Autor original: Julio Cesar Brazil
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
![]() | ![]() |
![]() |
O futebol é uma paixão nacional. Sendo assim, os brasileiros portadores de deficiência visual não precisam ficar de fora da atividade desportiva mais popular do planeta e têm nela um elemento que facilita ainda mais o seu processo de inclusão na sociedade. Seguindo a máxima que o Brasil é o país do futebol, a Associação Brasileira de Desportos para Cegos (ABDC) tem trabalhado para promover a prática de esporte – e todos os seus benefícios – entre deficientes visuais, em especial o futebol. Nesta linha de ação, a entidade foi uma das organizadoras do III Mundial de Futebol para Cegos, ocorrido em Niterói (RJ), entre os dias 30 de novembro e 8 de dezembro. O torneio contou com a participação de nove países (Brasil, Argentina, Espanha, Inglaterra, Grécia, França, Coréia do Sul, Paraguai e Colômbia). Os anfitriões (que já eram bicampeões mundiais) desta vez não chegaram à final e terminaram na terceira colocação. Argentina e Espanha foram campeã e vice, respectivamente.
A ABDC tem como meta principal a massificação da modalidade. A organização de um evento como o mundial, que contou com o apoio dos meios de comunicação, fez com que o esporte atingisse os estados mais distantes e as periferias das grandes cidades brasileiras. "A realização desta competição no Brasil é uma conquista e deve muito à confiabilidade internacional da IBSA (International Blind Sports Federation), co-organizadora da competição. Tenho muita convicção de que é extremamente positivo para o movimento. Talvez, com um trabalho modesto, estejamos contribuindo para o fortalecimento do nosso movimento. Mais uma vez mostramos o deficiente falando pelo próprio deficiente", afirmou David Farias Costa, presidente da ABDC.
A arquibancada do ginásio da Associação Niteroiense dos Deficientes Físico (Andef), onde foram disputadas as partidas, receberam um público de cerca de duas mil pessoas diariamente. O sucesso de público em competições como esta ajuda a quebrar alguns preconceitos existentes na sociedade brasileira, como a insistência em rotular os portadores de deficiência como pessoas doentes, incapazes e inaptas. O esporte é motivador para que os atletas, neste caso portadores de deficiência visual, convivam normalmente com o dia a dia do mundo contemporâneo, melhorando a sua coordenação motora por exemplo.
Além do esporte, a cidadania
Apesar de a ABDC ser uma entidade voltada para a administração esportiva, ela sempre cede espaço em seus eventos para que instituições possam realizar palestras para que o atleta portador de deficiência visual tenha contato com a educação e outros temas - como maior acesso ao mercado de trabalho - que são extremamente importantes na sua formação como cidadão.
Um excelente exemplo da combinação entre esporte e cidadania é o Centro de Emancipação Social e Esportiva de Cego, presidido por Mizael Conrado de Oliveira – duas vezes eleito o melhor jogador do mundo da modalidade. A instituição parte do princípio que o Esporte é um direito de qualquer pessoa, sendo ela portadora de deficiência ou não. "Acredito que para o deficiente visual ele é ainda mais importante, porque contribui, além dos aspectos de saúde, para uma aproximação com os demais portadores de deficiência e os outros integrantes da sociedade. O Esporte também ajuda a acabar com a idéia que o portador de deficiência é um inválido, inútil para a sociedade. Através da identificação da algumas de suas potencialidades é possível superar vários limites".
Outro jogador que pode retratar como a prática desportiva auxiliou na sua formação como cidadão é o capitão da seleção brasileira, Marcos Felipe Alves. Nascido em Gurjão – uma pequena cidade do interior da Paraíba – Marquinhos, como é conhecido pelos demais atletas da equipe verde e amarela – garante que a Associação Paraibana de Cegos (Apace), instituição em que ele treina, é uma das coisas mais valiosas em sua vida. É neste local que ele realiza os seus estudos, que o permitem sonhar cursar uma universidade quando completar o segundo grau. "Eu agradeço a esta entidade por todo o conhecimento que adquiri até hoje. A Apace é a coisa mais importante dentro da minha realidade, pois, no desporto como na vida social, ela tem me ensinado bastante".
A prática do futebol como um elemento de inclusão social para os portadores de deficiência visual pode ser retratada na própria paixão do brasileiro pelo esporte. Um exemplo vivo desta situação está na própria equipe que representou as cores verde e amarelo. Todos os atletas convocados e até mesmo os que disputam apenas competições regionais e nacionais por suas instituições cumprem as suas funções dentro da quadra e se espelham nos jogadores dos principais clubes brasileiros como São Paulo, Corinthians, Vasco, Flamengo e Grêmio entre outros. Para David, da ABDC, este sentimento apaixonado pelos ídolos é que motiva e impulsiona os portadores de deficiência visual a praticar o futebol ou outro esporte.
A falta de apoio da iniciativa privada é um dos principais motivos para que o desporto paraolímpico não seja mais difundido no Brasil. Assim como em qualquer esporte, o portador de deficiência necessita do incentivo para a sua prática. "É preciso que os empresários estejam ao nosso lado, não para fazer filantropia, mas para ajudar na realização de um trabalho competente e alcançar a questão da empregabilidade, do acesso à escola e etc", afirmou Davi. O Brasil sediou dois mundiais da IBSA – um de goalball com 15 países participantes e outro de futebol para cegos – e nem o sucesso destas competições conseguiram atrair a atenção da iniciativa privada.
A conseqüência desta falta de apoio é a existência de uma infra-estrutura fraca, fazendo com que muitas instituições não participem dos eventos realizados pela ABDC. Enquanto lamenta esta situação desagradável, Davi reconhece que o Governo Federal tem sido fundamental na evolução do esporte paraolímpico no Brasil. Um dos pilares deste avanço é o Projeto Pintando a Liberdade, do Ministério do Esporte e Turismo, que é posto em prática pela Secretária Nacional de Esportes. Esta iniciativa tem o objetivo de ajudar na ressocialização e profissionalização dos detentos do sistema carcerário brasileiro com a utilização da mão-de-obra destes na produção de material esportivo.
A bola fabricada na Colônia Agrícola Penal de Piraquara, no Paraná, tornou-se a oficial da IBSA e distribuída gratuitamente entre as instituições brasileiras. Tal fato tem facilitado a prática da modalidade no território nacional, pois antigamente a bola era produzida de forma artesal por sapateiros, que faziam a adaptação, Este processo tornava a bola um objeto caro. "Atualmente o futebol está mais acessível e possivelmente no futuro ocorra um problema de demanda, que é o sonho de todo o gestor administrativo, neste caso, o crescimento de portadores de deficiência visual praticando a modalidade", sonha David.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer