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Para consumir direito

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets








Se ser cidadão é exercer seus direitos e deveres plenamente, uma esfera em que isso se faz absolutamente claro é a do consumo. Poucas vezes, a relação entre fazer valer o que prevê a lei e a sensação de dever cumprido e direito assegurado é tão imediata. Receber aquilo pelo que pagou ou que é garantido em lei é direito e levantar a voz caso não obtenha, é dever. A trinca reclamar, cobrar e conseguir faz bem psicologica, moral e economicamente à cidadania.

No Brasil, esta cultura de reclamar os direitos do consumidor vem crescendo na última década. Pode-se dizer que um divisor de águas no modo como as pessoas se relacionam com o consumo foi o Código de Defesa do Consumidor, instituído por meio da Lei nº 8.078, de 1990. Nos seus 119 artigos, o código procura estabelecer regras e procedimentos que garantam a proteção prioritária do cidadão, “o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo” (Art 4º).

Ao longo dos anos 90, o país também viu a proliferação dos Procons – como são conhecidas as coordenadorias de proteção e defesa do consumidor. Hoje em dia, estes são os órgãos de referência quando alguém pensa em fazer uma reclamação. Normalmente municipais, os Procons recebem a queixa, marcam uma audiência com o fornecedor alvo de reclamação, para tentar conciliar as partes, orientam sobre quais os direitos que assistem o cidadão no caso que em que ele apresenta e, em último caso, encaminham para os juizados de pequenas causas (quando a pendência não consegue ser resolvida de modo amigável).

Fora da esfera governamental, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec, associação sem fins lucrativos, de consumidores, há quinze anos dissemina práticas e a cultura de defesa do consumidor. A instituição é mantida única e exclusivamente por seus associados, faz testes em produtos, não permite que as empresas usem tais testes para fins comerciais, orienta juridicamente ao associado, promove ações coletivas ou civis públicas em nome de grupos, entre outras atividades. Entre as maiores vitórias da instituição está a ação desenvolvida quatro anos atrás, junto com o Greenpeace, com relação aos transgênicos: “Este é um exemplo completo, tido como referência. Conseguimos que a liberação dos transgênicos – numa época em que quase não se ouvia falar deles – fosse impedida e só fosse liberada mediante a realização de estudos de risco à saúde e impacto ao meio-ambiente”, explica Alfredo Caseiro, coordenador de comunicação do Idec.

Até hoje, nenhum organismo transgênico foi liberado no país. Segundo Alfredo, isso se deve muito em parte pela ação de quatro anos atrás. “O Brasil é o primeiro país no mundo a ter uma legislação proibitiva com relação à liberação de transgênicos e é tido como referência”, ressalta Alfredo. O Idec já conseguiu também vitórias frente a planos de saúde (os campeões em reclamação), bancos e outros setores grandes da economia. É importante fazer a distinção entre dois tipos de ação judicial, ambas realizadas pela instituição. Uma é a ação coletiva, na qual – identificando uma demanda de um grupo de seus associados – o Idec entra com medida judicial para agir na resolução do problema daquele grupo. Outra forma é a ação civil pública, que acaba beneficiando a totalidade da população e não só os associados que geraram a ação.

A condução de ações judiciais é uma das linhas de ação do Idec. A principal, no entanto, é o atendimento ao associado, com orientação jurídica, modelos de carta e todos os subsídios para que as pessoas conduzam as reclamações. Esta opção de dar os instrumentos para que os indivíduos corram atrás e eles mesmos conduzam a queixa é uma estratégia de educar os cidadãos numa cultura de prevenção, conhecimento e reivindicação de seus direitos. “Essa aculturação é um processo lento. No entanto, a situação de um modo geral tem melhorado, o mercado tem mudado sua postura com relação ao consumidor, tem adotado padrões e qualidade mais elevados. Mas, de um modo geral, ainda persiste um grande desconhecimento sobre direitos, o que é basicamente uma questão de cidadania”, afirma Alfredo. Como a orientação pessoal é feita somente se a pessoa for associada ao Idec, o canal de comunicação com a população em geral tem sido a revista Consumidor S.A., editada desde 1995.

Continua

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