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Modos de Reagir

Autor original: Marcelo Medeiros

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Fundada em 1995, a Associação Reagir, localizada no bairro de Piedade, zona norte do Rio, é mais do que uma assistência médica alternativa. Inspirada na experiência de outra associação carioca, a Saúde Criança Renascer, a Reagir oferece cursos de profissionalização e outras atividades que possam gerar renda para a família de crianças internadas no Hospital Municipal da Piedade. O trabalho procura aumentar a auto-estima dos pacientes e seus familiares, normalmente oriundos de regiões pobres do Rio. Em entrevista à Rets, Jupira Nunes, diretora da Reagir, fala sobre a criação e os resultados dos sete anos de atividades da associação, que tem se destacado na recuperação de doentes.


Rets - Como surgiu o Reagir?


Jupira Nunes - Há cerca de oito anos, tomei conhecimento, por intermédio de uma reportagem na televisão, do trabalho realizado pela Associação Saúde Criança Renascer (ASCR), fundada pela Drª. Vera Cordeiro. A Criança Renascer foi a instituição pioneira nesse modelo de atendimento e até hoje atende crianças oriundas do Hospital da Lagoa.


Percebi que o modelo de assistência por eles desenvolvido poderia ser a solução para diversos problemas que me indignavam no dia-a-dia do exercício da profissão, inicialmente como enfermeira e posteriormente como médica pediatra.


Eu via dia após dia como a miséria, a carência de informações e a falta de oportunidades se apresentavam como fatores determinantes e agravantes da precária situação de saúde das crianças tratadas nos diversos serviços públicos de atendimento por onde já havia trabalhado. No Hospital da Piedade, hoje Hospital Municipal da Piedade (HMP), onde encontrava-me lotada nessa ocasião a situação em nada era diferente.


Visitei então a sede da Criança Renascer em abril de 1995 e, conhecendo o trabalho, recebi uma fita de vídeo da instituição, a qual apresentei em nossa unidade para profissionais de uma equipe multidisciplinar que atuavam junto ao serviço de pediatria. Todos ficaram intensamente sensibilizados e logo perceberam o quanto seria importante implantarmos esse modelo de assistência para as nossas crianças – também carentes. Com a mobilização de um bom grupo, buscamos o apoio da sociedade civil, nossos parentes e amigos e fundamos a Associação Reagir no dia 18 de julho de 1995.


Rets - Quais as principais atividades da Reagir?


Jupira Nunes - Várias, mas todas dependem de trabalho voluntário e doações. Procuramos dar atenção psicosocial buscando a estruturação da família como um todo; estimular a auto-estima trabalhando individualmente ou em grupo. Fornecemos medicamentos e equipamentos necessários ao tratamento, cestas básicas e preparados alimentícios especiais para a recuperação nos casos de desnutrição. Doamos roupas, brinquedos, móveis e utensílios domésticos; organizamos encontros educativos com o objetivo de informar para promoção e proteção da saúde.


Há ainda, dentro do Projeto Anzol, cursos de artesanato, costura, bijuterias, entre outros, e oficinas de produção destinadas a vendas em bazar com renda em prol dos diversos projetos assistenciais. Alguns participantes do Projeto Profissão são encaminhados para cursos profissionalizantes e para o mercado de trabalho. Além disso, para garantir a presença dos familiares das crianças nos encontros educativos, fornecemos vales-transporte.


Rets - Qual o público da Associação Reagir? Quantas pessoas são atendidas por ano?

Jupira Nunes - A Associação Reagir é uma entidade civil sem fins lucrativos, filiação religiosa ou político partidária que tem por objetivo assistir crianças, adolescentes e suas famílias, comprovadamente carentes, no período de internação e após a alta do Hospital Municipal da Piedade. Diariamente são encaminhadas para internação crianças de vários bairros do Rio de Janeiro e até de outros municípios, sendo, portanto, de origem diversificada, predominando moradores de favelas e dos bolsões de pobreza da Baixada Fluminense.


