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Agora dentro da lei

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Até o dia 18 de setembro passado, as rádios comunitárias e indígenas equatorianas encontravam diversos empecilhos às suas atividades. Dificuldade de acesso a faixas de frequência, baixo alcance e impedimento de veicular publicidade paga (o que lhes garantiria recursos para se manterem) eram alguns deles. Por força da articulação das emissoras, do movimento indígena e de algumas ONGs identificadas com o tema, foram aprovadas no Congresso Nacional do Equador reformas na Lei de Rádio e Televisão que garantem às rádios melhores condições de operarem e se gerirem. A Rets entrevistou Gissela Dávila, secretária-executiva da CORAPE - Coordenadora de Rádios Populares (associada à AMARC - Associação Mundial de Rádios Comunitárias), organização que autou decisivamente pela aprovação das reformas.

 


Rets - Como a Amarc-Ecuador e a Corape conseguiram fazer com que as reformas fossem aprovadas?

Gissela Dávila - Ao analisar a legislação vigente no país e discutir os temas relacionados à igualdade de direitos, respeito à pluralidade cultural e sobretudo à liberdade de expressão e ao livre acesso aos meios de comunicação, vimos que era melhor nos amparar nas mesmas leis para garantir nossos direitos.

Fizemos uma proposta de reforma da atual lei que contempla apenas rádios comerciais e de serviço público, sendo que não nos encaixamos em nenhuma das duas categorias. E, com os direitos ganhos por anos de trabalho, pedimos reconhecimento na legislação aos nossos nome e trabalho. A reforma foi trabalhada reconhecendo as necessidades e sentimentos de vários setores: indígenas, mulheres, jovens, crianças, camponeses, ou seja, a sociedade civil em geral.

Rets - Por que tais reformas nunca haviam sido feitas? Havia interesse para que isso não ocorresse?

Gissela Dávila - Lamentavelmente, como sempre acontece em nossas sociedades, os interesses de poucos passam por cima dos da maioria. Em nosso país, 90% dos meios de comunicação estão nas mãos de políticos, empresários e pessoas da classe alta, que têm interesses políticos muito diferentes.

O trabalho para reformar a lei é uma luta que temos travado há cinco anos, em alguns momentos com mais intensidade do que em outros, mas foram necessários anos para que a lei fosse discutida pelo Congresso Nacional. E só conseguimos agora pois contamos com o apoio dos deputados Nina Pacari e Gilberto Talaguha, indígenas que entendem do problema e o levaram para ser discutido no plenário do Congresso.

Rets - Quais limitações as rádios comunitárias e indígenas enfrentavam antes das reformas?

Gissela Dávila - Entre elas estava a dificuldade de as rádios comunitárias e indígenas terem uma freqüência. Quando elas eram concedidas, a potência permitida era de 100 watts, que atinge apenas oito quadras de um bairro. Não era permitido veicular propaganda paga, independente do conteúdo, e a programação deveria ser cultural, não podia haver entretenimento.

Rets - Como as novas leis vão ajudar as rádios indígenas e comunitárias? O que elas poderão realizar a partir de agora?

Gissela Dávila - Agora poderemos ter acesso a meios de comunicação em igualdade de condição com qualquer outra organização, instituição ou pessoa. A potência da rádio poderá ser provincial, ou seja, conseguimos ter igualdade de condições quanto à potência do meio. A publicidade pode ser paga e os recursos oriundos dela devem ser aplicados em melhorias, pagamento de pessoal e serviços básicos (aluguel, água, luz, telefone) e apoio à comunidade onde estão inseridas.

Rets - Há semelhanças entre a situação das rádios comunitárias nos países latino-americanos? Que problemas e oportunidades elas têm em comum?

Gissela Dávila - De acordo com as informações que Gustavo Gómez [diretor do programa de legislações e direito à comunicação da Amarc] faz chegar até nós, sabemos que a situação é parecida na América Latina, pois as rádios comunitárias são consideradas meios subversivos. Mas o que fazemos é mostrar as coisas como são, sem manipulação ou favoritismo.

É nosso desejo que outros países consigam ganhar batalhas para finalmente atingirmos todos nossos objetivos. É um longo caminho e acho que no Equador o fortalecimento do movimento indígena nos ajudou muito, pois foram eles que fizeram pressão para que as reformas fossem aprovadas.

Rets - A conquista das rádios comunitárias equatorianas pode servir de exemplo para outras da região? Isso pode ser um marco para o avanço da legislação de rádios comunitárias em outros países da América Latina?

Gissela Dávila - Acho que ainda há muito por percorrer e que conquistar. Não sei se podemos ser um exemplo, mas tenho certeza que podemos ser uma amostra de como utilizar os meios de que se dispõe, a mesma lei inclusive para se chegar aos objetivos. Certamente isso pode ser uma pauta para os demais países latino-americanos.

A legislação tem que avançar e reconhecer quem trabalha pelo ser humano e caminha diariamente nesse sentido. Ela não pode cegar-se ante o que está na sua frente; este é um caminho no qual devemos nos apoiar e fazer alarde para que todos se contagiem de otimismo por dias melhores e justos para as rádios comunitárias.

Rets - Qual foi a participação das ONGs neste processo?


Gissela Dávila - Muitas organizações trabalharam para conseguir essa reforma na lei: Conaie, Ecuarrunari, FES (Friedrich Ebert Stiftung), Amarc, Aler, Deputados de Pachacutik, Corape, entre outras.

O papel das ONGs é de grande apoio e força para conseguir os resultados que obtivemos, pois contávamos com experiência, capacidade profissional, claridade no projeto para determinar por qual caminho seguir e que marco legal dar às rádios comunitárias.


 


Maria Eduarda Mattar

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