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Água, recurso natural - uma visão humanista

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião

Ana Valéria Felix Lamonica*

O tema não é, e não pode, de forma alguma, ser subdimensionado. Muito pelo contrário. Há de ser o tempo de mudanças efetivas e individuais, de como devemos tratar o tema água. Água não é sinônimo de abundância, quanto menos de renovável - por imposição humana. Se, de um lado cobramos ações governamentais, de outro devemos cobrar ações particulares, que não estão diretamente ligadas ao poder público. A pertinência do tema passa pela real dimensão da cidadania, que não está incorporada em nossos discursos diários e longe de nossas preocupações. A idéia de recurso natural, inclua-se a água, é uma construção, exclusivamente humana, que vê a natureza como um bem à disposição do homem, para o seu usufruto. Fruto, ainda, de uma ótica da ética cartesiana, onde o homem é senhor e mestre do mundo, logo, há a apropriação do mundo, não porque ele é belo, mas porque ele é útil.

Se, no momento, aparenta não haver problemas, pois somos ricos por natureza - leia-se em bacias hidrográficas - , temos que contemplar um futuro muito próximo, onde nossos problemas tomarão novos rumos, diante do desafio diário da sobrevivência. Pagaremos caro, por um bem que, aparentemente, parece abundante. A cobrança pelo uso da água já é uma realidade. E a escassez, outra.

A poluição que assola nossos corpos hídricos é fato: antes caudalosos rios, abundantes de peixes e, às vezes, até navegáveis; hoje, verdadeiros esgotos a céu aberto, levando, como se não bastasse, não apenas nossos dejetos, mas também toda nossa cultura de produção de resíduos sólidos. Rios que se transformaram também em esteiras - como no modo de produção Fordista - de lixos de tudo quanto é espécie. Levam, e não sabemos para onde... Ou depositam-se em outro tributário da bacia hidrográfica, ou em nossos mares de águas não mais somente salgadas, mas também ricos em várias outras substâncias químicas...

Observem que a preocupação está relacionada, não somente à quantidade da água, mas também à qualidade da água que está disponível para a população. Há muito tempo, já bebemos esgoto tratado. Mas – mesmo no que diz respeito às estações de tratamento - já estamos em situação crítica.

Esta nossa visão humanista que vem se dando ao longo dos últimos anos - de conduzir a relação homem X natureza, sem que haja o real comprometimento e a efetiva consciência de que somos parte integrante do todo e não uma parte apenas -impossibilita-nos de interagir com o meio, de uma forma sensível, perceptiva e harmoniosa.

Perpassando pelas políticas públicas, percebemos que as ações governamentais não passam de paliativos e até de cunho populista. A sociedade civil tem-se mostrado mais eficiente nas ações e mais sensíveis ao próprio ser humano e a todo meio que nos cerca, tomando como bandeira a qualidade de vida e a perspectiva de um mundo melhor.

E, associada às ações individuais, desponta-se um coletivo que vem se mostrando mais eficiente em suas tomadas de decisões. Nos deparamos com o Terceiro Setor, que de alguma forma, no trato com o tema, tem sinalizado um lado carismático que, no poder público, encontra-se desacreditado. Inúmeras ações têm sido contabilizadas com sucesso, nos projetos apresentados por diversas instituições, que têm dispensado seu tempo e recursos, para que de alguma forma, o debate seja ampliado, em conjunto com as ações concretas. A credencial que já foi delegada pela própria sociedade para este coletivo, dificilmente será absorvida pelo poder público. A reconquista só será possível se as políticas governamentais se voltarem para a parceria com o Terceiro Setor. Isento da carga histórica de fracassos e sucessos tímidos, o Terceiro Setor, representado aqui pela sociedade civil organizada, projeta-se como o "divisor de águas", literalmente, esperado por todos nós que já não mais encontramo-nos "míopes sociais",e enxergamos o futuro que almejamos para o nosso planeta. Há de ser a impressão social mais marcante deste nosso século: a sociedade civil organizada, representada pelo Terceiro Setor.

O modelo econômico, que não poupa pedra sobre pedra, não deixará nossos netos contemplarem o mundo que nos foi presenteado. Devemos tomar esta consciência, como um novo padrão, diferente do que nos é imposto.

Água, muito mais do que uma química de Hidrogênio e Oxigênio - discurso dos céticos - é o sangue necessário, que corre nas veias de nossa Terra, por entre as artérias de sulcos escavados pela própria natureza; que é um retrato da própria vida, que se renova em cada ciclo de chuva e sol, onde saciamos, freneticamente, nossos anseios ressecados pela aridez dos corações humanos.


*Ana Valéria Felix Lamonica é professora, geógrafa, especialista em Planejamento Ambiental e diretora executiva do IBVA - Instituto Brasileiro de Voluntários Ambientais.





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