Você está aqui

Todos ao Fórum

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Dentre as muitas possibilidades que o Fórum Social Mundial apresenta, talvez a mais rica seja a convergência de visões e propostas diversificadas. A proposta de ser alternativo e comunitário; específico para cada pessoa e global ao mesmo tempo; e, em especial, funcionar como uma plataforma para a busca do possível são o cerne ideológico do FSM. E é justamente esta conjunção de possibilidades que atrai organizações de naturezas, intenções e fazeres mais diferentes – cuja presença, por sua vez, como numa retroalimentação, contribui para a consolidação de um ambiente diversificado em seus propósitos, fins e atividades.

Ouvintes, expositoras ou propositoras de oficinas, ONGs dos mais distantes lugares se reúnem em Porto Alegre pelo terceiro verão consecutivo a fim de participarem deste caldeirão que a cada ano ferve com mais gente. Para a edição 2003 – que começa no próximo dia 23, são esperadas cerca de 100 mil pessoas – 100 mil consciências diferentes, à procura do diálogo e das novas possibilidades que o Fórum prevê. Seus objetivos são tão diversos quanto suas naturezas: participar do grande acontecimento que se tornou o FSM, ouvir palestrantes e/ou especialistas famosos, compartilhar competências, conhecer modelos de sustentabilidade institucional, trocar experiências, tomar parte nos debates das mesas de controvérsia, dizer não – ou sim - à globalização, mobilizar novos adeptos a uma determinada causa etc. Cada uma com a sua meta, elas sabem que a capital gaúcha é lugar para estar, aproveitar e se exercer.

A expectativa mais comum de quem vai ao Fórum parece ser a de aprender. “O que mais nos atrai é o intercâmbio, a troca de experiências, em todas as esferas. E é com este objetivo que nós vamos para o Fórum este ano”, esclarece Maria de Jesus, representante do núcleo alagoano da Rede de Educadores Populares do Nordeste. Esta vai realizar no município de Alvorada, a 20 km de Porto Alegre, um curso de reciclagem para a delegação da Rede que vai ao FSM. Como os educadores populares organizados na rede se orientam pela transmissão de informações para o exercício pleno da cidadania - em associações de bairros prioritariamente - os temas com que lidam são diversificados. Assim, o Fórum se apresenta como uma ótima oportunidade de se fazer não só o curso de reciclagem, mas uma reciclagem espontânea - nas ruas, nos eventos, na movimentação. “Queremos conhecer a experiência de movimentos sociais de outros países, ver se existem escolas de formação de educadores populares, nos moldes do que nós fazemos, para podermos nos atualizar”, explica Maria de Jesus, para quem a ida ao Fórum também pode significar a oportunidade de entrar em contato com modelos de geração de recursos que possibilitem a sustentabilidade das organizações.

A vice-presidente da Associação de Negros do Estado do Goiás (Anego), Soleni Fátima dos Santos, declara a intenção da organização: “Queremos descobrir, promover trocas com todos que vão participar e aprender a lidar com o terceiro setor”. Em Porto Alegre, Soleni e seus companheiros poderão apresentar a experiência de operarem o SOS Racismo de seu estado. Para ela, a grande expectativa com relação ao novo governo e as mudanças que pode causar servirão para “esquentar” as expectativas e debates no encontro. Assim como a maioria dos participantes, Soleni pretende aproveitar as oportunidades de articulação e desenvolvimento institucional. “Hoje, se existe fome no Brasil, é também de respeito e dignidade. A sociedade precisa da ajuda das ONGs e precisamos atuar para ver se muda alguma coisa”, enfatiza a representante da Anego.

Entre as instituições paraibanas, o Bamidelê – Grupo de Mulheres Negras da Paraíba garantiu presença no FSM, e já tem seus ojetivos bem traçados. “Vamos visitar sempre o acampamento da juventude para ter acesso às experiências em protagonismo juvenil. Isso nos ajudará a implementar em João Pessoa um projeto de prevenção às DST/Aids entre negras adolescentes, público-alvo da organização, e torná-las multiplicadoras, estimulando justamente o protagonismo juvenil”, relata uma das coordenadoras do grupo, Solange Pereira da Rocha.

As Mesas de Diálogo e Controvérsia são novidade neste Fórum. Delas, participarão representantes de governos, partidos políticos e órgãos das Nações Unidas para debaterem com membros de organizações do terceiro setor. A intenção, ao contrário do que pode parecer à uma primeira vista, não é produzir consenso. É marcar e esclarecer as diferenças, nos pontos de vista e nas propostas dos diferentes setores. As mesas já exerceram a atração sobre o Bamidelê: além de coletar informações específicas para suas iniciativas, está nos planos do Bamidelê “assistir às palestras, ouvir as propostas neste mundo globalizado, sobre as questões alternativas”, afirma Solange.

Encontrar interlocutores em temas específicos

Algumas organizações se dirigem ao Fórum para procurar - além de se inteirar sobre o debate corrente das ONGs e movimentos sociais - informações específicas da área em que atuam. É uma especificidade que a profusão de participantes diferentes permite. “Nós normalmente participamos dos Fóruns Sociais Mundiais, articulada com outras organizações que trabalham com agricultura familiar, desenvolvimento agrário e agroecologia”, diz Jorge Schanuel, da Fundação Rureco, entidade paranaense que atua em prol do desenvolvimento econômico rural da região em que se insere. É sobre aqueles temas citados por Schanuel que vão estar a maior parte da atenção dos representantes da Fundação Rureco no FSM. A intenção é acompanhar as discussões e novas propostas de assuntos como nova base tecnológica para o meio rural, não agressiva ao meio ambiente; promoção da agricultura familiar e reconhecimento da sua importância para o desenvolvimento agrário etc.

Schanuel destaca a diferença que observou entre a primeira e a segunda edição do FSM e que este ano deve notar de novo: “É muita gente. Isto denota a importância que este espaço ganhou, tornando-se referência para a busca de alternativas. É interessante notar, pela maior participação das pessoas, que existe esta angústia de buscar alternativas. Essa é a nossa experiência lá e esperamos que continue sendo assim.”

A Associação dos Artesãos do Rio Grande do Sul (Associarte) pretende encontrar no Fórum informações sobre economia solidária e auto-gestão, além das discussões sobre políticas públicas em geral. “Queremos ver o que os outros estão fazendo”, afirma a presidente da entidade, Maria Amorim. Para ela, há debates importantes tanto para a sociedade quanto para a Associarte, especificamente. “Vivemos em uma realidade em que os empregos estão em extinção. Nós precisamos nos unir, trabalhar em conjunto – até para conseguirmos autonomia, para nos mantermos.” A presidente lembra também que globalização – um dos alvos-chave de discussão nas mesas oficiais do Fórum - vem acarretando a padronização da arte e a perda da identidade e tradição cultural de alguns grupos. Portanto, encontrar interlocutores para este debate é também intenção da associação no FSM. Maria expressa ainda preocupação ecológica ao lembrar que materiais não danosos ao meio ambiente vão ganhar atenção especial nas oficinas das quais a Associarte participará. Por fim, a artesão deixa um recado: “Nós vamos estar interessados nestas questões, mas é interessante notar que todo mundo que quiser, sempre vai ter algo para ver ou participar no Fórum - além de o evento ser maravilhoso e a cidade ficar toda tomada, linda”, derrete-se a gaúcha.


Maria Eduarda Mattar

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer