Autor original: Maria Eduarda Mattar
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Rets - Na sua opinião, de que modo o fortalecimento do Terceiro Setor - especialmente nos últimos dez anos - transformou as relações do Estado com a Sociedade Civil?
Luiz Inácio Lula da Silva - O fortalecimento da sociedade civil é fundamental para a democracia brasileira. Hoje os países que alcançaram um maior grau de desenvolvimento social e reduziram as desigualdades têm uma sociedade civil atuante, que é crítica às más políticas e propõe alternativas para seus governos.
Dialogando com várias organizações da sociedade civil, percebo que elas transformaram sua relação com o Estado. Em primeiro lugar, essas organizações contribuíram para a concepção de que o que é público não se reduz ao que é estatal. O público deve ser entendido como uma esfera pública ampliada que supõe acesso a fundos públicos por parte dessas organizações, para fins públicos e com controle social dos mesmos. A segunda grande contribuição é a noção de que o Estado não pode se relacionar com essas organizações da sociedade civil com uma visão instrumental do papel que elas desempenham. O Estado não pode atribuir a essas organizações tarefas públicas que ele não executa. Entendemos que é fundamental trabalhar junto com as organizações da sociedade civil e com objetivos comuns: reduzir as desigualdades e construir um novo país.
Rets - Como o senhor avalia a reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e Sociedade Civil no Brasil, em especial a Lei das Oscips - que criou um modelo de organização da sociedade civil e um formato novo na relação com o Estado (o Termo de Parceria)?
Luiz Inácio Lula da Silva - A aprovação da Lei das Oscips foi um passo importante porque fortaleceu e reconheceu o interesse público da atuação de organizações que trabalham na promoção dos direitos humanos, da democracia e do desenvolvimento sustentável, por exemplo. O Estado brasileiro sempre apoiou entidades educacionais, assistencialistas e de saúde, mas pela primeira vez reconheceu a relevância e a pluralidade de atuação das organizações brasileiras.
Também foi um avanço estabelecer um novo instrumento jurídico - o chamado "Termo de Parceria" - para disciplinar as relações entre as ONGs e o Estado.
No nosso governo, no entanto, queremos que as ONGs e demais organizações da sociedade civil não só executem programas federais. Queremos sua participação na elaboração, implementação e gestão das políticas públicas, como forma de garantir uma maior participação popular na gestão pública. Já temos em nossas administrações exemplos de iniciativas para democratizar a gestão pública, como os Conselhos Paritários de Políticas Públicas e o Orçamento Participativo.
Rets - Como a relação entre o Estado e a sociedade civil organizada está prevista em seu programa de governo?
Luiz Inácio Lula da Silva - Nós certamente contamos com a contribuição da iniciativa privada para saldar a imensa dívida social de nosso país. Isso está escrito no nosso Programa de Governo. Queremos a ajuda das milhares de organizações que fazem parte do terceiro setor e das empresas socialmente responsáveis. A experiência tem mostrado que as iniciativas do terceiro setor funcionam bem e complementam a ação do Estado. Ainda mais porque queremos que os recursos do governo e da sociedade sejam mobilizados de forma articulada, eficiente e produtiva em torno das nossas grandes prioridades: promoção da justiça social, retomada do crescimento econômico e geração de emprego e trabalho. Deixei isso claro nos encontros na ABONG e com empresários, promovido pelo Instituto Ethos.
Rets - A busca de sustentabilidade é um grande desafio para as ONGs brasileiras. Os benefícios fiscais para doadores não são suficientes para estimular a maior participação de indivíduos e empresas no apoio financeiro às organizações. Na verdade, esta alternativa de sustentabilidade foi bastante reduzida pela política tributária no país: em 1995 foi cortada a dedução do imposto de renda para as doações de pessoas físicas e reduzida, de 5% para 2%, a dedução das doações das pessoas jurídicas. O senhor estaria disposto a apoiar mudanças na legislação (na área tributária) que garantissem a construção de um novo modelo de sustentabilidade das organizações da sociedade civil?
Luiz Inácio Lula da Silva - Segundo dados da Receita Federal, em 2001 foram abatidos do imposto de renda das pessoas físicas e jurídicas como doações aos fundos da Criança e do Adolescente R$ 7,9 milhões, o que representou 0,04% do total de incentivos concedidos pela Receita Federal no mesmo ano. Esses números demonstram que os incentivos fiscais existentes atualmente para as organizações da sociedade civil são poucos e insuficientes, se comparados com o importante papel que essas organizações desempenham na luta por uma sociedade mais justa e democrática. Entendo que o Estado deve conceder incentivos e renúncias fiscais para estimular atividades de setores estratégicos e também para promover o desenvolvimento social e fortalecer as organizações da sociedade civil.
Rets - Que políticas sociais terão prioridade em seu governo?
