Autor original: Marcelo Medeiros
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A Baixada Fluminense hoje possui mais de 200 rádios comunitárias espalhadas por seus 13 municípios. Mais conhecida por seus altos índices de pobreza e criminalidade, a região conta com esse meio de comunicação para cobrar soluções e levantar a voz na sociedade. Manter as rádios funcionando, porém, não é fácil. A Lei de Rádios Comunitárias (9612/98) limita muito suas ações e constantemente elas precisam desafiar a Justiça, a Polícia Federal e a Agência Nacional de Telecomunicações. A fim de fortalecê-las, foi criada em novembro a Associação Regional de Rádios Comunitárias da Baixada (Arcom).
Em entrevista à Rets, Lara Larissa, diretora de organização da Arcom e programadora da rádio Novos Rumos, de Queimados, fala da associação, da Baixada Fluminense e dos objetivos da Arcom.
Rets - Como surgiu a Associação regional de rádios comunitárias?
Lara Larissa - A Baixada é pioneira na implantação de rádios comunitárias. A Novos Rumos, onde trabalho, foi a primeira rádio brasileira a ter gestão comunitária. Antes já existiam rádios livres, mas essas não possuíam gestão feita por moradores da área. Apesar disso, nunca houve uma associação para lutar por todas as rádios – as batalhas eram isoladas.
O governo estadual conduzido pela Benedita deu mais apoio à questão da comunicação comunitária, num movimento inédito no Rio de Janeiro. Com apoio da Secretaria de Desenvolvimento da Baixada, organizamos um seminário sobre o tema. Chamamos as rádios para conversar e começamos a montar uma rede. Tratamos de leis, repressão, administração entre outros assuntos. O interesse foi grande e percebemos a necessidade de nos organizar – daí veio a idéia de formar a Associação.
Rets - Quem faz parte da Arcom?
Lara Larissa - Tomamos o cuidado de ter pelo menos uma pessoa de cada município na diretoria colegiada, formada por sete pessoas. Não temos um presidente. Há o Conselho Fiscal e o de Fundadores, este encarregado de manter os princípios da radiodifusão comunitária. Depois da posse traçamos alguns objetivos.
O primeiro foi legalizar a associação – processo que já está no fim. Agora estamos na segunda fase, que é conhecer e cadastrar as rádios comunitárias da Baixada. Já cadastramos 70, mas existem aproximadamente 200. Queremos visitar o maior número possível e chamá-las para o movimento, pois muita gente ainda não sabe da criação da Arcom. O terceiro passo é capacitar todos os integrantes das rádios, inclusive os dirigentes. Muitas vezes elas são montadas, mas não há noção de administração, de fazer a comunidade a participar efetivamente do processo. A intenção é torná-las líderes de audiência como a Queimados FM é naquela cidade. A última etapa é chamar a comunidade a participar das rádios.
Rets - Qual a necessidade de se ter uma associação regional?
Lara Larissa - Já há uma federação, a Farc - Federação das Associações de Rádios Comunitárias, que dá apoio, mas fica no Rio, que é longe. A intenção é descentralizar e dividir o trabalho para se chegar a um denominador comum. Nosso objetivo é agir regionalmente e fortalecer a campanha por aprovação da lei de municipalização das rádios comunitárias nas 13 cidades da Baixada.
Rets - Como será a relação com a Farc?
Lara Larissa - A Farc é uma parceira maravilhosa, que nos deu todo apoio. Somos parceiros e afiliados à Farc. Ela e nós não somos coisas diferentes. Chegamos a um acordo que todas as regionais da Farc a serem criadas se chamarão Arcom.
Rets - Como é tem sido a repressão às rádios comunitárias na Baixada?
Lara Larissa - Terrível. Sofremos com a Anatel e a Polícia Federal, que chegam a roubar nossos equipamentos. Digo roubar porque chegam sem mandato judicial e levam nossas coisas. Quando não fazem isso, lacram o local onde a rádio funciona. A Novos Rumos, por exemplo, já foi fechada duas vezes, mas reabrimos. Da última vez avisamos ao Ministério das Comunicações e à Anatel que iríamos voltar a funcionar. Conseguimos inclusive uma liminar para garantir nosso funcionamento. Vitórias como essas eram isoladas, agora podemos ter ganhos coletivos.
