Autor original: Julio Cesar Brazil
Seção original: Artigos de opinião
Virgínia Feix*
A formação de Promotoras Legais Populares é o projeto central da Themis - Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero. A ONG, fundada em Porto Alegre, no ano de 1993, tem como missão a ampliação das condições de acesso das mulheres à justiça, através da criação de novos mecanismos para a defesa dos seus direitos.
As promotoras que atuam em suas comunidades na defesa, prevenção e promoção dos direitos humanos das mulheres constituem-se num destes mecanismos necessários para o acesso à justiça por parte das mulheres.
Partindo-se do pressuposto de que um dos fatores que concorrem para dificultar este acesso é a falta de conhecimento e consciência de direitos, a Themis desenvolveu este projeto voltado para mulheres de classes populares, com baixa escolaridade, residentes na periferia de nossa capital.
Selecionadas entre lideranças comunitárias em virtude do potencial de multiplicação do projeto, as futuras promotoras são capacitadas através de um curso com carga horária de aproximadamente 80 horas. Nesta capacitação estão incluídas noções básicas de Direito, direitos humanos e funcionamento do Estado, principalmente do Poder Judiciário.
Durante o período de formação as promotoras visitam instituições sócio-jurídicas como o fórum, a Assembléia Legislativa, delegacia policial, presídio, Ministério Público e Defensoria Pública. Além disso realizam atividades didáticas como júris simulados, representações teatrais e estudos de caso, com vistas a identificar as violações de direito ocorridas no cotidiano de vida das mulheres e, a partir disso, indicar possíveis soluções ou encaminhamentos aos órgãos competentes.
A experiência tem demonstrado tratar-se de um significativo processo de empoderamento das mulheres, que apropriadas de novos saberes, percorrem uma trajetória do lugar de exclusão para o lugar de inclusão social.
Esta passagem é resultado do processo educacional, que lhes permite se apropriarem do sentimento de cidadania necessário para defesa dos seus direitos e dos direitos de outras mulheres em suas comunidades.
A partir disso, as promotoras organizadas em grupos geograficamente identificados associam-se a outros equipamentos públicos para trabalhar voluntariamente em favor de outras mulheres. Tal trabalho desenvolve-se em três áreas de intervenção como acima mencionamos.
A
defesa dos direitos ocorre através de plantões semanais para acolhimento e
atendimento e encaminhamento dos casos de violação de direitos (violência doméstica e sexual, direitos trabalhistas e previdenciários, direitos reprodutivos e sexuais, discriminações).
A
prevenção de violações de direitos ocorre através de um trabalho de
educação social e comunitária realizado através de oficinas e campanhas sobre as mesmas temáticas em escolas, associações de bairros, feiras, igrejas, etc.
A
promoção dos direitos humanos ocorre através da participação e lobby organizado em seminários, cursos, palestras, conselhos de direitos e inúmeros fóruns governamentais e não governamentais em que
representam o projeto específico (das promotoras legais populares) e o projeto global feminista, de construção da igualdade de gênero, entre homens e mulheres. Em virtude do crescente reconhecimento público e político deste projeto, a Themis foi convidada a multiplicar a experiência em outros sete estados brasileiros. Mais recentemente, desenvolve a Rede Estadual de Justiça e Gênero, onde coordena a implantação do projeto de Promotoras Legais Populares em mais 12 municípios do Rio Grande do Sul.
Atualmente existem cerca de 600 mulheres atuando em nosso estado como promotoras em suas cidades, tratando de garantir que outras mulheres possam, através da informação e consciência de direitos, reverter a situação de violência ou violação a que estão submetidas.
Ressalta-se que está em curso um projeto em que se pretende transformar as Promotoras Legais Populares em Agentes Comunitárias de Justiça, através de uma política pública que envolva as três esferas do Estado (união, estados e municípios) e a sociedade civil. Nos moldes dos agentes comunitários de saúde, política desenvolvida há mais de 10 anos pelo Ministério da Saúde, as Agentes Comunitárias de Justiça trabalhariam na base da sociedade, informando a população sobre sua condição de sujeitos de direito, capazes de defender, prevenir violações e promover os direitos humanos.
A importância deste projeto é enfrentar o enorme déficit de cidadania existente em nosso país. Isso porque, apesar de possuirmos um ordenamento jurídico calcado numa Constituição Federal progressista em termos de garantias dos direitos fundamentais, as condições educacionais, sociais e econômicas impedem nossa população de gozar do status de cidadania formalmente reconhecido.
* Virgínia Feix é advogada, especialista em Sociologia Jurídica e Direitos Humanos, mestranda em Direito e coordenadora-executiva da Themis.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |