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Carta do Cimi

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Uma entrevista semanal sobre temas relevantes para o Terceiro Setor

FHC EDITA DECRETO INCONSTITUCIONAL CONTRA OS POVOS INDÍGENAS


Na terça-feira (08/10/2002) foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto 4.412, editado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que "dispõe sobre a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas e dá outras providências".


O inciso II do artigo 1º é inconstitucional ao permitir a "instalação e manutenção de unidades militares e policiais, de equipamentos para fiscalização e apoio à navegação aérea e marítima, bem como das vias de acesso e demais medidas de infra-estrutura e logística necessárias".


O governo FHC insiste em não observar o que dispõe a Constituição Federal quanto à nulidade dos atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse de terras indígenas. Mesmo sendo patrimônio da União, estas terras são de posse permanente dos povos indígenas que nelas habitam. Ou seja, nem mesmo a União pode tomar posse de parte destas terras para instalação de prédios, a não ser quando se tratar de "relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar", conforme estabelece o § 6º do art. 231 da Constituição. Esta lei complementar prevista ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional.


Dessa forma, o disposto no inciso II do art. 1º do decreto, e consequentemente seu art. 2º, são flagrantemente inconstitucionais, já que somente uma lei complementar poderá prever os atos previstos neste dispositivo do decreto presidencial, como ato de relevante interesse da União, validando sua posse e ocupação sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.


O Cimi encaminhará representação ao Procurador Geral da República e ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a fim de que seja providenciada a argüição de inconstitucionalidade dessas normas no Supremo Tribunal Federal.


Por fim, o art. 3º do referido Decreto prevê, na sua parte final, que as Forças Armadas e a Polícia Federal poderão se envolver na "superação de eventuais situações de conflito ou tensão envolvendo índios ou grupos indígenas". Não é da competência desses órgãos a superação de conflitos interétnicos. Conforme a Lei nº 6001/73, o tratamento de questões dessa natureza é de competência do órgão indigenista federal, a Funai.


Somente em situações limites e ainda assim, muito bem caracterizadas e fundamentadas pelo presidente da Funai é que uma intervenção dessa natureza poderia ser analisada num caso concreto, sendo, por isso desnecessário qualquer decreto para dispor sobre atribuições constitucionais e legais.


É lamentável que, no apagar das luzes, este governo, numa clara demonstração de prepotência, ao invés de se empenhar para que a Constituição seja cumprida, proponha decretos inconstitucionais, e ao invés de buscar o diálogo com os povos indígenas, opte por expor esses povos a novas interferências que ameacem a sua sobrevivência física e cultural.


Brasília, 09 de outubro de 2002.


 



Nota do Conselho Indígena de Roraima


Nós Existimos!


Caros companheiros pela causa indígena,


Em resposta a matéria do New York Times sobre a denúncia de abuso sexual de índias Yanomami por soldados, o Ministro da Defesa, Geraldo Quintão, sem respaldo legal, fez afirmações que confrontam com os direitos indígenas assegurados constitucionalmente.


Em suas declarações feitas no dia 02/10/02, o Ministro afirma: "É natural que relacionamentos aconteçam. É um direito das índias procurarem se relacionar com os soldados, para se juntarem, casarem", completou ao acrescentar que bloquear essa relação "é querer impedir o fruto da natureza humana" . Essas agressões e violências não podem ser considerados como fatos naturais. Elas configuram, sim, a violação de direitos humanos que deverão ser apurados e os responsáveis punidos.


Em outro ponto, o Ministro nega a existência dos direitos originários dos Povos Indígenas sobre suas terras ao não reconhecer a Raposa Serra do Sol como território indígena. Sua nota à impressa afirma que a Aldeia "Uiramutã é uma cidade habitada por índios aculturados, brancos, mulatos, cablocos, etc, ...e não é reserva indígena como querem fazer ver. Lá estará construído um hospital, onde o Exército atenderá a comunidade local e índios, além do pelotão instalado." Mais grave ainda, o Ministro nega a validade da Portaria 820/98-do Ministério da Justiça que declara a TI Raposa Serra do Sol como indígena.