Esperamos ter mais apoio da próxima gestão do Governo Federal, pois a situação atual é insustentável. Enquanto repreendem as verdadeiras rádios comunitárias, autorizam as “picaretárias”. Estas usam nosso nome para fazer política partidária e ganhar dinheiro. É necessário perguntar qual o critério para legalizar. Isso sem falar na péssima qualidade da lei.
Rets - Como as rádios da Baixada lidam com a lei?
Lara Larissa - Ela foi criada como um “cala boca” para o movimento de comunicação comunitária, muito forte na época. O governo conseguiu desmobilizar, mas agora ele está de volta. A Lei de 9612/98 afirma que a concessão só pode durar seis anos. Na verdade, a autorização é de três anos, renováveis por mais três. Como ficamos depois? A maioria das rádios da Baixada têm quatro anos em média, mas a Novos Rumos já atua há 12 anos e outras, há menos de um mês.
Outro problema é a publicidade, proibida pela lei. Como vamos nos financiar? Os pequenos comerciantes deveriam ter direito de anunciar, afinal, é um meio barato e eficiente e sua clientela está dentro do alcance da rádio. Por que o "Seu Manuel da Padaria" está proíbido de anunciar seus pãezinhos nas rádios comunitárias se ele não pode pagar por publicidade na rádio comercial?
Rets - Quais são os critérios de filiação à Arcom e como ela irá funcionar?
Lara Larissa - Analisamos o estatuto. Aliás, toda rádio comunitária precisa ter um. Não adianta só criar a rádio, tem que haver uma assembléia de fundação com pessoas da comunidade presente. Seus princípios devem estar de acordo com os necessários para ser classificada como comunitária: ser plural, pluripartidária, ser gerida localmente, ter eleições, entre outros pontos.
Ainda não temos sede fixa, estamos em um espaço cedido pela Secretaria da Baixada no centro de Nova Iguaçu. O objetivo é ter um lugar nosso. Planejamos cobrar taxas dos associados a partir do ano que vem. O dinheiro será revertido para eles mesmos por meio de diversas atividades. Faremos um circuito cultural com artistas dos 13 municípios e ofereceremos cursos. A taxa será de R$ 20 para sócios efetivos e R$ 10 para colaboradores, que são pessoas interessadas no desenvolvimento das rádios.
Rets - Quem seriam esses interessados?
Lara Larissa - Os movimentos sociais. A rádio comunitária é muito importante para eles. Como uma associação de moradores pode falar com quem mora na localidade? É o meio mais eficiente. As pessoas comuns acabam se unindo ao movimento por ver que ele é importante para elas. Tanto partidos políticos, quanto ONGs, igrejas e outras instituições se enriquecem nesse processo de troca de informações. Se ele acabar, não terão onde falar.
Rets - O que a municipalização das leis de radiodifusão comunitária poderia trazer de bom para as rádios? O que será feito para se atingir esse objetivo?
Lara Larissa - A municipalização não tem valor legal muito grande, pois está submetida à lei federal. Ainda assim, queremos fazer uma corrente de baixo para cima com a intenção de forçar mudanças. Não há ninguém melhor que o município para dizer se é importante ou não a existência da rádio na localidade. É mais um ato político do que legal.
Já marcamos para janeiro uma reunião com vereadores de Duque de Caxias e a comunidade para explicar o tema e tentar elaborar um projeto de lei. Com este redigido vamos buscar apoio na Câmara de Vereadores. Assim que ele for apresentado para votação, faremos caravanas e manifestações em todos os municípios.
Cada cidade possui uma realidade diferente, mas a comunicação comunitária está crescendo e será inevitável sua aprovação.
Quanto às vantagens, as rádios ficam muito mais ligadas ao poder local, que pode tratar melhor de sua realidade. Fica mais fácil estabelecer o alcance permitido, por exemplo. Numa área rural, o limite de 1 km de alcance é absurdo, é muito pouco. Outro ponto importante a ser dicutido é o maior controle ao crescimento desordenado das rádios comunitárias.
Rets - A Baixada tem se destacado no processo de criação de rádios comunitárias. A que você credita esse fato?
Lara Larissa - É um lugar onde a miséria é maior e as pessoas não têm como gritar e reclamar das injustiças a que são submetidas. Não há onde falar de coisas ruins e boas – temos que mostrar e lembrar que na Baixada não existe apenas mortes e probreza. Acho que por isso o número de rádios aqui é tão grande. O povo é criativo e encontrou sua forma de falar de suas dores e alegrias. As rádios comunitárias são a voz e a vez da população.
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