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Alimento e consciência

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

No próximo dia 20, um domingo, uma mesa diferente será posta no Rio - em pleno aterro do Flamengo, a céu aberto, com frutas e pães. A extensão da mesa – como em um filme de Federico Fellini – será quase a perder-se de vista: mais de mil metros. Trata-se do lançamento do décimo Natal sem Fome, promovido pela Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida – Comitê Rio. O evento acontece quatro dias após a “comemoração” do dia Dia Mundial da Alimentação – no 16 de outubro - estabelecido pela Organização das Nações Unidas. Oportunidade para lembrar que há 840 milhões de famintos no mundo – e que no Brasil são 52 milhões de pessoas que não consomem o mínimo diário necessário de alimentos (2.600 calorias), de acordo com entidades como a Ação da Cidadania e a CNBB.


“O Natal sem Fome cresce ano a ano, mas infelizmente ele cresce na mesma proporção em que cresce a miséria no país”, diz Maurício Andrade, da Ação da Cidadania. Em 1993, foram arrecadadas 400 toneladas de alimentos; em 2002 esse volume subiu para 4 mil toneladas, ou 400 mil cestas distribuídas para 2 milhões de pessoas. “No mesmo período o número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza no Brasil (renda familiar de até dois salários mínimos) passou de 32 milhões para 54 milhões”, pondera Andrade.


E não é só isso. De acordo com o Censo Agropecuário, entre 1980 e 1996, a área cultivada no país – de onde poderiam vir o feijão, o arroz, o milho, a mandioca – reduziu-se em 2%. No mesmo período a população aumentou em 34%.


Por conta de desequilíbrios como os referidos acima, a Ação da Cidadania elaborou um documento – já assinado pelos presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB) – em que lança a proposta de garantir uma quota de feijão a 50 milhões de brasileiros. O objetivo é tirar esses cidadãos do quadro de alimentação precária, mas, também, promover o debate sobre a produção de alimentos no país. De acordo com a Ação da Cidadania, a idéia, bastante difundida, de que o Brasil é um “celeiro”, cuja agricultura produz o necessário para abastecer a população – sendo o problema apenas a má distribuição – não é verdadeira. “Já importamos feijão e arroz com 50 milhões de pessoas fora do mercado. Se elas forem incorporadas – como todos desejamos - não haverá o suficiente”, diz Andrade. “O que queremos é fazer o alerta: é necessário mudar a planta agrícola do país, produzir para o consumo interno e não soja para alimentar o gado lá fora. No caso do feijão, é necessário incentivar a pequena produção”, avalia.


Mas....quem tem fome tem pressa


Além das medidas de longo prazo, as ONGs dedicam-se ao emergencial – como em Duque de Caxias e São João do Meriti, no Estado do Rio, e em Campinas, em SP (Atenção edição: aqui entra link para a entrevista da Mariana sobre o projeto de nutrição infantil, documento que colocamos para download. Acho que o projeto é em Campinas, precisa checar com a Mari. A entrevista está com ela).


Nos dois municípios da baixada Fluminense, a FASE, com o apoio da Igreja Batista, da Casa da Cultura e do Conselho de Entidades Populares de São João de Meriti, mobilizou a população em torno do combate à desnutrição infantil. A campanha, iniciada em dezembro do ano passado, conta ainda com o apoio do Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal (FASE/IPPU-UFRJ), do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira (UFRJ) e do Instituto de Nutrição da Unigran-Rio, além da Action Aid. Organizado em 52 mutirões, o projeto pesou, até o momento, mais de 20 mil crianças e constatou que em 20% dos casos havia uma situação de risco nutricional. Das seis mil crianças pesadas na primeira leva, 600 apresentavam estado de desnutrição.


Com os nomes e endereços das crianças desnutridas, as entidades passaram a pressionar os poderes públicos – Prefeitura, Ministério Público, Juizado da Infância e da Adolescência, entre outros – a tomarem providências. Um dos resultados já obtidos foi a contratação, pela prefeitura, de mais médicos para os postos de saúde. Deverá ser instalado em breve o Sistema Municipal de Vigilância Nutricional (previsto no SUS, Sistema Único de Saúde). E não é só isso: ao coletarem os nomes e endereços, as entidades descobriram que uma boa parte das famílias simplesmente “não existiam oficialmente”, ou seja, as crianças não tinham certidão de nascimento e os pais não tinham RG ou qualquer outro tipo de “identificação”. Isso levou a OAB local e o Juizado da Infância e da Juventude a desenvolver um esforço – ainda em andamento – de cadastramento destas pessoas, mostrando, na prática, que o combate à desnutrição é, também, um imperativo de cidadania.


“Se o Estado não consegue identificar os problemas, as ONGs podem indicar-lhe o caminho, cobrando, sempre. A questão de fundo da luta contra a fome é que trata-se de um direito de cidadania”, opina Alberto Gomes Silva, oficial de projetos da Action Aid.


O estômago


A fome afeta diretamente o estômago de quem sofre dela. Causa tonturas, fraqueza, desânimo, enjôos, doenças. E também vira o estômago de quem não passa fome – mas tem olhos. Foi o caso da musicista e compositora carioca Virgínia Adams, uma das idealizadoras, há 4 anos, do Click Fome – site inspirado no britânico The Hunger Site, em que se pode doar alimentos clicando nos ícones de empresas patrocinadoras. “Ao ver o site inglês percebi que havia a possibilidade de ajudar em larga escala, de interferir, de algum modo, na sociedade em que vivo”, diz.


Em parceria com a Ação da Cidadania, o Click Fome é uma idéia que deu certo. O site chegou a receber 10 mil visitas diárias, no ano passado, quando o endereço na Internet foi divulgado em matéria da TV Globo. O número de patrocinadores, porém, caiu de 12 para os atuais 2 (Rio Sul e Nova América). “Como tudo é feito em base voluntária, não houve um esforço suficiente e continuado de captação de novos patrocinadores”, lamenta Virgínia. Para reverter a situação, o Click Fome lança em novembro próximo uma campanha para conseguir novos patrocinadores. “Já estamos trabalhando na peça publicitária”, diz Virgínia. Os interessados em ajudar podem entrar em contato com ela pelo e-mail virginia@discovoador.com.br.


Rogério Pacheco Jordão

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