Queremos integrar progressivamente os serviços pela Internet e as rotinas administrativas que lhes dão suporte, disponibilizar informações sobre transferências e aplicação de recursos e financiamentos para cada região, estado ou município. Vamos integrar também todos os órgãos da administração federal a uma central de atendimento telefônico, que dará aos cidadãos ainda considerados excluídos digitais acesso aos serviços e informações disponibilizados na Internet.
Veja ainda as entrevistas de Luis Inácio Lula da Silva, do PT, e Ciro Gomes, do PPS.
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