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Conectados a novas perspectivas

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Se ter contato com computador já é uma experiência estranha a milhões de brasileiros, imaginem utilizá-lo para ter acesso à Internet e fazer uso pleno das possibilidades que a Rede Mundial de Computadores encerra. Esta não é a realidade de cerca de 92% dos brasileiros e, por isso, surgem espaços inovadores como os telecentros. O que caracteriza estes lugares não é simplesmente o acesso à Internet, mas isto associado à capacitação para uso das ferramentas apresentadas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Ou seja, não basta dar acesso, é preciso orientar sobre como usar de maneira cidadã as possibilidades apresentadas. Também não basta ensinar a digitar textos ou fazer planilhas. É crucial apresentar aos usuários a perspectiva de deixarem de ser platéia no mundo virtual e passarem a ser atores; de migrarem de simples receptores passivos para usuários ativos.

Saber procurar a informação correta; antes disso, ter noção de quais informações e serviços estão disponíveis para os usuários; pagar contas; fazer pesquisas completas; comunicar-se com o mundo todo e muitas outras possibilidades são desconhecidas de grande parcela da população. O telecentro tem a função de mostrar aos usuários o que eles podem explorar no mundo indomado dos bits e deixar, assim, que eles achem seus caminhos e usos para a Rede Mundial de Computadores.

Orientado nesta direção, surgiu o projeto Sampa.org, iniciativa pioneira realizada na cidade de São Paulo. Nascido em julho de 2000, seu objetivo é ser um embrião do que eles chamam de rede pública de comunicação e informação. Rodrigo Assumpção, coordenador do Sampa.org, explica: “Estas redes seriam espaços de participação, democratização do poder, do conhecimento e das oportunidades. Não são espaços governamentais, mas verdadeiros espaços públicos, de toda a sociedade. Uma rede pública constituída pelo público”. O Sampa.org pretende não só fomentar esta rede pública, mas faz questão de fazê-lo de baixo para cima, ao ter elegido a região de Capão Redondo que, segundo os organizadores, reunia as características de apresentar bolsões de intensa exclusão social, uma população significativa de classe média, vitalidade comercial, uma rede de entidades sociais enraizadas na comunidade e uma instituição de ensino superior que aceitou ser parceira.

“Hoje são dez telecentros nessa região: dois no Campo Limpo, dois no Jardim Ângela e seis no Capão Redondo”, enumera Rodrigo. Para ele, a maior parte dos objetivos foi alcançada em alguma medida, especialmente no que tange à elaboração de políticas públicas, uma das metas iniciais. Ele se refere em parte ao Projeto Telecentros, da Prefeitura de São Paulo, com quem o Sampa.org acaba de firmar convênio. Com o município assumindo a parte de manutenção e burocrática da iniciativa, o Sampa.org poderá se dedicar mais à construção da rede pública que idealiza: “Talvez a construção de uma rede pública efetiva seja o maior desafio desse projeto, o próximo passo para o qual os esforços devam ser canalizados. E o maior ganho do projeto até o momento, sob essa perspectiva, foi conscientizar a população da importância da inclusão digital e da utilização das novas TICs não com o simples intuito de “ingressar no mercado”, mas com a visão de que elas são ferramentas a serem utilizadas para uma relação mais ampla com a sociedade, para a absorção e difusão de informações e conhecimento”.

O papel dos governos

A incorporação dos telecentros do Sampa.org ao projeto do município de São Paulo faz lembrar que, normalmente, as iniciativas mais numerosas de construção de novos telecentros estão nas mãos de governos. Primeiro porque concretizar um núcleo com estrutura mínima de máquinas, tecnologia e funcionários não é barato e, enquanto as organizações da sociedade civil enfrentam dificuldades para obterem financiamento, os governos destinam verbas próprias para isso. Segundo porque é uma orientação do Programa Sociedade da Informação, iniciativa do governo federal lançado em 1999 com o objetivo de “fomentar ações para a utilização de tecnologias de informação e comunicação, contribuindo para que a economia do país tenha condições de competir no mercado global e para que todos os brasileiros façam parte da Sociedade da Informação”, segundo seu material institucional. Esta ação deu força para que iniciativas estaduais e municipais ganhassem escala.

O SocInfo previa também que o esforço para se chegar a esta Sociedade da Informação fosse feito por governos, iniciativa privada e sociedade civil. O próprio projeto Telecentros da Prefeitura de São Paulo é um exemplo. Além de firmar parceria com o Sampa.org, o programa assinou termo de parceria com a Rits, que ficou responsável por implementar um projeto que inclui o gerenciamento de 90 telecentros naquele município, desenvolvimento de programas especiais e capacitação de pessoal, com prazo de manutenção garantida de dois anos.

