Autor original: Marcelo Medeiros
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Em 6 de dezembro de 1989, 14 estudantes da Escola Politécnica de Montreal, no Canadá, foram mortas a tiros dentro da sala de aula. O assassino, Marc Lepine, estudante de 25 anos, mandara todos os homens saírem do recinto e após cometer a chacina, matou-se. Deixou apenas uma carta, onde justificava o crime com o argumento de não suportar a presença feminina num curso supostamente masculino como o de engenharia – onde estavam matriculadas as vítimas. A data foi transformada no dia canadense de lembrança e ação contra a violência de gênero. Desde 1991, para lembrar o episódio, existe naquele país a campanha anual do Laço Branco, comemorada no dia 6 de dezembro. A idéia se espalhou e atualmente há passeatas em vários lugares do mundo – inclusive no Brasil - na mesma data para combater a violência contra a mulher.
A campanha foi lançada por aqui em 1999, por várias instituições, entre elas o Instituto Noos, o Instituto Promundo, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Mas apenas em 2001 foi posta em prática. Este ano a campanha realiza ações nas regiões sudeste, norte e nordeste, onde o Programa Papai e o Fórum de Mulheres de Pernambuco organizam as atividades - como a caminhada de 6 de dezembro.
O objetivo é sensibilizar e mobilizar instituições e homens pelo fim da violência contra a mulher. “A campanha é importante pois a maioria dos homens não é violenta, mas também não se manifesta quando sabe do crime. Eles acham que é algo fora da esfera pública, mas as denúncias devem existir”, diz Roberto Amado, coordenador da campanha no Instituto Noos, do Rio, onde já foram encerradas as atividades.
O material a ser distribuído tanto no nordeste quanto nas outras regiões onde a campanha está ou esteve em andamento foi elaborado conjuntamente por sete organizações, divididas em quatro estados (Rio, São Paulo, Pernambuco e Acre). São milhares de pôsteres, fitas, adesivos e cartilhas com mensagens contra a violência doméstica.
As últimas atividades são uma passeata no Bairro da Várzea, zona norte de Recife, no dia 6 de dezembro, e grupos de discussão, oficinas e seminários em Serra Talhada, interior de Pernambuco, no dia 19. Os eventos deste dia têm como público-alvo 500 trabalhadores rurais de 11 cidades do sertão pernambucano.
Ir para o interior não significa endossar o clichê de que lá há mais violência contra as mulheres. “Não é possível dizer que o interior seja mais violento do que a capital. Nas pequenas cidades, há mais dificuldade em se registrar o ocorrido, pois a agressão não é vista como crime, mas como ciúme ou defesa da honra”, explica o coordenador-geral do Programa Papai, Benedito Medrado, que afirma ainda que a lógica do “cabra macho” sertanejo precisa ser quebrada. “É possível ser homem sem bater na mulher”, afirma.
As prefeituras do interior de Pernambuco receberão pedidos de municipalização do dia 6 de dezembro como parte das atividades da campanha.
No Rio, as ações foram bem recebidas pelos homens que receberam panfletos e orientação do Instituto Noos e Promundo. Muitos afirmaram conhecer casos de agressão e que iriam difundir a campanha. Em São Paulo, o material foi distribuído a homens e mulheres no Parque do Ibirapuera. Outras entidades que trabalham com feminismo foram incentivadas a entrar na campanha. Já no Acre foram organizadas manifestações com distribuição dos itens em praças de Rio Branco e em seis cidades do interior. Na capital, uma passeata foi cancelada devido ao grande interesse da mídia local, cuja grande quantidade de perguntas feitas aos organizadores da Rede Acreana de Mulheres e Homens impediu o prosseguimento das atividades. “Perdemos tempo respondendo, mas o cancelamento acabou sendo positivo pela divulgação da campanha”, diz Cleib Lubiane, da Rede Acreana.
Assunto delicado
De acordo com pesquisa realizada em 2001 pelo Instituto Noos e a organização Promundo, 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas a algum tipo de violência doméstica e 300 mil por ano relatam terem sido vítimas de agressões. O estudo constatou que 63% dos homens se calam perante o conflito doméstico, enquanto 41% das mulheres reagem conversando, gritando ou chorando. Ao mesmo tempo, consultados sobre a intervenção de outras pessoas em suas brigas, homens e mulheres participantes de grupos de discussão organizados pelo instituto apoiaram a “metida de colher” em suas brigas conjugais. “Procuramos mostrar que a violência contra a mulher é uma violência contra a humanidade por reforçar o sexismo. Antes de fazer qualquer coisa, eles devem pensar nas mães, filhas e tias, que também estão sujeitas a apanhar. O silêncio é cúmplice da violência”, lembra Benedito Medrado, do Papai.
As pessoas não estão mais tolerando as agressões como antes. A lei 9.099/95 criou os Juizados Especiais Criminais, que procuram sempre a conciliação para esse tipo de infração e a punição por penas alternativas em casos de ameaças e agressões leves. Os juizados não foram criados especialmente para isso, mas acabaram se concentrando em conflitos de gênero: aproximadamente 70% dos casos são relativos a brigas domésticas.
Não ficar calado perante casos de violência parece ser o caminho para diminuir o problema. O Instituto Noos, por exemplo, montou grupos de reflexão com homens condenados pela Justiça por violência doméstica e voluntários. Semanalmente eles se reúnem para debater o tema e assim ficam mais propícios a não agredir novamente a companheira e repassar os valores aprendidos a pessoas próximas. “A violência doméstica parece estar fora da esfera pública, mas precisa ser denunciada e desestimulada”, lembra Roberto Amado.
Em Rio Branco, o trabalho de diversas organizações feministas aumentou o número de denúncias de agressão nas delegacias da mulher.
Futuro
Os organizadores da campanha do Laço Branco pretendem leva-la para todas as regiões do país no próximo ano e interiorizar ainda mais as atividades. Apesar da vontade de organizações sociais de vários estados, ainda há dificuldades. Para Malvina Muszkat, da ProMulher, de São Paulo, falta profissionalização à campanha. “Não se faz campanha com fatos pontuais. Para que esse movimento tenha, de fato, impacto sobre a população nos níveis que pretendemos atingir, ele deveria ter planejamento e verba – que nem precisaria ser tanta - para pagamento de um profissional de divulgação que mantivesse a campanha viva com característica próprias nos estados”, diz.
Os recursos obtidos este ano com a Unesco, Organização Pan-americana de Saúde e Fundação MacArthur foram suficientes, mas sua continuidade não está garantida. Por outro lado, já estão sendo articuladas redes em Minas Gerais, Brasília e Rio Grande do Sul para desenvolver a campanha formalmente em 2003.
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