Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
Hoje em dia, perto do fim da gestão que a criou, a Comunidade Solidária faz um balanço não só numérico, mas também social dos sete anos de vida. Para muitos dos 32 membros do Conselho da Comunidade Solidária, o aspecto mais importante do programa foi ter contribuído decisivamente para a mudança no modelo de relação entre Estado e sociedade civil organizada. Esta última ficou mais participativa. Aquele passou a enxergar a força das organizações e confiar nas suas capacidades agregadoras e de atuar com qualidade para a solução de problemas enfrentados pela sociedade.
É isto que aponta, por exemplo, o membro do Conselho e presidente da Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Horácio Lafer Piva: “Na minha opinião, a principal contribuição foi, sem dúvida alguma, o fato de olharmos a questão social sob um novo e original ângulo, prestigiando o tema da gestão e da ação social que não se encerra num único gesto.” É de opinião semelhante Augusto de Franco, conselheiro, membro do Comitê Executivo da Comunidade Solidária e coordenador geral da AED – Agência de Educação para o Desenvolvimento. Ele remarca que o programa desenvolveu elementos para um novo padrão de relação baseado na idéia de que não cabe ao Estado resolver todos os problemas: ”A atuação do governo é imprescindível, mas não é tudo. É preciso a sinergia entre os três setores – Estado, Mercado e Sociedade Civil”.
Ele defende ainda que está nascendo no Brasil uma nova esfera pública, não estatal. “Se você fortalecer a sociedade, você está fortalecendo essa nova esfera pública, ampliando a participação do cidadão e isto significa mais atores participando”.
Já o professor de Direito da UFRJ e da FGV, Joaquim de Arruda Falcão, lembra que pesquisa recente do Instituto Gallup aponta que entre as instituições em que o brasileiro mais confia as ONGs aparecem na vice-liderança, secundadas apenas pelas instituições religiosas. Segundo Falcão, a principal contribuição da Comunidade Solidária foi ter “participado deste processo de valorização, dignificação e representação das entidades do terceiro setor”. O também professor e conselheiro Ladislau Dowbor ressalta o caráter experimental e, por isso, contributivo da Comunidade: “A abertura de espaços e a criação de novas culturas de ação são, a meu ver, o que o programa trouxe de melhor”, afirma Dowbor, que leciona na PUC de São Paulo e na Universidade Metodista.
Parcerias: estratégia simples e efetiva
As parcerias - base de trabalho das iniciativas dos programas da família Solidária e fortemente encorajadas tanto entre governos e terceiro setor, quanto entre as próprias instituições da sociedade civil – merecem atenção especial de vários conselheiros. Agop Kayayan, ex-representante do Unicef para a América Central e Brasil e atualmente na direção da ONG Instituto dos Direitos da Criança e do Adolescente, afirma: “Foi um mérito grande juntar governo e sociedade civil para discutirem juntos, em particular quando isto se trata de unir diferentes grupos em torno de um objetivo comum.”
Para Piva, “a importância das parcerias foi fundamental. Está cada vez mais claro de que só através das parcerias, da construção de redes, da reformulação da forma de atuação e da solidariedade, é que conseguiremos fazer frente a todos os enormes desafios, principalmente os da área social”. Joaquim Falcão tem opinião bastante parecida e lembra que, apesar de as parcerias serem tidas como ideal político de mobilização, o difícil é “conjugar interesses diferentes em processos convergentes. Isto exige muita paciência e tecnologia social das organizações”.
Entretanto, a riqueza ao se concretizar processos através de parcerias não é somente a necessidade de coadunar interesses diversos, mas a soma, o ganho de experiências e o alargamento de horizontes que os parceiros proporcionam uns aos outros. De maneira geral, Augusto de Franco comenta sobre isso lembrando que a vantagem das parcerias é, como ele colocou “o estabelecimento de jogos colaborativos, nos quais todos ganham. Cada parceiro ‘importa’ o capital humano e social que não tem e que é necessário ao desenvolvimento social”.
Ladislau Dowbor tem uma visão crítica: “basicamente acho que as iniciativas muitas vezes atuam de maneira segmentada, porém não se transformam em políticas, no sentido mais amplo”. Para ele, os processos têm que ser completos e só são eficientes e plenos quando inseridos em ciclos completos. O seu receio é de que, atuando pontualmente, as iniciativas não tenham continuidade para as pessoas beneficiadas. Seria necessário que, por exemplo, no programa de capacitação, o jovem participante tivesse um acompanhamento depois, ou uma outra iniciativa que cuidasse de prestar atenção às novas demandas deste jovem depois da capacitação. “É um caminho certo, uma direção certa, porém tem que haver uma mudança real na cultura participativa brasileira, que ainda é crua”, afirma.
Já Miguel Darcy de Oliveira - conselheiro, membro do Comitê Executivo e dirigente do IDAC – Instituto de Ação Cultural – é enfático ao tratar do assunto: “Não há programa que se faça sem parcerias”.
Porém, se a efetivação de parcerias, na opinião de muitos conselheiros é algo tão exemplar e funciona tão bem, pode-se dizer que todos os objetivos do programa foram atingidos? A resposta vem quase em coro: “Não”. A motivação maior para esta afirmação é a consciência de que, em primeiro lugar, os objetivos em uma proposta tão inovadora são mais difíceis de se atingir, justamente pela ousadia da mesma; e, em segundo lugar, pela necessidade de continuidade das iniciativas deflagradas – o que faz com que os objetivos se ampliem sempre, à procura de concretizar as novas possibilidades que se apresentam.
Como diz Piva, “não quero fazer o discurso de que tudo saiu como desejável, mas o fato é que avançou-se em muitos campos. Há projetos que já caminham autonomamente e outros que ainda necessitam de mais algum apoio, mas o fato é que o trabalho principal, que foi a disseminação de um conceito, amparado por critérios muito claros, foi um sucesso”.
A maioria dos conselheiros consultados, quando perguntados sobre que objetivo não foi completamente satisfeito, faz referência às mudanças no campo da legislação do terceiro setor. “Como conselheiro, gostaria de ter visto uma reforma mais ampla do Marco Legal do Terceiro Setor e que o contribuinte pessoa física também tivesse incentivos fiscais para fazer doações para organizações. Infelizmente, este tipo de participação da pessoa física não é muito estimulada pela Fazenda”, lamenta brandamente Joaquim Falcão.
Miguel Darcy ressalta exatamente o mesmo ponto, afirmando que ficou aquém do planejado a parte de reforma do Marco Legal e cita também os incentivos fiscais para pessoas físicas como objetivo ainda a se concretizar. “A Receita Federal deve pensar uma maneira de reconhecer o valor da participação do cidadão. É importante para o Governo e para a Sociedade”, declara.
Porém, se ainda não foram atingidos estes objetivos, nada impede que a continuação das atividades, com a Comunitas e a RedeSol, articule o trabalho para proposta e aprovação deste tipo de incentivo fiscal, para ampliar ainda mais a participação e interesse das pessoas pelas organizações da sociedade civil. Como disse Augusto de Franco, “os objetivos foram iniciados, não encerrados”. Se o não encerramento leva a que se faça cada vez mais, tomara que não se encerrem nunca.
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