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Aids entre jovens - pra prevenir, nunca é cedo demais

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Quarenta milhões de pessoas são hoje portadoras de HIV/Aids no mundo. Os dados são do relatório do Unaids, Programa Conjunto das Nações Unidas sobre a doença. O documento – lançado em julho – revela que hoje em dia, passados 20 anos da ocorrência dos primeiros casos de Aids, o grupo social em que a infecção por HIV mais cresce não é o de homossexuais ou o de usuários de drogas injetáveis - como foi no passado. São os jovens - que hoje somam 11,8 milhões de indivíduos portadores de HIV/Aids. Das seis mil novas pessoas infectadas diariamente, metade está entre os 15 e 24 anos. Sentimento de invulnerabilidade, em alguns casos falta de orientação, intensa atividade sexual, vergonha de usar preservativos, a não adaptação das informações de prevenção à prática, ignorância da ameaça que a Aids representa em suas vidas. Muitos são os motivos apontados por quem trabalha com a questão da Aids entre os jovens. Porém, uma coisa é certa: o combate à doença – marcado pelo 1º de dezembro, Dia Internacional de Luta contra a Aids – deve começar enquanto ainda são jovens e estão construindo – ou podem ser facilmente moldáveis – um padrão de comportamento em relação à vida sexual ou uso de drogas.


Roberto Pereira, secretário-executivo do Fórum de ONGs/Aids Rio de Janeiro e representante das organizações brasileiras no Fórum Mercosul de ONGs/Aids, acredita que a questão principal que contribui para a alta taxa de novas infecções entre os jovens é o sentimento de invulnerabilidade: “Aquela convicção de que coisas ruins só acontecem com os outros. Tanto com relação à Aids, quanto em relação à gravidez e à violência. Eles adotam comportamentos de risco”, ressalta. Para ele, somente em alguns casos a falta de informação é o fator determinante para que algumas destas pessoas tenham tal comportamento. “Trata-se muito mais do não apoderamento e aplicação prática dessa informação”. Segundo Roberto, uma boa estratégia para se frear o aumento de casos entre os jovens é o protagonismo juvenil: “É importante colocar jovens devidamente capacitados, sensibilizados, repassando as informações. Quando é alguém igual ao jovem que está no papel do educador, algumas resistências são dissolvidas e a comunicação acontece.”


Cristina Raposo, responsável pelo setor de Aids da Unesco no Brasil, concorda que as pessoas costumam achar que “Aids é a doença do outro, não vai acontecer com a gente”. Para ela, os jovens não atribuem o real significado da epidemia em suas vidas. Acabam tendo preocupações que superam a da infecção por HIV/Aids, como é o caso da violência. A representante da Unesco é da opinião de que a prevenção à doença tem que ser encarada pelo prisma da educação, pois é de fato um processo de educar crianças e adolescentes para práticas de sexo seguro. “Trata-se de educar para a saúde. A Unesco trabalha com esse enfoque. Por isso, acreditamos que este tema deveria constar nos currículos escolares”, diz Cristina, cujo setor lançou em agosto a publicação “Aids: o que pensam os jovens – políticas e práticas educativas”. A obra – que inaugurou a série Cadernos Unesco/Brasil Educação para a Saúde - foi construída em cima do trabalho de sete jovens que durante dois anos discutiram os principais temas acerca da epidemia de HIV/Aids no mundo. As propostas e recomendações apontadas por eles embasam a publicação e, segundo Cristina, podem ser de grande ajuda para guiar e concretizar trabalhos e políticas públicas voltadas para a faixa etária entre 15 e 25 anos no tocante à Aids.


