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Crianças abandonadas: do abrigo para a família

Autor original: Julio Cesar Brazil

Seção original: Artigos de opinião

Claudia Cabral*

Recentemente, um grupo expressivo formado por representantes dos ministérios da Justiça e da Previdência Social, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça (ABMP), da UNICEF e de Organizações Não-Governamentais criou o Comitê para Reordenamento da Rede Nacional de Abrigos. Acredito que poucos leitores compreenderiam o que isto quer dizer, a importância desta iniciativa. Talvez acreditem que, ao falarmos em abrigo, estamos falando em orfanatos, aquelas instituições com crianças abandonadas, sem família, que merecem visitas no Natal.

A opinião pública, em sua grande maioria, acredita que todas essas crianças poderiam ser adotadas e que só a burocracia da justiça impede a solução do problema. Vale esclarecer que menos de 30% das crianças ali abrigadas estão disponíveis para adoção. A maioria poderia estar de volta ao convívio familiar se lhes fosse proporcionado esse direito.

Hoje, só no Rio de Janeiro, existem aproximadamente 180 instituições de abrigo. No Brasil, a rede parece atingir mais de 1.000 instituições. É esse número exato que precisamos levantar. Qual o total de abrigos existentes no Brasil? Qual o número de crianças abrigadas? Quantas têm condições de retorno à família de origem? Quantas estão em cadastro de adoção? O comitê criado tem por função justamente provocar a atualização da rede de instituições sociais que acolhem crianças e adolescentes afastados de suas famílias.

Inúmeras pesquisas têm comprovado a importância de se investir em políticas públicas que fortaleçam o papel da família. Para substituir os abrigos, projetos alternativos estão surgindo, sempre no sentido de se investir na competência dos pais ou de promover a autonomia dos jovens adultos. Exemplos como os dos projetos Família Acolhedora e República, da Prefeitura do Rio de Janeiro, em parceria com ONGs, têm comprovado maiores possibilidades de reversão do quadro de violência doméstica e exclusão social.

Esses projetos merecem investimento, mas o desafio é o de mudar a mentalidade da sociedade que ainda acredita e investe na caridade dos orfanatos. Só para ilustrar, em 2002 houve votação para eleger os integrantes dos conselhos tutelares, uma instância que responde pela proteção às crianças e adolescentes de sua região. É um órgão composto por representantes da sociedade civil eleitos pela população e que assumem grande importância no sistema de atendimento à criança e adolescência. No Rio de Janeiro, menos de 1% da população votou para renovação do quadro de 50 Conselheiros Tutelares para as dez Regiões Administrativas do Município.

Este indicador aponta para uma necessidade urgente de investimentos não só na rede nacional de abrigos como também na rede local de conscientização da sociedade civil por um reordenamento no sistema de proteção à criança e adolescente realmente participativo. Precisamos dar instrumentos à população para refletir sobre sua contribuição menos caritativa e mais estrutural, participando de forma ativa e crítica na transformação desse sistema assistencial que ainda perpetua as diferenças.


* Claudia Cabral é psicóloga e diretora executiva da Associação Brasileira Terra dos Homens (ABTH). O texto é um resumo do que é abordado na cartilha "Do Abrigo à Família", lançada no dia 10 de dezembro pela instituição. 


 






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