Você está aqui

RPPNs - Conservação particular, benefício nacional

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets








Talvez você não saiba, mas se você possui uma área com relevância ecológica - como paisagem cênica, espécie endêmica, aspecto de biodiversidade, proximidade com corredor ecológico ou propícia a projetos de pesquisa científica - você pode se tornar o feliz proprietário de uma Reserva Particular do Patrimônio Nacional - RPPN. Hoje, entre estaduais e federais, estima-se que existam mais de 600 destas reservas. Só as federais beiram as 400 unidades e as mais recentes reconhecidas datam de semana passada: uma em Rio Bonito de Cima, no estado do Rio de Janeiro; outra em Cajueiro, na Bahia; e a terceira em Brejo Novo, Minas Gerais.

Tal figura de conservação já existe oficialmente, com este nome, desde 1990, mas foi em 1996, depois da edição do Decreto Federal 1.922 que elas ficaram mais conhecidas e seu número começou a crescer. O grande diferencial é que as RPPNs são áreas de preservação - mais especificamente, de uso sustentável dos recursos naturais - cujas propriedade e responsabilidade não são da União, são do cidadão comum, que, ao optar por ter uma determinada área reconhecida como RPPN, deverá cumprir alguns deveres.

As RPPNs são uma das categorias de Unidades de Uso Sustentável, especificadas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, instituído em 2000. Porém, olhando para trás, este mecanismo já estava previsto no Código Florestal de 1934, que previa o estabelecimento de áreas particulares protegidas no Brasil. Estas áreas eram chamadas de "florestas protetoras", as quais permaneciam de posse e domínio do proprietário e eram inalienáveis. No Código Florestal de 1965 - que substituiu o de 1934 - a figura das "florestas protetoras" sumiu, mas ainda permaneceu a possibilidade do proprietário de uma determinada área querer a sua preservação e isto ser reconhecido pelas autoridades florestais. Esta possibilidade ganhou nome e ares mais concretos nos decretos de 1990 e de 1996, já mencionados.

Como se cria uma RPPN?

Para que uma propriedade seja considerada RPPN, "é necessário o animus de seu dono, que - sabendo da existência desta possibilidade - encaminha ao Ibama ou aos órgãos estaduais de meio ambiente (OEMAs) o pedido, junto com a documentação necessária", explica Horácio Tackano, presidente da Confederação Nacional de Proprietários de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (os documentos necessários e mais detalhes podem ser lidos na matéria "Passo-a-passo", cujo link está ao lado). Para pleitear a conversão de uma área, o proprietário deve apresentar ainda uma carta de intenção e um plano de utilização da mesma. Os exemplos mais comunus de uso destas terras são em projetos de educação ambiental, levantamentos de flora e fauna, pesquisa científica ou biológica e ecoturismo (contemplativo, não de aventura).

Depois de encaminhado o pedido ao Ibama ou aos OEMAs, todos vão parar no órgão federal, que - baseado na vistoria realizada ou pelos órgãos estaduais de meio ambiente ou pelo Ibama de cada estado - verifica a documentação e a legalidade e emite parecer. Na vistoria, os técnicos atentam para itens como aspectos que justifiquem o reflorestamento da área, relevo, hidrografia, clima, paisagem etc. Após essa etapa, é homologado o pedido e o reconhecimento é publicado no Diário Oficial. O passo seguinte é enviar os processos de volta para cada estado, para realização da averbação em cartório pelo próprio proprietário. "Costumamos lembrar que quem cria a RPPN não é o Ibama, é o proprietário, é ele que averba em cartório", explica Jaime Camps, consultor do Programa de RPPN do Ibama. Todo este processo deve ser realizado em 60 dias.

A partir daí, a área continua sendo de propriedade de seu dono, que assume deveres, para o efetivo uso sustentável do imóvel. Alguns deles são assegurar a manutenção dos atributos ambientais da RPPN e promover sua divulgação na região; e encaminhar, anualmente e sempre que solicitado, relatório de situação da Reserva e das atividades desenvolvidas. Para cumprir isto, o proprietário poderá pedir auxílio de entidades ambientalistas credenciadas pelo Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas, do Conama.

É importante lembrar que não é necessário que a pessoa transforme toda a sua propriedade em RPPN, pode ser apenas parte dela e, como não existe limite mínimo para as reservas, há RPPNs de centenas de m² até milhares de hectares. É dada preferência "aos imóveis contíguos às unidades de conservação ou a áreas cujas características devam ser preservadas no interesse do patrimônio natural do país", diz o decreto.

Benefícios









A criação de RPPNs é estimulada pelos incentivos concedidos aos donos das reservas, como a isenção do Imposto Territorial Rural; prioridade na análise de concessão de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), para os projetos necessários à implantação e gestão das RPPNs; preferência na análise do pedido de concessão de crédito agrícola para a propriedade que possuir uma RPPN em seu perímetro; e chancela oficial de um Órgão Público Federal à reserva.

Mas, tais benefícios não seriam motivo para empresas de papel e cimento requererem a transformação de algumas áreas em RPPNs (como, de fato, já existem)? Jaime Camps, do Ibama, acredita que não é a motivação financeira que leva as pessoas a converterem suas áreas em RPPNs: "Basta dizer que 65% das reservas têm a finalidade de conservação pura, são de ambientalistas natos. Além disso, existem os critérios e deveres de quem tem uma RPPN, os quais não podem ser desrespeitados e que seriam identificados nas vistorias do Ibama", ressalta ele, garantindo que este controle é feito. Quanto à criação de RPPNs por parte de empresas, ele avalia: "Há o fator da imagem. As empresas de papel e químicas, que derrubam árvores e geralmente poluem muito, investem na criação de RPPNs, para melhorarem suas imagens frente às populaçôes do entorno de suas fábricas. Querem parecer ambientalmente corretas".

Já Tackano, da Confederação de Proprietários de RPPN, também não vê os incentivos oferecidos como motivo de criação de RPPNs: "Os incentivos são irrisórios perto do trabalho que um processo para ter acesso aos recursos do Fundo acarreta. Além disso, os recursos existentes no FNMA são insignificantes perto do número de RPPNs decretadas. Definitivamente, tais colossos financeiros não estão atrás destes fundos", afirma, ele próprio propritário de uma RPPN de Toque Toque Pequeno, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, a qual abriga um manancial de água que abastece toda a região.

Ele reconhece que as RPPNs têm sido usadas como exemplo da vontade de preservar o meio ambiente por muitas empresas, mas ressalta que "é preciso entender que a empresa ou pessoa física não fazem RPPN para conseguir algum tipo de vantagem fiscal ou concessão de financiamento. Conheço a maior parte dos proprietários e todos são ambientalistas natos, amam a natureza, e ter uma RPPN é uma forma de expressar isto". Segundo ele, a maioria das florestas brasileiras encontra-se agora em terras privadas, por isso a importância de divulgar e esclarecer sobre este tipo de unidade de conservação ainda tão pouco conhecida pelas pessoas. É isto que a confederação que ele preside pretende fazer, ajudando na promoção do recém-lançado Programa Regional de Capacitação à Gestão das RPPNs da Região Sudeste (cujos detalhes podem ser lidos no box ao lado). Por fim, ele incorpora a vontade de conservação da natureza e declara: "É preciso esclarecer que fazer RPPN não é dar a terra para o Governo, é preservar para as gerações futuras, é valorizar nosso patrimônio natural, enfim, é um ato de amor".


 


Maria Eduarda Mattar

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer