Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
A cidade de Pão de Açúcar, localizada no sertão alagoano, faz parte de uma das zonas mais miseráveis do Brasil. Como qualquer outro município com esse perfil, possui problemas como alta taxa de mortalidade infantil e analfabetismo, além de uma grande população rural sem recursos para sobreviver decentemente e ações de "coronéis" da região. Hoje, entretanto, essa situação parece fadada a desaparecer devido ao trabalho de organizações sociais. O Núcleo de Desenvolvimento Comunitário (Nudec), uma dessas instituições, age em diversas frentes desde 1987 para combater as mazelas sociais e econômicas e tem obtido bons resultados.
Pão de Açúcar fica no sudoeste de Alagoas, a 240 quilômetros de Maceió, e é banhada pelo rio São Francisco. Seus 25 mil habitantes, a maioria vivendo em área rural, apresentavam uma mortalidade infantil de 103 crianças a cada mil nascidas em 1998, segundo o IBGE. O analfabetismo, de acordo com o instituto, atingia 36% da população no mesmo ano. A cidade, assim como praticamente todas no sertão nordestino, era dominada até bem pouco tempo atrás por coronéis, que reprimiam qualquer atividade que ameaçasse seu poder.
Em 1985, a ONG Visão Mundial firmou acordo com a igreja batista da comunidade de Ipoeiras, em Pão de Açúcar, para começar um trabalho de geração de renda. No mesmo ano, o acordo foi estendido à associação de moradores local, formada há pouco tempo, mas já complicada pela ação dos coronéis. Os associados sofriam com a perseguição e por isso só podiam se reunir à noite. Há inclusive casos de tortura e morte registrados. Um dos líderes do movimento na época foi levado para uma fazenda e só saiu de lá depois da intervenção de um padre, pressionado pela população. Traumatizado, o trabalhador foi para São Paulo e nunca mais deu notícias.
Os habitantes começavam a perceber sua força. Em 1987, foram criadas mais três associações, que se uniram à de Ipoeiras e formaram o Nudec. Hoje fazem parte do núcleo 15 organizações de moradores e o poder dos coronéis está quase extinto. “Nosso trabalho não é o único responsável, mas com certeza é protagonista nesse processo de mudança”, comemora José Rodrigues Cavalcati Júnior, colaborador do Nudec desde aquela época e atualmente seu coordenador-geral.
A primeira atividade do núcleo foi melhorar a organização das associações. Logo em seguida foram concedidos, a pequenos agricultores, créditos possibilitados pela ajuda da Visão Mundial para compra de animais. Agora, o financiamento também atinge a agricultura e o comércio. Todos recebem até R$ 1.500, mas têm condições de pagamento diferentes. Os agricultores possuem um ano para quitar os débitos, com taxa de juros de 2% ao mês - a mesma dos criadores. Estes, porém, podem pagar em até 18 meses. Já os comerciantes, devido à maior rentabilidade de seu negócio, pagam 3% de juros mensais por seus empréstimos, cujo prazo é de nove meses.
Os recursos, entretanto, só podem ser usados para a compra de produtos relacionados à produção. Po exemplo: muitos agricultores trabalham em terra arrendada, mas não podem utilizar o dinheiro para o pagamento. A verba para esse tipo de despesa deve vir do comércio dos bens produzidos.
Os créditos deram tão certo que a prefeitura se interessou pelo projeto e o ampliou a todos os moradores participantes de associações em Pão de Açúcar, não só as ligadas ao Nudec. A ONG e o prefeito dividem igualmente as despesas, que movimentam aproximadamente R$ 500 mil por ano. Já foram beneficiadas mais de mil famílias desde o começo do programa e a taxa de inadimplência é inferior a 2%.
Outro incentivo à agricultura é o banco de sementes. Os agricultores, por intermédio de sua associação, dirigem-se à sede do Nudec e pegam sacos de sementes de feijão para plantar sob uma condição: devolver o que pegaram mais 50%. A intenção é garantir suprimento para a safra seguinte. “Os calotes são raros, mas ainda assim temos que cobrar. Perdoamos quem não paga, mas se isso for tomado por regra, poucos cumprem com sua obrigação. Já presenciamos esse tipo de problema em políticas governamentais”, diz Júnior. A safra deste ano colheu 17 toneladas de feijão, duas a mais do que o ano passado.
A boa produção é garantida por visitas semanais aos agricultores que recebem apoio técnico e médico. Agentes de saúde doam leite, incentivam o uso de remédios caseiros, feitos com plantas locais e fornecem “multimistura” (preparado de farinha de trigo, folha de mandioca e abóbora muito nutritivo formulado por outra organização, a Associação de Agricultores Alternativos - Agra). Os agentes atendem diretamente 150 famílias e mais 350 indiretamente. Assim se combate a desnutrição, principalmente a infantil, de forma eficiente e barata.
As crianças são alvo também das ações educativas. O Nudec possui três casas em Pão de Açúcar onde funcionam os “Baús de Leitura”. Nestes espaços há livros, brinquedos e palestras sobre educação popular para moradores. Quando necessário, material escolar é distribuído às famílias que se encaixarem nos critérios da instituição, que visam identificar os mais carentes da localidade. Existem ainda seis times de futebol, sendo três femininos, para crianças e adolescentes.
Atualmente, a organização se concentra numa nova atividade: a criação orgânica de galinhas aliada ao desenvolvimento comunitário. O Nudec já comprou 1.200 animais de três raças a fim de comparar o rendimento de cada nas condições locais. “Essa criação beneficiará aqueles que não têm muita terra para plantar e por isso acabam não produzindo o suficiente”, diz Júnior. A ração orgânica virá de uma comunidade cujos trabalhadores já estão desenvolvendo o produto com apoio do Núcleo de Desenvolvimento Comunitário e da Agra. “Tudo isso é para eles não abandonarem a vida e se tornarem cidadãos, produzindo e se educando”, diz José Oscar dos Santos, coordenador financeiro do Nudec.
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