Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Em 2001, foram 20 mil pessoas transitando pela PUC do Rio Grande do Sul. Em 2002, esse número quase triplicou - eram 50 mil participantes tomando as instalações da universidade. Em 2003, a expectativa é de que 100 mil pessoas invadam o verão de Porto Alegre para celebrar a possibilidade e as alternativas de um mundo novo. É isso que promete a terceira edição do Fórum Social Mundial (FSM 2003), que acontece entre os dias 23 e 28 de janeiro do ano que vem. Entre as principais novidades do próximo FSM, lançado oficialmente no dia 23 de setembro na capital gaúcha, estão as Mesas de Diálogo e Controvérsia e a inclusão de um novo eixo temático, que leva em conta comunicação, mídia e cultura.
O Fórum Social nasceu da intenção de se fazer um contraponto ao Fórum Econômico Mundial, encontro anual que define os rumos da economia mundial - e portanto, a vida de muitos. Por isso, o lugar escolhido para abrigar sua primeira edição foi propositadamente uma cidade "periférica" de um país "periférico" - o contrário do que representa o outro: um encontro na Meca do dinheiro mundial, num país de primeiro mundo (em Davos, na Suíça e, posteriormente, em Nova York).
Em apenas dois anos, o Fórum já fez história, não só pela escalada no número de participantes, mas pela projeção que ganhou tanto pela substância das questões debatidas quanto pela notoriedade de alguns de seus palestrantes. A adesão dos cidadãos brasileiros e mundiais sacramentou o Fórum como um espaço legítimo e, mais do que isso, necessário, para o debate e a construção de alternativas.
O que esperar desse Fórum
O encontro de 2003 promete ser mais elucidativo em função das já mencionadas Mesas de Diálogo e Controvérsia. Delas, participarão representantes de governos, partidos políticos e órgãos das Nações Unidas para debaterem com membros de organizações do terceiro setor. A intenção, ao contrário do que pode parecer a uma primeira vista, não é produzir consenso. É marcar e esclarecer as diferenças, nos pontos de vista e nas propostas dos diferentes setores. Como afirma Sérgio Haddad, presidente da Associação Brasileira de ONGs (Abong), "essa nova modalidade permite a discussão de temas complexos e a possibilidade de aprofundamento de posições, proporcionando ao público e aos debatedores esclarecimento, além de adensar a discussão e busca de alternativas". A Abong é uma das instituições integrantes do Comitê Organizador do Fórum.
Outra entidade organizadora do FSM é o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), cujo diretor-geral, Cândido Grzybowski, também vê as Mesas como espaço de marcação de posições: "A finalidade é mapear as posições e pontos de vista - que podem ser só de análise - ou até propostas mesmo, diferentes. Vamos construir pontes sem o compromisso de encontrar um denominador comum".
Já Oded Grajew, coordenador-executivo da Associação Brasileira de Empresário pela Cidadania (Cives), também uma instituição organizadora, acredita que quando se contrapõe as posições, elas ficam mais nítidas e, para isso, as Mesas vão ser cruciais. Kjeld Jakobsen, da Central Única dos Trabalhadores (CUT, que também está na organização do Fórum) comenta que vai se tentar levar "alguns participantes que possam contribuir com aportes interessantes, como o J. Stiglitz na área financeira, por exemplo".
Outro ponto que os organizadores lembram em coro que será, de alguma forma, posto em prática neste Fórum, é a "ineficiência", segundo uns, ou "inoperância", de acordo com outros, do modelo de conferências da ONU. Segundo Oded, fatalmente será enfocada no Fórum a incapacidade das Nações Unidas de atuação global mais eficiente, de mobilização das instituições mundiais e de levar adiante processos concretos. Para Cândido, "as conferências da ONU não têm mais sentido". Já Haddad pondera que a inoperância do modelo de encontros do órgão tem de certa forma um lado positivo, pois traz a consciência sobre os limites e impulsiona a busca de alternativas.
Estas opiniões que revelam descrença nas conferências temáticas da ONU ganharam especial força depois da Rio+10, ocorrida entre agosto e setembro em Joanesburgo, África do Sul, onde não se avançou na consolidação de modelos de desenvolvimento sustentável e, mais do que isso, muitos esforços foram dispensados apenas para se evitar retrocessos.
Retrocessos esses que, se dependesse da posição egoísta e intransigente dos Estados Unidos, maior potência mundial, teriam facilmente ocorrido. Por conta disso, os organizadores também prevêem que essa realidade será discutida: "A questão mais candente será o unilaterialismo e o desmonte dos sistemas multilaterais", opina Cândido.
Outro ponto da conjuntura mundial que não poderá ser ignorado é a possível guerra entre os EUA e o Iraque. Para Haddad, "se isso acontecer, novamente o tema da guerra X paz vai ter que ser colocado", a exemplo do que aconteceu no Fórum de 2002, quando os mesmos EUA estavam envolvidos em conflito no Afeganistão. Ele completa afirmando que o que estará em pauta "não é um fator pontual, como um possível embate. Mas, a própria doutrina e modo de agir dos Estados Unidos no mundo vão ter que ser debatidos". Kjeld Jakobsen engrossa o coro: "Não há dúvida que o militarismo e as ameaças bélicas farão parte do debate, provocado pela conjuntura".
Desafios
Quanto aos desafios previstos para o Fórum, os organizadores não deixam de considerar o momento político de mudança que o Brasil está e estará atravessando. Principalmente se o próximo presidente for Luiz Inácio Lula da Silva. O candidato petista é apoiado por grande parte dos movimentos sociais e sua vitória pode significar que muitas das instituições participantes do FSM estejam, na ocasião, apoiando o governo recém-instalado. Tendo isso em mente, os organizadores se impõem muito claramente a necessidade de autonomia do Fórum, sem estar atrelado a nenhum governo, inclusive para que continue a ser um contraponto ao Estado.
Outra meta é a de tornar o FSM cada vez mais mundial. "Queremos trazer mais representantes do Leste Europeu, dos países asiáticos e aumentar também a participação africana. E acho que vamos conseguir", diz Cândido. De qualquer maneira, mesmo que pessoas destes continentes não consigam comparecer a Porto Alegre em janeiro, elas têm podido participar dos diversos Fóruns Sociais regionais e temáticos que acontecem pelo mundo (leia mais sobre isso na sub-matéria O dia-a-dia do Fórum, link ao lado). Estas reuniões permitem não só que um número maior de pessoas, mais diferenciado, participe, mas que as necessidades e agendas das organizações de todo o mundo, com as particularidades regionais, sejam levadas em conta. E essa é uma das características mais lembradas pelos organizadores do FSM.
Assim, talvez a definição mais acertada sobre o que o Fórum Social Mundial se tornou seja a que foi expressada por Oded Grajew: "O Fórum não é mais um encontro, é um processo". Sendo assim, nos resta (e cabe) fazer parte dele.
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