Prevenção: a estratégia efetiva


No caso da infecção por meio de atividade sexual, o único modo realmente efetivo de prevenir é o uso de preservativo, evitando a troca de fluidos corporais que podem transmitir a doença. Porém, conversar, sensibilizar ou educar jovens não é tarefa fácil. Requer muita habilidade de comunicação e, o principal, na língua deles. “Temos falado muito nisso. Fazer palestras não leva a nada. Fica uma coisa muito professoral, muito de cima para baixo”, opina Cristina Raposo. Por isso, o método quase unânime de trabalho com jovens para conscientização e prevenção tem sido a educação de pares. Trata-se de uma metodologia que coloca pessoas da mesma faixa etária, condição sócio-econômica, mesmo grau de conhecimento e experiências semelhantes para conversar com outros. É o protagonismo juvenil preconizado por Roberto Pereira e aplicado por projetos como o “Um olhar sobre a Aids”, o “Jovem Voluntário DST/Aids” e o "Adolescentes e educação de pares ".


O primeiro - desenvolvido pelo grupo Nós na Fita, cria da BemTV, televisão comunitária de Niterói – está realizando neste dia 26 de novembro uma festa para comemorar sua conclusão. O grupo é formado por jovens entre 16 e 23 anos e nasceu em 1999, quando a BemTV foi fazer, no Morro do Preventório, Niterói, uma capacitação em produção audiovisual para os moradores do local – em sua maioria de classes menos favorecias. Ao final deste treinamento, o Nós na Fita foi constituído, pelos meninos e meninas que queriam colocar em prática os novos conhecimentos. Hoje, o grupo é responsável pelo gerenciamento da TV Comunitária Morro do Preventório. Especificamente o projeto “Um olhar sobre a Aids” nasceu da constatação do grande número de adolescentes que ficavam grávidas na região. Se ficavam, é porque não usaram preservativo. Se não usaram, estão tendo comportamento de risco e podem contrair HIV/Aids. Esta linha de raciocínio acabou gerando o projeto, que consiste na visita regular a escolas para falar de sexo. O interessante é que as crianças e adolescentes sendo orientadas têm praticamente a mesma idade dos multiplicadores das informações sobre a doença.


A iniciativa também rendeu a criação do vídeo “Muito Prazer”, apresentados nas escolas, junto com as dinâmicas e jogos de sensibilização. “Foram quatro encontros em cada uma das quatro escolas visitadas, além da Fundação Gol de Letra e da Fenasi, que também foram atendidas pelo Nós na Fita”, diz Cláudia Regina Ribeiro, assistente de coordenação da BemTV. Ela lembra que além de aspectos como a impressão de invulnerabilidade e a não aplicação das informações sobre métodos preventivos por parte dos jovens, o uso da camisinha também é prejudicado pelo machismo muito presente nas relações sexuais dos jovens do local e pelo status que ficar grávida representa para algumas meninas. “O machismo causa em muitas moças vergonha de pedir que o parceiro use camisinha. E, por serem de classes mais baixas, muitas não têm perspectivas profissionais e até pessoais. Resultado: acabam ficando grávidas, pois é fator de independência, de status na comunidade – ela passa a ser vista como pessoa mais madura – e como meio de enxergar algum sentido para suas vidas”. Cláudia comenta que, com a ida de adolescentes para falar nas escolas e nas fundações, os receptores da informação se identificavam e ficavam mais à vontade para conversar. Daniela Araújo, 18 anos, que está no Nós na Fita desde o seu início, testemunha: “A mudança maior é na gente mesmo. Sou uma das maiores beneficiárias, pois aprendi muita coisa que achava saber”.


Já o programa Jovem Voluntário DST/Aids parte do mesmo princípio que o “Um olhar sobre a Aids” – colocar jovem para falar com... jovem. Suas ações começaram em 1999, visitando escolas particulares e públicas para levar exposições, palestras e oficinas. Os integrantes da iniciativa – coordenada pela Fundação Mudes, que se dedica a elaboração, coordenação e execução de programas e projetos dirigidos ao desenvolvimento do jovem – são universitários de diferentes instituições. O projeto corre paralelo ao Nova Semente, quase um sub-produto do Jovem Voluntário, também tocado pela Mudes, porém com área de atuação diferenciada: o foco é o município de São João de Meriti, Baixada Fluminense, e, não, escolas. Nos dois, no entanto, o objetivo é o mesmo: sensibilizar adolescentes para o uso de preservativos em relações sexuais e para adoção de práticas sexuais sem risco.