A Constituição Federal de 1988, reconheceu aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, além de estabelecer que compete à União Federal demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens [artigo 231]. A observância das normas constitucionais é fundamental para a proteção dos direitos dos povos indígenas bem como para a consolidação do Estado Democrático e de Direito no país. A expedição da Portaria 820/98-MJ faz isso e, neste sentido, o Ministro Geraldo Quintão se coloca contrário ao próprio Governo Federal.


O Ministro, ao dizer que "o Brasil não pode e não vai abrir mão de sua soberania naquela região rica e desabitada", exclui não só os direitos indígenas, mas também nega a existência dos Povos Ingaricó, Macuxi, Taurepang, Patamona e Wapichana que habitam tradicionalmente aquela região.


O conceito de soberania nacional tem que ser pensado dentro do contexto de um país moderno, que respeita as diferenças sócio-culturais. Não existe incompatibilidade em defender os interesses nacionais, inclusive entre eles o respeito aos Direitos Humanos e aos Direitos Indígenas


As declarações feitas publicamente e vinculadas a nível nacional expressam uma intolerância inaceitável e agridem não somente o Conselho Indígena de Roraima, como organização indígena, mas a todos indígenas que defendem seus direitos.


Destacamos ainda que fatos como esses contribuem para a invasão das Terras Indígenas, uma vez que há o objetivo de consolidar o Município de Uiramutã, ora questionado judicialmente, face sua inconstitucionalidade, por ter sua sede localizada dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Exemplos concretos de instalações militares, realizadas sem acompanhamento dos indígenas interessados, favorecem a expansão de vilas que consequentemente desestruturam a organização sócio-cultural indígena, além de restringir o usufruto de recursos naturais e redução da terra.


Os Povos Indígenas esperam do Brasil uma medida reguladora que estabeleça regras para atuação de militares em Terras Indígenas, para que haja a compatibilização da Defesa do território nacional e a defesa dos direitos indígenas constitucionais. No entanto o Decreto nº 4.412 de 07/10/2002 que dispõe sobre atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas, contraria diretamente o disposto no artigo 231, da CF/88, especialmente em seu § 6º no que diz: "São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo,..., ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar..."..É fundamental lembrar que não há a lei complementar citada.


Entendemos que tal medida reguladora, imprescindivelmente, deverá levar em conta os direitos dos Povos Indígenas, para serem consultados prévia e informadamente dos projetos que afetem sua realidade, como por exemplo a instalação de unidades policiais e militares e a atuação destes em terras indígenas.


Os dispositivos constitucionais, a Convenção 169 OIT e a Lei 6.001/73, aprovados pelo Congresso Nacional, ainda que por razões históricas, consagram direitos indígenas. As autoridade brasileiras não podem se omitir perante a inconstitucionalidade do Decreto 4.412/02. Não estamos lutando contra as Forças Armadas ou serviços públicos essenciais da União Federal, queremos apenas que sejam respeitados os nossos direitos!


Conselho Indígena de Roraima, 09 de outubro de 2002.


 



Carta conjunta das Organizações Indígenas do Distrito de Iauareté (Oici) e Organização Indígena do Centro Iauareté (Oici)


Sr. Gal


Comandante Militar da Amazônia


Manaus, AM


 


Sr. General,


Aproveitando sua passagem por Iauareté, apresentamos algumas questões do povo deste Distrito à sua consideração:


1 - Problemas com recrutas de fora: há alguns anos nossas lideranças solicitaram ao comando do 5º BIS que o Exército passasse a recrutar somente soldados da região para compor o contingente dos pelotões localizados nas Terras Indígenas da região. Isso de fato aconteceu, o que veio a acabar com muitos problemas sociais que aconteciam nas comunidades onde os pelotões estão instalados. Mas agora, no ano de 2002, o Exército passou a recrutar novamente os soldados de Manaus para esses pelotões. Imediatamente, os problemas do passado voltaram a aparecer. Em Iauareté, em todas as festas de finais de semana estamos observando atritos entre os soldados de fora e os rapazes do povoado. São brigas que acontecem à noite, motivadas na maior parte dos casos pelo assédio dos recrutas de fora sobre as moças do povoado. As lideranças de Iauareté já buscaram discutir o assunto com o comandante do pelotão local. Porém, não acreditamos que medidas de punição a esses casos poderão pôr um fim definitivo ao problema. Nesse sentido, gostaríamos de saber qual é a posição do CMA a respeito do assunto.


