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A comunidade parceira da solidariedade

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets








Com a intenção de dar um novo rumo às possibilidades de atuação social das ações governamentais, surgiu em 1995 o programa Comunidade Solidária com uma proposta ousada: apesar de nascido por decreto presidencial, não queria ser governo. Queria ao mesmo tempo executar e ser consultivo. Ao fim de sete anos de atuação – nos quais houve mudança de direcionamento das atividades e foi exercitado inúmeras vezes o repensar da sua função – o Comunidade Solidária tem muito o que comemorar. Não apenas pelos resultados obtidos em cada um dos seus programas ou por ter concluído muitos dos objetivos a que se propôs. O Comunidade Solidária também comemora o fato de ter iniciado processos e mudanças que alteram e contribuem para a atuação das organizações da sociedade civil e seu relacionamento com o Estado.

No seu desenho original, o Comunidade Solidária teria duas instâncias: ser uma secretaria-executiva subordinada à Casa Civil da Presidência, com a função de coordenar ações governamentais de combate à fome e à pobreza; e ser um órgão consultivo, com 31 membros (10 do governo e 21 da sociedade civil), com o dever de opinar sobre as prioridades na área social. Também norteava a sua atuação a meta de mudar o modelo das ações governamentais na área social - que até a década de 90 era basicamente assistencialista.

“No começo não se tinha certeza nenhuma, foi bastante difícil apresentar esta nova posição de trabalho e parceria, uma nova relação entre Estado e Sociedade Civil, a idéia de que era nosso objetivo fortalecer a sociedade civil. Isso tudo era bastante controverso quando nós começamos a trabalhar no Comunidade Solidária”, explicou a Dra. Ruth Cardoso, presidente do Conselho da Comunidade Solidária, na coletiva de imprensa que se seguiu à reunião final do Conselho, no dia 5 de dezembro. Ela se refere à dificuldade de aceitação e de compreensão muitas vezes enfrentadas pelo novo. “Levou bastante tempo para que pudéssemos elaborar melhor, transmitir melhor nossas idéias”.

A consolidação do Comunidade Solidária foi se dando na medida em que foram sendo concretizadas as três frentes gerais de ação – os programas, as iniciativas de Fortalecimento da Sociedade Civil e as Rodadas de Interlocução Política. Ou seja, na medida em que se passava da teoria - a idéia de implantar iniciativas descentralizadas, focalizadas, baseadas em parcerias - para a prática.









O primeiro programa a ser posto em marcha foi o Universidade Solidária, em 1995. Quase simultaneamente, começavam as ações de Fortalecimento da Sociedade Civil. No ano seguinte, surgiam novos programas: o Capacitação Solidária e o Programa Voluntários, duas das vedetes da iniciativa. Ainda em 1996, tinham início as Rodadas de Interlocução Política, com o propósito de serem "canais de diálogo entre governo e sociedade, sobre temas que subsidiassem a formação de uma agenda de desenvolvimento social para o Brasil". Já em 1997 surgia um dos programas mais expressivos da família Solidária – o Alfabetização Solidária. Neste mesmo anos, no âmbito do programa de Fortalecimento da Sociedade Civil, a Comunidade Solidária deu apoio decisivo para o nascimento da RITS. Em 1998, saía do forno um programa inusitado quando se trata de prioridades em ações sociais, o Artesanato Solidário. O ano 2000 viu a fundação da Rede Jovem.

Em 1999, a Comunidade Solidária reviu sua estruturação para evitar a confusão até então comum pelo fato de as pessoas associarem todas as atividades do programa ao Governo Federal. Assim, as atividades por parte da secretaria-executiva subordinada à Casa Civil foram concentradas em um novo programa – o Comunidade Ativa, que iria coordenar junto a governos estaduais e municipais iniciativas de combate à pobreza e de solução de problemas locais. Paralelamente, o Conselho da Comunidade Solidária continuava articulando estrategicamente as ações nos programas da família Solidária que, ou já nasciam como organizações autônomas, ou foram sendo geridas de modo a se tornarem autônomas.

A característica principal dos programas deslanchados pelo Comunidade Solidária, é bom ressaltar, não é implantar as ações de cima para baixo, com métodos definidos por uns poucos e vinculados a uma organização-mãe (no caso, o Comunidade Solidária). Os aspectos comuns são muito claros, aqueles explicados pela Dra. Ruth: iniciativas independentes, estabelecimento de parcerias com atores locais para maior eficiência, fortalecimento dos mesmos, participação da sociedade civil, planejamento, para que a soma de pequenas escalas chegue à grande escala, são algumas características que podem ser citadas.

A atuação para o desenvolvimento do terceiro setor

Além dos programas, o Comunidade Solidária atuou também nas frentes de Fortalecimento da Sociedade Civil e nas Rodadas de Interlocução Política. Esta prática de promoção de diálogos e encontros, onde estavam presentes representantes de entidades governamentais e de organizações não-governamentais mobilizados em torno dos temas que estariam em discussão, vai de encontro com o objetivo de promover uma nova relação entre Estado e sociedade.

Algumas ações foram capitais para o próprio desenvolvimento do terceiro setor no Brasil. Foi de uma das 14 Rodadas que surgiu, por exemplo, a proposta de criação da Lei nº 9.790/99, que dispõe sobre a qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP e institui o Termo de Parceria, novo instrumento jurídico de cooperação entre Estado e OSCIPs. Além disso, as reuniões para interlocução política foram decisivas para o apoio à aprovação da Lei nº 9.608/98, que define o trabalho voluntário e estabelece a inexistência de vínculo empregatício e suas obrigações trabalhistas e previdenciárias. Outra importante contribuição das Rodadas se traduz na medida provisória nº 2.158-35/01, que permite a dedução no Imposto de Renda das pessoas jurídicas de doações feitas às OSCIPs, abrindo uma grande oportunidade para as organizações portadoras do título captarem recursos.

A Portaria nº 256, do Ministério da Fazenda, baixada em agosto de 2002, autoriza a realização de doações de mercadorias apreendidas pela Secretaria da Receita Federal a OSCIPs, como já acontecia com organizações portadoras da Declaração de Utilidade Pública. Isto também foi fruto de discussões iniciadas nas reuniões de interlocução política, assim como a Medida Provisória nº 66, também de agosto deste ano. A MP trata da isenção fiscal para OSCIPs que remuneram dirigentes - até então, isto não era possível.

Continuidade

As atividades do Comunidade Solidária, como era a meta desde a sua fundação, não terminam com o fim da gestão governamental na qual ela foi implantada. Por terem adquirido a autonomia necessária – muitos dos programas se tornaram Oscips – continuarão seu funcionamento normalmente. Uma nova organização, a Comunitas, desempenhará o papel de articulação entre os programas. A entidade será uma instância além dos programas, vai atuar junto aos mesmos, assegurando a continuidade estratégica, a unidade e a coerência de todos.

“Nunca foi objetivo da Comunidade Solidária resolver algum grave problema social brasileiro. Nós sabemos que eles são gravíssimos, temos noção disto. Mas sabemos também que teríamos que mudar métodos, trabalhar de uma maneira diferente para começar a enfrentar estes problemas. Foi isso que a gente tentou fazer e os nossos programas alcançaram uma extensão que normalmente os programas sociais não tinham alcançado no Brasil”, diagnosticou Dra. Ruth na reunião-balanço do dia 5 de dezembro. “Na verdade, o nosso balanço vai nessa direção – daquilo que a gente está deixando, daquilo que a gente conseguiu implantar e procurou ser inovador, com modos de trabalhar diferentes e que deram certo”, conclui.

Maria Eduarda Mattar

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