Luiz Inácio Lula da Silva - Nossa prioridade é resgatar a dívida social que o Brasil tem com a grande maioria do nosso povo. Nossa maior prioridade será a erradicação da fome e da miséria. É inaceitável que milhões de assalariados estejam excluídos do mercado de massas, que cerca de 50 milhões de brasileiros vivam abaixo da linha de pobreza definida pela ONU. Para resolver essa situação é fundamental gerar empregos e investir em saúde e educação. O nosso Programa de Governo incorpora o Projeto de Segurança Pública para o Brasil, que lançamos por meio do Instituto Cidadania. Ele dá conta tanto de combater a violência e a criminalidade, ou seja, trata dos que já estão fora da lei, como propõe medidas para evitar que outras pessoas venham a cair na bandidagem, especialmente os jovens. O desemprego no Brasil atingiu números alarmantes. Somente no Estado de São Paulo são quase dois milhões de desempregados. E estamos falando do maior centro industrial do nosso país. A causa de tudo isso está na política econômica do governo FHC que nunca teve a geração de empregos como compromisso real, efetivo. Vamos promover a inclusão social estimulando a oferta de bens de consumo de massa, industriais e agrícolas, e ampliando os serviços públicos essenciais. A produção e o aumento do número de empregados acompanharão o crescimento da demanda.
Rets - O senhor poderia citar exemplos de parceria já existente entre o poder público (federal, estadual ou municipal) e a sociedade civil em projetos sociais que o senhor considera um modelo a ser seguido?
Luiz Inácio Lula da Silva - Dentro de importantes projetos desenvolvidos, podemos destacar a atuação das Ongs no caso da epidemia de Aids. Desde os primeiros avanços da doença no país, o Estado se manteve omisso e as ONGs foram as primeiras organizações que lutaram para conscientizar a população, realizando campanhas educativas, prestando assistência aos portadores do HIV e principalmente pressionando o Estado para adotar medidas e políticas públicas com relação à síndrome. A atuação dessas ONGs foi tão decisiva no controle da epidemia no país, que o Estado passou, em um segundo momento, a implementar políticas públicas com relação à Aids e a apoiar essas organizações no trabalho educativo de prevenção e suporte às pessoas portadoras do vírus HIV.
Rets - A "brecha digital" nos faz confrontar com um novo analfabetismo que amplia de maneira rápida e intensa as enormes desigualdades sociais que o Brasil já conhece. Quais são seus projetos (ou idéias) para ampliar o acesso da população brasileira às redes de comunicação e informação e combater a exclusão digital?
Luiz Inácio Lula da Silva - O governo deu pouca atenção a esse processo, que tem tudo a ver com a conquista da cidadania. A nossa juventude, em especial a mais pobre, precisa ter oportunidade de participar, obtendo capacitação profissional e aumentando a chance de entrar no mercado de trabalho. A Internet oferece essa possibilidade. Um exemplo importante é o do acompanhamento pela população de como os gastos públicos são feitos. Isso pode ajudar a identificar e corrigir erros, além de diminuir a demora na execução de serviços. E certamente contribui para reduzir custos. Essa política passa pela informatização e conexão das escolas e bibliotecas, além da construção de telecentros comunitários. Com isso, serão ampliadas as possibilidades de participação cidadã no controle do Estado e será incentivado o mercado no campo da informação. O desenvolvimento da indústria de informática, em especial a de software, ganhará novo estímulo em nosso país. Vamos, portanto, abrir novas linhas de financiamento nesse setor para as tecnologias estratégicas e para os pólos de exportação. Um governo democrático e popular apoiará o estudo e o desenvolvimento de softwares livres e a criação de programas abertos, o que reduzirá os gastos do Brasil com licenças de uso e royalties.
Para cumprir com esses objetivos, é preciso ter um projeto de nação, mobilizando não somente o governo federal. A exclusão digital só vai ser superada se houver uma política de inclusão centrada nos estados e municípios, sempre buscando a participação da sociedade civil e de suas organizações. Vamos mostrar que as tecnologias da informação são um importante instrumento de construção de uma poderosa indústria de tecnologia e de combate à pobreza em nosso país.
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Entrevista com Ciro Gomes, candidato do PPS publicada em 20 de setembro.
A Rets formulou sete perguntas. O candidato Ciro Gomes optou por “aglutinar” algumas dessas perguntas – oferecendo, no total, cinco respostas em vez de sete. Estamos apresentando as perguntas ordenadas de acordo com a lógica das respostas do candidato - e não conforme a ordem em que foram enviadas.
Rets - Na sua opinião, de que modo o fortalecimento do Terceiro Setor - especialmente nos últimos dez anos - transformou as relações do Estado com a Sociedade Civil?
Rets - Como a relação entre o Estado e a sociedade civil organizada está prevista em seu programa de governo?
Ciro Gomes - A responsabilidade social das empresas é um grande avanço para a sociedade brasileira. O pressuposto fundamental é o de que à empresa não basta buscar somente aumentar sua eficiência. É preciso também cuidar de seu entorno, da cidade e da comunidade em que a empresa está inserida. O dever de equacionar os problemas sociais pertence ao Estado. Mas, em um país de tantas carências sociais como o Brasil, a preocupação empresarial em agir com responsabilidade social é sempre desejável.