2 - Hospital Calha Norte: esse hospital foi recentemente inaugurado pela Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas (SUSAM) e, na falta de médicos contratados diretamente pelo governo, começou a funcionar com o médico, dentista e bioquímico do pelotão. Depois de cerca de um mês de funcionamento, os profissionais foram proibidos de atender no hospital. Gostaríamos de saber o motivo dessa proibição, que está praticamente impedindo o atendimento ambulatorial. Até o momento não tivemos qualquer explicação sobre a participação do Exército no funcionamento do novo hospital. Vemos que novas casas foram construídas pela prefeitura de São Gabriel para abrigar os médicos militares que deveriam vir para servir aqui, de acordo com exigências do próprio Exército. Em seguida a SUSAM re-equipou totalmente o hospital. Agora, seu funcionamento fica prejudicado apesar de termos dois médicos servindo no pelotão.


Contamos com um posicionamento por parte do Comando Militar da Amazônia sobre as questões acima. Acreditamos que o diálogo aberto é a melhor forma de garantir um bom relacionamento entre o Exército e as populações indígenas do alto rio Negro.


Atenciosamente,


Basílio Jesus Gama Brito


Presidente da Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauareté (Coidi)


José João Bosco Sodré Dias


Presidente da Organização Indígena do Cenbtro Iauareté (Oici)



Nota pública da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)


A FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro - vem a público se manifestar mais uma vez a respeito da presença militar nas terras indígenas demarcadas na chamada "Cabeça do Cachorro", diante do recente decreto presidencial nº 4.412, de 07/10/02, que dispõe sobre a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em terras indígenas.


Achamos positivo que o governo federal tenha prestado atenção a essa questão, sobre a qual temos alertado as autoridades federais desde 1996. Porém, diferentemente da nossa posição, esse decreto saiu sem nos ouvir formalmente e sem prever mecanismos obrigatórios de consulta a nós e a todos os demais diretamente interessados. Esperávamos que o Ministério da Justiça honrasse o compromisso assumido conosco aqui em S. Gabriel da Cachoeira (AM), em fevereiro de 2001, de interceder junto ao Ministério da Defesa e de promover uma consulta sobre o assunto. O decreto agora promulgado protege os interesses das Forças Armadas e da Polícia Federal e deixa a critério exclusivo e unilateral da Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional solicitar manifestação da FUNAI sobre "eventuais impactos às comunidades indígenas das localidades objeto de unidades militares e policiais".


Aqui no alto Rio Negro é sabido que esses impactos sempre existem, mesmo porque os pelotões de fronteira existentes nas terras demarcadas (S. Joaquim, Tunuí, Querari, Pari-Cachoeira, Iauareté e Maturacá) foram instalados bem próximos a comunidades indígenas. Esses impactos ocorrem desde a definição dos critérios para a instalação das unidades militares, até as ações oficiais de treinamento e assistência, ou mesmo a convivência informal. O decreto em questão não prevê nenhum espaço institucional de acompanhamento e mediação de conflitos, a partir de regras construídas de forma participativa.


Gostaríamos ainda de manifestar que "programas e projetos de proteção e controle da fronteira" , aos quais o decreto se refere, para serem eficazes devem contar com a nossa participação em todas as etapas. Mesmo porque aqui no Rio Negro, onde vivem 22 povos diferentes, nossos parentes vivem em comunidades situadas no Brasil e em outros países limítrofes, no caso a Colômbia e a Venezuela.


Finalmente, e apesar das questões que estamos levantando, gostaríamos de manifestar nossa disposição de manter o diálogo sobre este assunto tão importante e esperamos que o governo federal futuramente possa encontrar caminhos para aprimorar as regras e procedimentos que acolham nossos interesses e direitos garantidos pela Constituição Federal.


Orlando José de Oliveira - Presidente da Foirn


Domingos Sávio Barreto - Vice-Presidente


Edílson Martins - Secretário


José de Lima - Tesoureiro


Rosilene Fonseca - Secretária-executiva


São Gabriel da Cachoeira, 14 de outubro de 2002.