Atendemos em geral entre 30 e 35 famílias por mês, compostas, em média, de dois adultos e quatro crianças – o que soma, então, entre 60 e 70 adultos por mês e entre 120 e 140 crianças. O total anual fica na casa dos 720 adultos e 1.440 crianças e adolescentes.

Rets - A Associação Reagir atua em Piedade. Quais são os maiores problemas de saúde desta região?

Jupira Nunes - Desnutrição, anemia , problemas respiratórios.

Rets - Como se dá a parceria com a Renascer?

Jupira Nunes - Não temos estabelecida uma parceria propriamente dita. Entretanto, funcionamos em sintonia com a Renascer, observando os princípios estabelecidos por aquela instituição.


Participamos sempre de encontros entre a Renascer e outros “REs”, fundados também seguindo os mesmos princípios, com o objetivo de intercâmbio de experiências, procedimentos e aspectos estruturais. Em 1998, participamos, juntamente com a Renascer e outras REs, de projetos para os quais recebemos financiamento de um patrocinador para cumprirmos os mesmos objetivos.


Rets - Como juntar de forma eficiente a assistência médica às medidas de incentivo a geração de renda implementadas por ONGs como a Reagir e Renascer?


Jupira Nunes - As medidas de incentivo à geração de renda estão representadas pela participação em cursos de artesanato, com produção nas oficinas para venda, e pela realização de cursos profissionalizantes, sendo porém mais difícil esta segunda opção em virtude do deficiente grau de escolaridade apresentado pelos participantes. Por outro lado, fatores como prole numerosa, filho doente que impõe uma grande jornada médica e às vezes internações freqüentes direcionam mais para os cursos artesanais.


Procuramos realizar tais atividades da seguinte forma, que torna mais eficiente a assistência médica e o projeto de geração de renda: aproveitando o tempo ocioso e em geral de muito stress do período de internação da criança, no qual a mãe permanece no hospital sem ter o que fazer e, assim, apenas reproduzindo os momentos de sofrimento do filho, deixando para trás outros filhos, às vezes marido, emprego (que muitas vezes é perdido) para permanecer ao lado do internado. Nesse momento o principal objetivo nem é a geração de renda mas sim a terapia ocupacional, que pode revelar ótimas artesãs e colaboradoras, gerando renda para si e para a Associação Reagir.


É interessante associar a recreação para as crianças internadas com atividades para as mães. Já está mais do que comprovado que isso diminui o período de internação e recuperação da criança. A mãe passa a aceitar melhor este momento difícil e colabora, participando muito mais ativamente deste processo. Isso pode ser feito durante os períodos de espera em ambulatórios para consulta, fisioterapia, fonoaudiologia, entre outros tratamentos que as crianças necessitam. Nestes casos, procuramos envolver a mãe em uma atividade que ela possa fazer nesses locais, como crochê, bordados, bijuterias entre outras.


É possível desenvolver estas atividades também durante todo o período preconizado para assistência inicialmente de seis meses. As mães estão sendo estimuladas a participar de cursos que as capacitem para desenvolver em casa uma atividade que possibilite aumentar o orçamento doméstico como costura, manicure entre outros. Assim, há possibilidade de cuidar das crianças e trabalhar –geralmente a única solução para aquelas com muitos filhos e ainda com um deles doente.


Rets - Qual a importância da elevação de auto-estima feita pelo trabalho da Reagir com os pacientes e suas famílias na recuperação de doenças e na saúde deles?

Jupira Nunes - Com a recuperação da auto-estima, que se dá através de um conjunto de ações desenvolvidas pela equipe psico-social, vários horizontes se ampliam. A mãe que antes se via como um ser miserável, além de tudo com um filho doente, na maioria das vezes abandonada pelo pai da criança, atribuindo a culpa de tudo a ela própria, sem poder trabalhar, sem ter como cuidar da criança, passa a perceber que não está mais tão só. Assim ela reage melhor aceitando e cumprindo as recomendações médicas, cumprindo as jornadas de tratamentos de exames e revisões sem interrupções. Estabelece-se uma relação de confiança e de parceria que é decisiva para adesão ao tratamento. Ela acaba ainda encontrando tempo e dinamismo para aprender e produzir.


 


Marcelo Medeiros

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