Instalados, em sua maioria, em comunidades carentes do município de São Paulo e com altos índices de violência, os telecentros municipais oferecem à população o uso gratuito de computadores, com acesso à Internet. Inicialmente foram instalados 20 telecentros do projeto em prédios públicos. Agora, estão sendo incorporados os do Sampa.org. A previsão é a construção de mais 50 novos centros até o primeiro trimestre de 2003, em parceria com a iniciativa privada e com a Telesp (que está construindo fisicamente novos espaços) e dentro dos Centros Educacionais Unificados (CEU), modelos de escolas públicas do governo municipal paulista. Uma das principais estratégias, no entanto, é a parceria com entidades da sociedade civil de qualquer natureza – seja de direitos humanos, ambientais ou associações de moradores – que proverão o espaço físico e o fator aglutinador, por já terem um trabalho consolidado e um público-alvo. À Prefeitura caberá fornecer as máquinas, a manutenção, o pagamento dos monitores e o treinamento dos mesmos – que via de regra são escolhidos entre moradores da própria comunidade em que os telecentros estão instalados, a fim de gerar identificação e familiaridade para os frequentadores.

Outra característica dos telecentros da prefeitura paulistana é o oferecimento de cursos de informática, com destaque para o de web design e o de jornalismo comunitário, este último com a intenção de dar instrução aos usuários para que possam fazer eles próprios os websites dos telecentros que freqüentam. “Não queremos fazer cursos para mecanizar pessoas, mas, sim, para que de fato ocorra a inclusão digital. Queremos capacitar pessoas para utilizarem, a ferramenta para combater a pobreza”, diz Sérgio Amadeu Silveira, coordenador geral do programa de Governo Eletrônico da Prefeitura.

Outro programa que tem na sua concepção as mãos de órgãos governamentais é o recém-lançado ComUnidade Brasil. Inaugurado no dia 30 de outubro, o projeto é iniciativa conjunta do Comunidade Ativa, da Comunidade Solidária; da Unesco; da Secretaria Executiva do Governo Eletrônico (Ministério do Planejamento); da Agência Eletrônica; do Programa Nacional Paz nas Escolas (Secretaria de Estado de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça); e do Plano de Prevenção da Violência Urbana (PIAPS, coordenado pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República). O telecentro piloto foi aberto no município de Santo Antônio do Leverger, Mato Grosso. As próximas cidades da região metropolitana do estado a receberem o projeto são Cuiabá, Chapada dos Guimarães, Jangada, Nossa Senhora do Livramento e Várzea Grande. Nessas salas, os moradores terão cursos sobre conteúdos básicos de informática e acesso aos serviços públicos disponíveis na Web – o portal do ComUnidade Brasil, que será a página inicial dos computadores de cada centro, lista diversos serviços governamentais para ajudar os usuários. Eles poderão ainda produzir e divulgar informações sobre sua localidade, bem como participar de oficinas profissionalizantes e de capacitação.

Os organizadores asseguram que esta iniciativa também dará treinamento para os frequentadores serem atores no mundo virtual. “Grande parte da população não conhece nada. Temos que dar a eles uma forma mínima de utilização, além de conexão à Internet e acesso às informações disponíveis”, diz Maria Inês Bastos, representante da Unesco na iniciativa. Segundo ela, os monitores estão sendo treinados de modo a gerir os telecentros como unidades auto-sustentáveis e uma das estratégias para isso é a cobrança do serviço. Já Silmara Ramos, assessora da secretaria-executiva do Comunidade Ativa, diz que o próximo passo será a expansão para localidades no entorno do Distrito Federal.

O exemplo que vem do morro

Mas nem só de projetos vindos do governo são feitos os telecentros brasileiros. O Grupo ECO, organização social que atua há 24 anos na comunidade de Santa Marta, Rio de Janeiro, está em processo de instalação do primeiro telecentro do local, em parceria com a Rits. O grupo - que tem entre suas atividades aulas complementares para crianças de 6 a 12 anos, atividades recreativas, um coral e projetos de meio-ambiente, entre outros – foi pioneiro em 1995, ao instalar no morro uma escola de informática e oficinas de manutenção e montagem de computadores. A escolinha existe até hoje, com oito máquinas, três impressoras e um scanner.

A Rits já instalou no centro a conexão dos computadores à Internet. Segundo Alessandra Silveira, coordenadora da área de tecnologia da Rits, é necessário agora instalar os mecanismos de gerenciamento dos usuários do telecentro. “É importante fazer este controle para sabermos o perfil de quem frequenta estas unidades, saber o que eles procuram e o que acessam, para podermos saber exatamente o que essa população precisa”.

Ismael Oliveira dos Santos, coordenador do grupo, diz que o acesso à Internet nestas escolas pode trazer muitos ganhos em termos de perspectivas para os moradores da comunidade. Para ele, o principal será o da população sentir que tem um espaço seu, onde possa fazer uso da Internet para os mais diversos fins, como trabalhos escolares, trocas de e-mails, consulta e uso dos serviços disponíveis na Rede etc.

“Costumo dizer que somos contadores de histórias. Teve um rapaz aqui que era office boy, fez curso de manutenção de computadores na escola, voltou no ano seguinte como monitor, no outro ano veio como professor e, quando liguei para chamá-lo para participar mais uma vez, ele não podia porque estava fazendo faculdade de Gerência de Sistemas de Informação. A falta da Internet era uma limitação clara. Como você vai ler e-mail se não tem como acessar sua conta? Para que vai fazer curso de Internet se não tem acesso a ela? Porporcionando um espaço para a população ficar on-line, imagina quantas histórias como a daquele menino vamos ter para contar?” Tomara que estejamos aqui para ouvir.

 


Maria Eduarda Mattar. Colaborou Julio Cesar Brazil.

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