FHC EDITA DECRETO INCONSTITUCIONAL CONTRA OS POVOS INDÍGENAS


Na terça-feira (08/10/2002) foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto 4.412, editado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que "dispõe sobre a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas e dá outras providências".


O inciso II do artigo 1º é inconstitucional ao permitir a "instalação e manutenção de unidades militares e policiais, de equipamentos para fiscalização e apoio à navegação aérea e marítima, bem como das vias de acesso e demais medidas de infra-estrutura e logística necessárias".


O governo FHC insiste em não observar o que dispõe a Constituição Federal quanto à nulidade dos atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse de terras indígenas. Mesmo sendo patrimônio da União, estas terras são de posse permanente dos povos indígenas que nelas habitam. Ou seja, nem mesmo a União pode tomar posse de parte destas terras para instalação de prédios, a não ser quando se tratar de "relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar", conforme estabelece o § 6º do art. 231 da Constituição. Esta lei complementar prevista ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional.


Dessa forma, o disposto no inciso II do art. 1º do decreto, e consequentemente seu art. 2º, são flagrantemente inconstitucionais, já que somente uma lei complementar poderá prever os atos previstos neste dispositivo do decreto presidencial, como ato de relevante interesse da União, validando sua posse e ocupação sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.


O Cimi encaminhará representação ao Procurador Geral da República e ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a fim de que seja providenciada a argüição de inconstitucionalidade dessas normas no Supremo Tribunal Federal.


Por fim, o art. 3º do referido Decreto prevê, na sua parte final, que as Forças Armadas e a Polícia Federal poderão se envolver na "superação de eventuais situações de conflito ou tensão envolvendo índios ou grupos indígenas". Não é da competência desses órgãos a superação de conflitos interétnicos. Conforme a Lei nº 6001/73, o tratamento de questões dessa natureza é de competência do órgão indigenista federal, a Funai.


Somente em situações limites e ainda assim, muito bem caracterizadas e fundamentadas pelo presidente da Funai é que uma intervenção dessa natureza poderia ser analisada num caso concreto, sendo, por isso desnecessário qualquer decreto para dispor sobre atribuições constitucionais e legais.


É lamentável que, no apagar das luzes, este governo, numa clara demonstração de prepotência, ao invés de se empenhar para que a Constituição seja cumprida, proponha decretos inconstitucionais, e ao invés de buscar o diálogo com os povos indígenas, opte por expor esses povos a novas interferências que ameacem a sua sobrevivência física e cultural.


Brasília, 09 de outubro de 2002.


 



Nota do Conselho Indígena de Roraima


Nós Existimos!


Caros companheiros pela causa indígena,


Em resposta a matéria do New York Times sobre a denúncia de abuso sexual de índias Yanomami por soldados, o Ministro da Defesa, Geraldo Quintão, sem respaldo legal, fez afirmações que confrontam com os direitos indígenas assegurados constitucionalmente.


Em suas declarações feitas no dia 02/10/02, o Ministro afirma: "É natural que relacionamentos aconteçam. É um direito das índias procurarem se relacionar com os soldados, para se juntarem, casarem", completou ao acrescentar que bloquear essa relação "é querer impedir o fruto da natureza humana" . Essas agressões e violências não podem ser considerados como fatos naturais. Elas configuram, sim, a violação de direitos humanos que deverão ser apurados e os responsáveis punidos.


Em outro ponto, o Ministro nega a existência dos direitos originários dos Povos Indígenas sobre suas terras ao não reconhecer a Raposa Serra do Sol como território indígena. Sua nota à impressa afirma que a Aldeia "Uiramutã é uma cidade habitada por índios aculturados, brancos, mulatos, cablocos, etc, ...e não é reserva indígena como querem fazer ver. Lá estará construído um hospital, onde o Exército atenderá a comunidade local e índios, além do pelotão instalado." Mais grave ainda, o Ministro nega a validade da Portaria 820/98-do Ministério da Justiça que declara a TI Raposa Serra do Sol como indígena.


