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Leia a opinião de André Trigueiro

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Uma entrevista semanal sobre temas relevantes para o Terceiro Setor

O jornalista André Trigueiro participa do IVE desde o começo das atividades do movimento. Nesta entrevista ele ressalta a importância da credibilidade no jornalismo e as consequências que os valores atuais da mídia têm para esse conceito. "O que nos cabe é defender educação de qualidade para todos, ética e cidadania", diz.


 


Rets - A pesquisa fez algumas perguntas, entre elas 'o que é mídia para você?". As respostas mais frequentes foram "informar, divulgar" e "manipular, formar opinião". Esse é um esterótipo ou a mídia está mesmo manipulando as pessoas ao mesmo tempo em que informa?


André Trigueiro - Os conteúdos da mídia não refletem aquilo que convencionamos chamar de realidade, mas antes, uma leitura da realidade. Esse entendimento obriga leitores, ouvintes, telespectadores e internautas a manterem uma postura de vigilância absolutamente necessária para a devida compreensão da notícia. É preciso ser menos inocente e mais consciente do processo de confecção da notícia. Formar opinião é uma das atribuições da imprensa, quando abre espaços para colunistas, articulistas e cronistas. Denunciar iregularidades e apontar soluções para os problemas do cotidiano são outras atribuições importantes. Como o ser humano, a mídia não é perfeita, e carece de ajustes. Na minha opinião, a verdadeira manipulação ocorre nos conteúdos da publicidade, nos apelos para o consumo, na alquimia de sons, imagens e arquétipos que produz vontade compulsiva de comprar. Isso sim é manipulação.


Rets - No que isso afeta a confiabilidade da mídia?


André Trigueiro - A mídia se desdobra em diferentes frentes. Eu respondo pela minha área, que é o jornalismo. A credibilidade é o maior patrimônio do jornalista. Cada veículo de comunicação tem o seu público alvo, um segmento da população que se busca estrategicamente. Essa relação deve ser a mais verdadeira possível, estabelecendo-se uma relação de confiança. Qualquer falha no processo implica em perda de credibilidade que vem a ser o maior pesadelo para um profissional de imprensa. O fato é que há diferentes mídias para diferentes categorias de leitores/ouvintes/telespectadores/internautas. Os conteúdos sensacionalistas que afastam uns, atraem outros. O que parece agressivo para uns, soa como música para outros. A família humana é uma imensa colcha de retalhos em que cada trapo traz um colorido diferente. O que nos cabe é defender educação de qualidade para todos, ética e cidadania.


Rets - A mídia tem como obrigação constitucional prezar pela informação e educação da população. Esse dever tem sido cumprido? Os cidadãos consideram que a mídia tem passado bons valores?


André Trigueiro - Creio que a mídia de uma forma geral tem abusado dos conteúdos violentos, valorizando a agenda das guerras, dos crimes, do caos.Não creio que isso aconteça por má fé, mas antes, por ignorância. Muitas vezes, parte-se da falsa premissa de que esses assuntos violentos chamam mais a atenção, vendem mais, atraem mais. É preciso inverter o eixo. Mostrar o que é violento sem ser violento.E descobrir a agenda positiva que ajuda a sociedade a se posicionar com clareza diante dos fatos que acusam perturbação. É urgente sensibilizar os profissionais da mídia para a repercussão de cada palavra, de cada imagem, no universo emocional de grande público. É preciso cuidado para não induzir os leitores/ouvintes/telespectadores/internautas a desacreditarem do mundo de tal maneira, que não valha mais a pena trabalhar em favor da paz, do amor, da saúde, da cidadania. Se a mídia é de fato o quarto poder, é preciso usar esse poder com sabedoria e discernimento. A humanidade vive um momento de crise, basicamente uma crise de valores, e o que se espera da mídia num momento como esse é a sinalização de rumos na busca de novos paradigmas que sustentem a civilização no terceiro milênio.


Rets - Muitas respostas ressaltaram o caráter comercial da mídia, que deixa outros aspectos importantes de lado. Há um exagero da mídia neste sentido?

André Trigueiro - O que está em jogo é a credibilidade. Se um determinado veículo de comunicação tem "o rabo preso" e evita a cobertura de um assunto por razões comerciais, o risco de cair em descrédito é enorme. A empresa de comunicação que busca credibilidade evita esse tipo de armadilha e procura agir com isenção. Em regimes democráticos, em que a imprensa é livre, não há assuntos irremediavelmente proibidos. O que um veículo não cobre, o outro vai e dá destaque. Fatura alto onde a concorrente não se mexe. E esse é um mercado bastante competitivo.


Rets - No caso da pergunta sobre o que se faria no lugar dos diretores/entrevistadores, a maioria afirmou que faria mudanças. Ao mesmo tempo, a audiência dos programas criticados cresce. Como interpretar essa contradição?

André Trigueiro - Existe um lado mórbido dos ser humano que nos leva, por exemplo, a querer ver de perto um cadáver na rua. Ou, quando mudamos de canal rapidamente usando o controle remoto, pararmos num programa que mostra as abomináveis "pegadinhas" ou criaturas deformadas que viram atração em quadros circenses. É difícil, numa pesquisa, admitir esses comportamentos. É o nosso lado feio, que critica em público e prestigia no recesso do lar. Assim caminha a humanidade. A consciência evolui mais rápido do que a atitude.


Rets - Os valores que a mídia passa parecem não ser os ideais para os entrevistados. Entretanto, ela não pode ser considerada como reflexo da sociedade?


André Trigueiro - A mídia somos nós. Nós profissionais que estamos inseridos na mídia. Nós que consumimos os conteúdos da mídia. Se não somos perfeitos, a mídia também não é. Repito o que disse: a parte mais cruel desse processo, na minha opinião, se dá nos apelos da publicidade para o consumo. O relatório " Perspectivas sobre a criança e a mídia" publicado pela UNESCO esse ano traz informações estarrecedores sobre a volúpia com que as agências de publicidade se desdobram na direção das crianças , ainda indefesas contra esse tipo de assédio. Os valores da publicidade são : "você é o que você tem", "você é o que você pode comprar". Isso degrada a nossa percepção do mundo e do sentido da vida. Antes de ser um consumidor, eu sou um cidadão. Sou menos gente se não tenho conta bancária, carro e telefone celular? Sou menos gente se não tenho cartão de crédito?


Rets - A imagem da mídia parece ser bastante negativa. O que os veículos de comunicação podem fazer para melhorar essa percepção? Como os comunicadores devem receber as conclusões do estudo?


André Trigueiro - Em primeiro lugar é bom que se veja que responsabilidades os entrevistados atribuem à mídia. Digo isso porque muitas vezes se transfere para a mídia determinados encargos que não são só da mídia. Uma boa educação por exemplo. Noções básicas de saúde por exemplo. Os valores da cidadania por exemplo. A mídia pode ser uma ferramenta importante para a disseminação de valores positivos, mas que não se confunda o papel dela com a de outros agentes sociais. Sou otimista. O IVE pretende conscientizar os profissionais de mídia sobre a repercussão de nosso trabalho, a necessidade de repensar os conteúdos violentos e buscar novas leituras da realidade onde os aspectos positivos possam merecer mais atenção e destaque. Estou envolvido nesse movimento. Estou fazendo a minha parte.


 


Marcelo Medeiros

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