Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Diz o Aurélio: "Cultura - O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais etc., transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade". Mas, Cultura - este conceito amplo, plural e mutante - representa muito mais do que isso. Suas manifestações ao mesmo tempo são fim e meio. Fim porque a cultura é recompensante por si só: fazer rimas, pintar, atuar, cantar e dançar etc. valem pelo próprio prazer. Meio porque - ao proporcionar ao indíviduo novas experiências, fazeres, quereres e sentimentos - a cultura tem o poder de transformar o modo como o indivíduo se relaciona com o ambiente, com a sociedade, consigo mesmo, com o mundo, enfim. Ao apresentar e propor novas possibilidades, a Cultura - ou as culturas - consegue promover subvenção de conceitos, abrindo espaço na mente e na alma das pessoas para enriquecer seus pontos de vista, adicionar novos valores ou criticar aqueles já estabelecidos.
Nesse contexto de reestruturação, o uso de manifestações culturais para transformar pessoas e, assim, desde comunidades a países experimenta potencial ainda não mensurado. Da valorização de tradições comunitárias à geração de oportunidade de trabalho. Da formação intelectual de jovens à proposição de novos padrões de comportamento. Tudo isso a Cultura pode. "Ela é revolucionária", sintetiza Marta Porto, chefe do escritório da Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
A instituição acaba de promover o último de uma série de encontros temáticos iniciados em março deste ano para discutir as diversas facetas da Cultura, com ênfase na gestão e nas políticas públicas para a área. O mais recente deles teve o tema "Cultura, Gestão e Financiamento", dando ênfase à formação de gestores e à necessidade de planejamento. Anteriormente, "Cultura, Política e Direitos" também foi tema de um evento, pondo em discussão o estado das atuais políticas públicas voltadas para a área, questionando a quem tais mecanismos atendem e quais necessidades da população - e qual parcela dela - são levadas em consideração. Marta sublinha que o principal eixo deste encontro foi uma discussão teórica sobre a potência do capital social e cultural para desenvolver localmente e reverter indicadores sociais negativos em algumas regiões.
"Cultura, Poder e Movimento Social" foi outro tema da série de encontros temáticos, que será condensada em uma publicação (mais informações podem ser encontradas no box ao lado). Neste evento, foi discutido como os movimentos socias estão ajudando a deslocar o desenho das políticas voltadas para a Cultura, a partir do momento em que mostram a importância de suas manifestações. Também foi questionado porque tais iniciativas não são ouvidas na formulação de políticas oficiais.
No entanto, ela alerta para o fato de que as iniciativas culturais de base comunitária não podem ser encaixadas na mesma rubrica das políticas sociais, pois isto seria deturpar a real importância da Cultura para o indivíduo. "Não se trata de esvaziar o poder revolucionário da Cultura, que é indiscutível. Mas, ao se encaixar as manifestações desta natureza no campo das polítias públicas sociais, parece que têm o dever de mudar a comunidade ou sociedade em que se inserem e acaba-se atribuindo a elas um compromisso que não é o seu compromisso primeiro", explica Marta.
Este poder transformador já foi percebido por muitas ONGs e movimentos sociais, que fazem uso de manifestações artísticas para tentar mudar a realidade de seus públicos-alvo. Não só para promover uma maior "aculturação" das pessoas, mas para, através de oficinas de arte, exercícios de sensibilização e outros meios mais chegar a um fim que ultrapassa a atividade cultural por si só. Por exemplo: muitos são os casos em que se usa técnicas circenses para ajudar na recuperação de crianças doentes; acontece muito também o uso de artesanato para gerar emprego e renda; há ainda a corriqueira apropriação do cinema e da literatura para fazer denúncia social. Muitos outros exemplos poderiam ser citados a perder de vista.
Para celebrar esta riqueza cultural e estimular o cultivo da mesma, começa em 5 de novembro (Dia Nacional da Cultura) e termina no dia 10 o Tangolomango - Iº Encontro de ações de cultura e cidadania da cidade do Rio de Janeiro. O palco escolhido é o Museu da República, no Rio de Janeiro, que vai abrigar um misto de mostra-exposição com palestras, exibição de filmes, oficinas de artes, apresentações performáticas, de música, de dança etc. O evento pretende reunir instituições não-governamentais que se dedicam a trabalhar com crianças e jovens, resgatando a cidadania e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida.
De acordo com a coordenadora do projeto, Marina Vieira, o objetivo principal do evento é promover e multiplicar ações que tenham em comum uma concepção de educação para transformação social muito clara e bem delineada, associada a manifestações culturais de grande representatividade e singularidade. "A idéia é possibilitar o encontro público de alguns desses grupos, para que mais pessoas conheçam estas ações e os próprios grupos possam trocar experiências entre si, através das atividades programadas. Pretendemos também proporcionar o encontro entre grupos sociais, representantes do governo, do mercado e do Terceiro Setor", explica a coordenadora.