A importância do chamado Terceiro Setor para a sociedade brasileira transcende os gastos realizados em projetos de responsabilidade social. Há diversas ONGs que são importantes interlocutores da sociedade nos mais diversos assuntos: segurança, saúde, educação, meio ambiente, etc. São inequívocas as contribuições já dadas por essas entidades na conscientização da população e no aperfeiçoamento dos serviços oferecidos pelo Estado. Assim, a manutenção de um constante diálogo com as entidades representativas da sociedade civil é um dever de qualquer governo democrático.
Rets - Como o senhor avalia a reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e Sociedade Civil no Brasil, em especial a Lei das Oscips - que criou um modelo de organização da sociedade civil e um formato novo na relação com o Estado (o Termo de Parceria)?
Rets - O senhor poderia citar exemplos de parceria já existente entre o poder público (federal, estadual ou municipal) e a sociedade civil em projetos sociais que o senhor considera um modelo a ser seguido?
Ciro Gomes - O direito à livre associação, garantido pela Constituição, é o princípio fundamental que determina a não-interferência do Estado nas organizações da sociedade civil. Sem embargo, é previsto na legislação e desejável que ocorra na prática a parceria entre o setor público e o Terceiro Setor. Essa parceria pode ser estabelecida através das Osips (Organizações Sociais de Interesse Público) (sic) ou de parcerias com ONGs e outras organizações sem fins lucrativos, em que estas operam com recursos públicos. Há diversas experiências bem sucedidas em que ONGs (a Pastoral da Criança e a Associação Saúde da Família de São Paulo) trabalham com recursos públicos para operacionalizar importantes programas, como os de saúde da família ou os de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis. Não se pretende que ONGs substituam o Estado naquilo que é o seu dever. Mas não há mal nenhum em aproveitar em certas situações a infra-estrutura e a capacidade de trabalho acumulada por uma ONG.
Rets - A busca de sustentabilidade é um grande desafio para as ONGs brasileiras. Os benefícios fiscais para doadores não são suficientes para estimular a maior participação de indivíduos e empresas no apoio financeiro às organizações. Na verdade, esta alternativa de sustentabilidade foi bastante reduzida pela política tributária no país: em 1995 foi cortada a dedução do imposto de renda para as doações de pessoas físicas e reduzida, de 5% para 2%, a dedução das doações das pessoas jurídicas. O senhor estaria disposto a apoiar mudanças na legislação (na área tributária) que garantissem a construção de um novo modelo de sustentabilidade das organizações da sociedade civil?
Ciro Gomes - Uma questão polêmica sempre lembrada quando se discute as entidades filantrópicas são os benefícios fiscais a elas concedidos. Esses benefícios estão previstos na legislação brasileira com o intuito de maximizar os efeitos da atuação dessas entidades. No entanto, é notório que muitos beneficiários dessas isenções usam a filantropia apenas como fachada. É preciso, portanto, combater a chamada “pilantropia”, que drena recursos dos contribuintes sem trazer benefícios para a sociedade. Evidentemente, isso não significa prejudicar as entidades verdadeiramente filantrópicas. Pelo contrário, separar o joio do trigo é fundamental para valorizar o trabalho de quem atua com seriedade.
Rets - Que políticas sociais terão prioridade em seu governo?
Ciro Gomes - Quanto às políticas sociais que serão priorizadas em meu governo, é preciso destacar de início que a principal prioridade refere-se à reorganização deste setor. Hoje, o programa Comunidade Solidária tem muitos bons projetos, que escapam da concepção assistencialista tradicional. O programa de incentivo ao artesanato, que funciona de maneira semelhante ao programa de agricultura familiar, é um exemplo disso. Ademais, em um país que ainda enfrenta sérios problemas de pobreza extrema, mesmo os programas assistencialistas tradicionais são importantes. O problema nessa área é falta de centralização do planejamento, que gera desperdícios de recursos e duplicação de esforços. O programa Comunidade Solidária não se articula adequadamente nem mesmo com o governo federal, com seus ministérios e até com a Secretaria Nacional de Ação Social. Essa desarticulação abre espaço para o uso fisiológico dos recursos públicos destinados à área social e torna muitas vezes o Comunidade Solidária uma simples peça de propaganda oficial. Essa situação será mudada em meu governo.
Rets - A "brecha digital" nos faz confrontar com um novo analfabetismo que amplia de maneira rápida e intensa as enormes desigualdades sociais que o Brasil já conhece. Quais são seus projetos (ou idéias) para ampliar o acesso da população brasileira às redes de comunicação e informação e combater a exclusão digital?
Ciro Gomes - Como bem foi definido na pergunta, a “brecha ou exclusão digital” é um fenômeno contemporâneo próximo ao do analfabetismo. Precisa, portanto, ser alvo de uma política “horizontal”, básica, transversal, que perpassa todos os setores, inserida em uma ampla estratégia de aprimoramento da escola pública. Nessa empreitada, pode-se contar com recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que é constituído por 1% do faturamento das concessionárias do setor, para modernizar as escolas públicas. No entanto, o combate à exclusão digital é uma tarefa que exige primordialmente recursos humanos capacitados para fazer com que nossos jovens possam aprender a lidar com as ferramentas do novo século. É claro que o Terceiro Setor pode contribuir em muito nessa tarefa.
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