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Aventura Sociológica em um Congresso de Conservação Ambiental

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião

Charles Pierre Parreiras e Luciana Braga Paraíso*

Em um momento pós Rio + 10, em que pesam os sentimentos de fracasso e retrocesso em relação à questão ambiental, o Brasil ainda enfrenta um processo eleitoral em que não há espaço para este tema. O discurso desenvolvimentista, predominante nas plataformas dos candidatos, sobrepuja propostas de sustentabilidade. E assim, o processo sucessório se encerra, sem que haja um real comprometimento dos futuros governantes com um Brasil sustentável.

Diante deste quadro, o III Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação é ilustrativo dos rumos que a questão ambiental vem tomando no país. Considerado um dos mais importantes eventos sobre áreas protegidas, este congresso reuniu em Fortaleza, CE, na última semana de setembro, participantes com percepções diversas (e por vezes conflitantes) acerca desta temática. Estiveram presentes técnicos de instituições governamentais de proteção ambiental, representantes da indústria de mineração e de cosméticos, organizações ambientalistas, bem como sociólogos, advogados, economistas e cientistas naturais.

Contudo, não nos pareceu que o congresso tenha sido capaz de espelhar o novo formato que a questão ambiental vem adquirindo, agregando contribuições de diversas áreas do saber, constituindo-se em um campo cada vez mais multidisciplinar. Do mesmo modo, este evento não conseguiu reunir as várias tendências teórico-metodológicas que hoje fundamentam as discussões sobre meio ambiente, de forma que, na escolha dos conferencistas e palestrantes, prevaleceram apenas aqueles que adotavam em suas análises a abordagem preservacionista, a qual considera que para fins de conservação é preciso que a natureza seja mantida isolada do contato humano. Ao ignorar outras correntes de pensamento o congresso deixou de abordar o tema conservação com a devida complexidade, perdendo uma grande oportunidade de traçar o panorama desta questão em toda a sua amplitude.

A problemática ambiental foi apresentada de maneira desarticulada dos aspectos sociais, uma vez que as conferências concentraram-se na defesa ferrenha da criação de unidades de conservação (Parques Nacionais, Reservas Biológicas, dentre outras categorias), não estimulando uma reflexão sobre os processos engendrados pelas sociedades urbano-industriais, que continuamente colocam em risco estas “ilhas de natureza”. Pelo contrário, não foram poucas as manifestações de conivência com o estilo de vida nada sustentável do mundo moderno: o debate sobre a manutenção de áreas de proteção integral pautado pela lógica do mercado; a logística do congresso, que ao invés de utilizar produtos biodegradáveis esbanjou garrafas plásticas de água, copos descartáveis, crachás de vinil; uma boa dose de evolucionismo expressa no discurso de um dos organizadores do congresso, que em sua palestra sugeriu que as populações tradicionais deveriam se adaptar ao modo de vida moderno, a fim de desocupar áreas de alta importância biológica. Da mesma forma, empresas cujas atividades vêm causando enorme impacto sobre a natureza (e que patrocinaram o congresso) obtiveram espaço de destaque durante o evento para fazerem sua propaganda “verde”. Já os autores de trabalhos técnicos-científicos dispuseram somente de 10 minutos para tentar expor suas experiências e os novos conhecimentos que produziram. Assim, o congresso foi representativo do paradoxo vivido em todo o mundo por setores ligados à conservação, em que se verifica serem cada vez mais indistintos os discursos desenvolvimentista e ambientalista. Tenta-se manter a “salvo” porções do mundo natural mas não se interfere no processo de degradação. Será isto, o tão famigerado “desenvolvimento sustentável”?

Neste contexto, temas como, relações com as populações vizinhas às áreas protegidas, estratégias participativas para se promover a preservação e a gestão de unidades de conservação, os novos parâmetros dos Planos de Manejo, as recentes propostas de educação ambiental, presentes na agenda da grande maioria dos que lidam com o meio ambiente, não tiveram o merecido destaque, o que contribuiu para que sociólogos como nós, que pesquisam os processos sociais que envolvem projetos de conservação, assim como aqueles profissionais que concebem a proteção da natureza como uma questão socioambiental, não encontrassem no congresso lugar para suas reflexões.

Por conseguinte, nossa participação no III Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação acabou se constituindo em uma “aventura sociológica”, uma expedição em terras ainda estranhas, habitat de um pensamento que não se sensibilizou às novas demandas sociais, culturais, políticas e ecológicas de nossa sociedade. Esbarramos em outras “espécies” tão exóticas como nós, que também ansiavam em rediscutir conceitos, experimentar novas estratégias que colaborassem para a resolução de conflitos que têm se mostrado insolúveis sob uma perspectiva que ignora as relações sociedade-natureza.

* Os autores cursam o Mestrado de Sociologia da UFMG e pesquisam o Projeto Doces Matas. Também integram o GESTA (Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais) da FAFICH/UFMG.

Os autores

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