“A vantagem de serem jovens atuando é clara, na maior aproximação, na linguagem semelhante. Além disso, por este ser um projeto de extensão universitária, os alunos também ganham esta vivência, além de experienciarem a importância deste tipo de trabalho”, diz Stefan Freitas, assessor técnico da Mudes. Os universitários foram treinados não só a respeito das informações de saúde que têm de repassar, mas também em técnicas de animação, para facilitar ainda mais a abordagem com o público. Stefan calcula que as ações de prevenção à Aids da Fundação já tenham atingido cerca de 20 mil pessoas. Algumas delas através do trabalho de Márcia Cristina Lemos dos Santos, estudante de medicina da UniRio e participante do projeto. Ela foi avisada da possibilidade do trabalho voluntário em DST/Aids por uma amiga e se envolveu com o projeto em junho de 2002. “O fato de sermos da mesma faixa etária do público que queremos atingir sem dúvida é fundamental. É muito comum as pessoas, pais principalmente, virem falar: vocês têm que conversar com os jovens”. Para ela, a maior recompensa é poder passar informações importantes que podem mudar a vida de uma pessoa.


Em Pernambuco, jovens com a mesma motivação de Márcia participam do projeto "Adolescentes e educação de pares - uma experiência na prevenção das DST/Aids", desenvolvido pela Associação de Ação Solidária (Asas). Tendo como âmbito escolas públicas da região de Tejipió, em Recife, a iniciativa capacita estudantes e professores com informações sobre doenças sexualmente transmissíveis, através de oficinas. A intenção é formar agentes multiplicadores, por meio da metodologia de educação de pares. Com 90 jovens entre 13 e 23 anos divididos em seis grupos, os participantes multiplicam nas escolas em que estudam as informações recebidas. Apesar de ter apenas cerca de dois meses de existência, a iniciativa já extrapola sua proposta inicial. “Com o fim do período letivo deste ano, os jovens participantes já estão querendo romper os muros das escolas e atingir a comunidade, as associações de moradores, igrejas etc.”, conta Gerlane Nunes, coordenadora do projeto e do Asas.


Para ela, a mídia tem uma grande parcela de culpa no estímulo precoce à vida sexual. “A quantidade e o alcance das campanhas de prevenção às DST/Aids acontecem em uma proporção muito menor do que este estímulo à atividade sexual na adolescência. Vemos uma dificuldade em chamar a mídia para conversar, para apresentar nosso trabalho e ganhar espaço para divulgar este tipo de ação que desenvolvemos”, relata a coordenadora.


”Uma questão de direitos”


Também voltado para jovens, mas com um recorte muito específico e diferenciado – e difícil de se trabalhar – é o projeto Juventude e Diversidade Sexual, da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia). Sua proposta: trabalhar a prevenção entre homossexuais de baixa renda. A atuação se dá em três linhas. A primeira é a distribuição de materiais em locais de 'homosociabilidade' (que homossexuais normalmente frequentam), materiais estes que convidam para a segunda linha de ação, as oficinas. Estas acontecem todas terças e quintas e tratam de questões sobre a vulnerabilidade de homens que fazem sexo com homens. A terceira linha é escutar as demandas do público-alvo da iniciativa.


Segundo Felipe Rios, um dos coordenadores do projeto, a expressão “homens que fazem sexo com homens” é usada justamente para atingir um número maior de pessoas e não só aqueles que se assumem como homossexuais. “Muitos, pelo fato de serem ativos na relação, não se consideram homo. Ou porque fazem sexo com homens e mulheres, também rejeitam essa denominaçao”, explica Rios. Para ele, o mais importante, no entanto, é chamar atenção para questões que passam despercebidas. “Não queremos só fortalecer a auto-estima destas pessoas, mas tocar a sociedade e tratar questões de direitos, pois sem isso não se consegue atingir saúde”.


 


Maria Eduarda Mattar

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