A Constituição Federal de 1988, reconheceu aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, além de estabelecer que compete à União Federal demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens [artigo 231]. A observância das normas constitucionais é fundamental para a proteção dos direitos dos povos indígenas bem como para a consolidação do Estado Democrático e de Direito no país. A expedição da Portaria 820/98-MJ faz isso e, neste sentido, o Ministro Geraldo Quintão se coloca contrário ao próprio Governo Federal.


O Ministro, ao dizer que "o Brasil não pode e não vai abrir mão de sua soberania naquela região rica e desabitada", exclui não só os direitos indígenas, mas também nega a existência dos Povos Ingaricó, Macuxi, Taurepang, Patamona e Wapichana que habitam tradicionalmente aquela região.


O conceito de soberania nacional tem que ser pensado dentro do contexto de um país moderno, que respeita as diferenças sócio-culturais. Não existe incompatibilidade em defender os interesses nacionais, inclusive entre eles o respeito aos Direitos Humanos e aos Direitos Indígenas


As declarações feitas publicamente e vinculadas a nível nacional expressam uma intolerância inaceitável e agridem não somente o Conselho Indígena de Roraima, como organização indígena, mas a todos indígenas que defendem seus direitos.


Destacamos ainda que fatos como esses contribuem para a invasão das Terras Indígenas, uma vez que há o objetivo de consolidar o Município de Uiramutã, ora questionado judicialmente, face sua inconstitucionalidade, por ter sua sede localizada dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Exemplos concretos de instalações militares, realizadas sem acompanhamento dos indígenas interessados, favorecem a expansão de vilas que consequentemente desestruturam a organização sócio-cultural indígena, além de restringir o usufruto de recursos naturais e redução da terra.


Os Povos Indígenas esperam do Brasil uma medida reguladora que estabeleça regras para atuação de militares em Terras Indígenas, para que haja a compatibilização da Defesa do território nacional e a defesa dos direitos indígenas constitucionais. No entanto o Decreto nº 4.412 de 07/10/2002 que dispõe sobre atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas, contraria diretamente o disposto no artigo 231, da CF/88, especialmente em seu § 6º no que diz: "São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo,..., ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar..."..É fundamental lembrar que não há a lei complementar citada.


Entendemos que tal medida reguladora, imprescindivelmente, deverá levar em conta os direitos dos Povos Indígenas, para serem consultados prévia e informadamente dos projetos que afetem sua realidade, como por exemplo a instalação de unidades policiais e militares e a atuação destes em terras indígenas.


Os dispositivos constitucionais, a Convenção 169 OIT e a Lei 6.001/73, aprovados pelo Congresso Nacional, ainda que por razões históricas, consagram direitos indígenas. As autoridade brasileiras não podem se omitir perante a inconstitucionalidade do Decreto 4.412/02. Não estamos lutando contra as Forças Armadas ou serviços públicos essenciais da União Federal, queremos apenas que sejam respeitados os nossos direitos!


Conselho Indígena de Roraima, 09 de outubro de 2002.


 



Carta conjunta das Organizações Indígenas do Distrito de Iauareté (Oici) e Organização Indígena do Centro Iauareté (Oici)


Sr. Gal


Comandante Militar da Amazônia


Manaus, AM


 


Sr. General,


Aproveitando sua passagem por Iauareté, apresentamos algumas questões do povo deste Distrito à sua consideração:


1 - Problemas com recrutas de fora: há alguns anos nossas lideranças solicitaram ao comando do 5º BIS que o Exército passasse a recrutar somente soldados da região para compor o contingente dos pelotões localizados nas Terras Indígenas da região. Isso de fato aconteceu, o que veio a acabar com muitos problemas sociais que aconteciam nas comunidades onde os pelotões estão instalados. Mas agora, no ano de 2002, o Exército passou a recrutar novamente os soldados de Manaus para esses pelotões. Imediatamente, os problemas do passado voltaram a aparecer. Em Iauareté, em todas as festas de finais de semana estamos observando atritos entre os soldados de fora e os rapazes do povoado. São brigas que acontecem à noite, motivadas na maior parte dos casos pelo assédio dos recrutas de fora sobre as moças do povoado. As lideranças de Iauareté já buscaram discutir o assunto com o comandante do pelotão local. Porém, não acreditamos que medidas de punição a esses casos poderão pôr um fim definitivo ao problema. Nesse sentido, gostaríamos de saber qual é a posição do CMA a respeito do assunto.