Segundo os organizadores, o principal diferencial do Tangolomango é pensar a cultura como fator determinante do exercício da cidadania. Por isso a diversidade de temas que serão debatidos nas palestras (cujos eixos serão: Cultura e Cidadania, Projetos Sociais Incentivados, Economia da Cultura e Responsabilidade Social e Cultura) e a forte característica de discussão da realidade que revelam os filmes a serem exibidos (Cidade de Deus, Uma Onda no Ar, Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas e Ônibus 174 são alguns exemplos).
Marina conta que a idéia do evento-acontecimento nasceu através da constatação do crescimento de propostas inovadoras de inclusão social que vêm surgindo na vida cultural carioca, mais especificamente aquelas que resgatam a identidade e o orgulho de suas comunidades. "Então, consideramos importante reunir estas manifestações na Semana da Cultura e disponibilizar as informações resultantes do Encontro em uma publicação e em um site para multiplicar a formação de novos grupos". (No box ao lado, há indicações sobre a elaboração da publicação.)
Lenta e efetiva
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O fator transformador da Cultura, porém, não precisa ser algo estrondoso e esperacular como algumas de suas manifestações. Existem aquelas iniciativas que vão, aos poucos, ajudando a mostrar novas perspectivas. É o caso do circuito Trilhas da Cultura, projeto da Fundação Belgo-Mineira que acontece em 12 cidades espalhadas por Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. O objetivo é estimular o hábito de frequentar espetáculos culturais nos moradores dos municípios e proporcionar lazer e entretenimento para suas populações.
O projeto consiste em uma turnê, na qual os cerca de 50 grupos artísticos escolhidos a cada ano visitam mensalmente alguma das 12 cidades atendidas pelo Trilhas. Cada lugar recebe três espetáculos por mês, totalizando 36 mensais, produzidos e financiado pelo projeto. A gerente de Cultura da Fundação Belgo-Mineira, Elisane Gressi, conta que já se percebe, depois de dois anos de projeto, os reflexos do mesmo no desenvolvimento sócio-econômico das localidades e a intenção - que, segundo Elisane, parece já estar se concretizando - é a sustentabilidade da Cultura local. Ou seja, pretende-se fortalecer a tal ponto as manifestações culturais nos locais que, mesmo sem a atuação da Fundação, elas possam continuar acontecendo e produzindo. "Vemos a reanimação da cena cultural e da produção local nas cidades em que atuamos, que tem crescido e ficado melhor".
Minas Gerais também abriga o projeto Sempre um Papo, que há 16 anos acontece em Belo Horizonte realizando palestras informais, com entrada gratuita, nas quais a platéia é que faz as perguntas para os convidados. Estes têm sido os mais variados - desde antropólogos a bandas de música. "Ao longo da existência do projeto, realizamos 1.500 eventos e movimentamos, diretamente, um público estimado em 600.000 pessoas para ouvir cerca de 1.600 convidados, sempre contando com a participação de um representativo número de instituições, empresas e entidades nas promoções", relembra o idealizador e coordenador do projeto, Afonso Borges.
Para ele, o maior mérito que o projeto alcançou é o fato de ter proporcionado a democratização ao acesso da informação, colocado em contato com o público inúmeras personalidades até então inacessíveis e promovido uma espécie de "universidade livre", onde as pessoas podem se aprimorar culturalmente e aprender, sem terem que se inscrever formalmente em uma escola. Quanto ao desdobramento mais importante do projeto, Afonso cita o "Sempre Um Papo nos Bairros", que leva profissionais de diversas áreas para debater assuntos sociais e comunitários nas localidades perto da casa das pessoas. São cinco bairros por semana, de segunda a sexta-feira, percorridos pelo mesmo convidado. "É um banho de cidadania e informação", orgulha-se.
Perguntado sobre o poder de transformação que a Cultura carrega, Afonso se permite divagar e opina: "Sem dúvida, a Cultura é uma ferramenta para a transformação social. E sempre caminharam juntas as iniciativas de Cultura e as do Terceiro Setor. As ONGs, mais que ninguém, sabem a importância da leitura, da dramaturgia, do cinema, das artes plásticas na construção do caráter e da personalidade do ser humano. O conceito de cidadania, hoje, ultrapassa o do humanismo. A Cultura trata de resgatar, fazer lembrar que antes, ou talvez paralelo aos movimentos cidadãos, existem seres humanos vivendo e trabalhando por causas e por outras pessoas. Esta sensibilidade só a ação cultural traz e resgata. E aí reside a chave da transformação social, na minha opinião".
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