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Em boa companhia

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Novidades do Terceiro Setor

Embora haja muita discussão em torno de alternativas às penas aplicadas aos adolescentes autores de atos infracionais, ainda são poucas as experiências práticas. Um projeto às margens do Rio Amazonas pretende mostrar que a reinserção dos jovens na sociedade através da liberdade assistida é muito mais eficaz do que após o recolhimento em instituições. Um número superior a vinte jovens já passou pelo Projeto Anjos da Guarda, desenvolvido pela Fundação Orsa, na região do rio Jari (que abrange os municípios Laranjal do Jari e Vitória do Jari, no Amapá, e Almerim, no Pará), com o apoio da comunidade e parcerias com ONGs locais. O projeto, que é aplicado desde 2000 em Laranjal do Jari, acaba de ser implantado também em Almerim. Os primeiros seis adolescentes da cidade a serem atendidos pelo projeto, com idades entre 14 e 17 anos, foram encaminhados no último dia 11 de novembro e serão monitorados por um período de, no mínimo, seis meses.


O Programa é destinado aos adolescentes autores de infrações consideradas leves (pequenos furtos, contravenções) e o monitoramento é feito por voluntários treinados pela Fundação Orsa. Trata-se dos "anjos da guarda" que dão nome ao projeto -pessoas da própria comunidade. Os voluntários passam a acompanhar o dia-a-dia dos adolescentes sentenciados pelo Juizado da Infância e Juventude, por meio de medidas socioeducativas de Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida, previstas no artigos 117 e 118 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), respectivamente. Nas suas rotinas de acompanhamento, os "anjos" orientam os jovens, através de um plano individual de atendimento, procurando reinseri-los na sociedade.


Durante o tempo da pena, a pessoa voluntária está sempre ao lado do adolescente, procura estabelecer uma relação de amizade, se certifica de que ele está dormindo em casa e freqüentando a escola. É responsável também por fazer relatórios, para registrar o comportamento do adolescente e informar a equipe de consultores da Fundação Orsa. No período extra-escolar, os jovens em liberdade assistida freqüentam atividades arte-educativas e cursos profissionalizantes promovidos pela entidade.

Exemplo

Segundo Roberto Rivetti, coordenador executivo da Fundação Orsa, Almerim (assim como Laranjal do Jari) é uma cidade pequena, com um perfil de violência bem distinto do manifestado nas grandes cidades brasileiras. "As gangues de jovens são pouco estruturadas e não fazem, por exemplo, utilização de armas de fogo e, sim, de objetos como facões." Assim, de acordo com o coordenador, como a cidade é pequena, o monitoramento não é difícil. No entanto, a idéia é que o desenvolvimento desse modelo piloto possa servir de exemplo para outras localidades, inclusive as cidades grandes. "Queremos que as pessoas vejam que este modelo funciona e é mais barato. Se ele causa resistências, é porque dá mais trabalho. Mas o ideal é que essas medidas socioeducativas se transformem em políticas públicas e sejam mais utilizadas do que as instituições corretivas", diz. Além do baixíssimo custo, a Fundação Orsa defende que esse modelo é de alta eficácia quando bem conduzido, de alto envolvimento da comunidade e possibilita o reatamento dos vínculos familiares, muitas vezes estremecidos por causa da própria infração cometida.


Rivetti diz que é geralmente após ser recolhido em instituições - e entrar em contato com turmas mais experientes - que o adolescente autor de infrações leves aprende a ser bandido de verdade. "Mesmo que a instituição recupere, o recolhimento é de qualquer forma traumático para ele. Se é possível trabalhar de outra forma, melhor", acrescenta.


Os desafios começam em convencer o juiz a confiar na seriedade e na eficácia do projeto. "No início, o juiz não confiava muito no nosso trabalho e só enviava os meninos que eram muito bonzinhos. Agora ele já manda casos mais complicados", conta Rivetti.


A Fundação Orsa quer levar o projeto Anjos da Guarda para os outros estados onde a instituição tem projetos próprios – São Paulo, Minas Gerais e Amapá. Pretende ainda disponibilizar a tecnologia social do projeto para as instituições governamentais e não-governamentais quem quiserem utilizá-la. Em 2003, a Fundação Orsa deve promover "Jornadas brasileiras de violência", para levar a experiência de Jari ao conhecimento de juizes, psicólogos, assistentes sociais, educadores e demais envolvidos na questão, em diversas regiões do país.


Em Laranjal do Jari, os resultados do projeto ainda não puderam ser avaliados apropriadamente, mas Rivetti garante: "recuperar um menino é praticamente como salvar uma vida". Essa experiência prova que, com conversa, atenção e carinho, as chances de recuperação são muito maiores do que numa instituição em que o adolescente é humilhado constantemente.


Mais informações sobre o projeto Anjos da Guarda com a Fundação Orsa, pelo telefone (11) 4181-2232.

Mariana Loiola

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