2 - Hospital Calha Norte: esse hospital foi recentemente inaugurado pela Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas (SUSAM) e, na falta de médicos contratados diretamente pelo governo, começou a funcionar com o médico, dentista e bioquímico do pelotão. Depois de cerca de um mês de funcionamento, os profissionais foram proibidos de atender no hospital. Gostaríamos de saber o motivo dessa proibição, que está praticamente impedindo o atendimento ambulatorial. Até o momento não tivemos qualquer explicação sobre a participação do Exército no funcionamento do novo hospital. Vemos que novas casas foram construídas pela prefeitura de São Gabriel para abrigar os médicos militares que deveriam vir para servir aqui, de acordo com exigências do próprio Exército. Em seguida a SUSAM re-equipou totalmente o hospital. Agora, seu funcionamento fica prejudicado apesar de termos dois médicos servindo no pelotão.


Contamos com um posicionamento por parte do Comando Militar da Amazônia sobre as questões acima. Acreditamos que o diálogo aberto é a melhor forma de garantir um bom relacionamento entre o Exército e as populações indígenas do alto rio Negro.


Atenciosamente,


Basílio Jesus Gama Brito


Presidente da Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauareté (Coidi)


José João Bosco Sodré Dias


Presidente da Organização Indígena do Cenbtro Iauareté (Oici)



Nota pública da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)


A FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro - vem a público se manifestar mais uma vez a respeito da presença militar nas terras indígenas demarcadas na chamada "Cabeça do Cachorro", diante do recente decreto presidencial nº 4.412, de 07/10/02, que dispõe sobre a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em terras indígenas.


Achamos positivo que o governo federal tenha prestado atenção a essa questão, sobre a qual temos alertado as autoridades federais desde 1996. Porém, diferentemente da nossa posição, esse decreto saiu sem nos ouvir formalmente e sem prever mecanismos obrigatórios de consulta a nós e a todos os demais diretamente interessados. Esperávamos que o Ministério da Justiça honrasse o compromisso assumido conosco aqui em S. Gabriel da Cachoeira (AM), em fevereiro de 2001, de interceder junto ao Ministério da Defesa e de promover uma consulta sobre o assunto. O decreto agora promulgado protege os interesses das Forças Armadas e da Polícia Federal e deixa a critério exclusivo e unilateral da Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional solicitar manifestação da FUNAI sobre "eventuais impactos às comunidades indígenas das localidades objeto de unidades militares e policiais".


Aqui no alto Rio Negro é sabido que esses impactos sempre existem, mesmo porque os pelotões de fronteira existentes nas terras demarcadas (S. Joaquim, Tunuí, Querari, Pari-Cachoeira, Iauareté e Maturacá) foram instalados bem próximos a comunidades indígenas. Esses impactos ocorrem desde a definição dos critérios para a instalação das unidades militares, até as ações oficiais de treinamento e assistência, ou mesmo a convivência informal. O decreto em questão não prevê nenhum espaço institucional de acompanhamento e mediação de conflitos, a partir de regras construídas de forma participativa.


Gostaríamos ainda de manifestar que "programas e projetos de proteção e controle da fronteira" , aos quais o decreto se refere, para serem eficazes devem contar com a nossa participação em todas as etapas. Mesmo porque aqui no Rio Negro, onde vivem 22 povos diferentes, nossos parentes vivem em comunidades situadas no Brasil e em outros países limítrofes, no caso a Colômbia e a Venezuela.


Finalmente, e apesar das questões que estamos levantando, gostaríamos de manifestar nossa disposição de manter o diálogo sobre este assunto tão importante e esperamos que o governo federal futuramente possa encontrar caminhos para aprimorar as regras e procedimentos que acolham nossos interesses e direitos garantidos pela Constituição Federal.


Orlando José de Oliveira - Presidente da Foirn


Domingos Sávio Barreto - Vice-Presidente


Edílson Martins - Secretário


José de Lima - Tesoureiro


Rosilene Fonseca - Secretária-executiva


São Gabriel da Cachoeira, 14 de outubro de 2002.

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