Autor original: Julio Cesar Brazil
Seção original: Uma entrevista semanal sobre temas relevantes para o Terceiro Setor
Somos 800 Catadoras e Catadores e representamos milhares de companheiras e companheiros do Brasil, do Uruguai e da Argentina. Queremos compartilhar com todas as pessoas a rica experiência de lutas, dificuldades, sonhos e conquistas vividas neste Congresso.
Esta luta não começou agora. Ela é fruto de uma longa história de mulheres e homens que, com seu trabalho de Catadores, garantiram a sobrevivência a partir do que a sociedade descarta e joga fora.
É uma história em que descobrimos o valor e o significado do nosso trabalho: coletando e reciclando materiais descartados, somos agentes ambientais e contribuímos com a limpeza das cidades. A organização de associações e cooperativas criou a possibilidade de emprego e renda para os setores mais excluídos da sociedade. Por tudo isso, o trabalho e as organizações dos Catadores são uma luz que aponta na direção de um novo modelo de desenvolvimento para nossas cidades e para nossos povos. Nossa experiência mostra que todas as pessoas podem ser muito mais felizes e saudáveis. Basta dar valor a tudo e reciclar tudo o que for possível, reciclando a própria vida.
Por que há, no entanto, tanta gente que não vê isso e não se junta a nós? O Congresso nos ajudou a entender o que vivemos no dia-a-dia: fazemos parte de sociedades em que valem mais as mercadorias do que as pessoas e a natureza. Só se dá valor às coisas que se pode vender para aumentar os lucros. Tudo que sobra - até mesmo as pessoas - é jogado fora. Não se presta atenção ao que é tirado da natureza para fazer as coisas que compramos, e menos ainda ao que acontece com a natureza a partir do que se joga fora.
A mesma dominação capitalista que gerou essa mentalidade está exigindo, nos últimos anos, uma liberdade total para as grandes empresas e bancos fazerem negócios em todo o mundo. Ela não respeita nada, nem mesmo a cultura e a soberania dos povos. Usa até mesmo a guerra para consumir armas e como instrumento para se apropriar do resto das riquezas naturais do Planeta. Em nossa América, a ALCA é o caminho escolhido para colocar nossos povos sob o domínio do império econômico e militar estadunidense. Sua implantação retirará de nossas mãos o poder de decidir sobre o nosso destino. Perderemos o poder de decidir sobre o melhor uso das riquezas existentes, como a água e a biodiversidade, bem como o de escolher a melhor maneira de reciclar os resíduos sólidos, reciclando, ao mesmo tempo, a nossa vida e a vida de toda a sociedade.
Não aceitamos esse projeto dos capitalistas. Ele é portador de exclusão e de morte para a maioria da humanidade. Nossa experiência de Catadoras e Catadores nos mostra que é possível e já estamos abrindo um caminho novo e diferente, portador de vida para todas as pessoas e para o meio ambiente da vida. Olhando para o futuro e com grande esperança, os participantes do 1º Congresso Latino-americano de Catadores assumem e convidam as pessoas e povos a assumirem com eles os seguintes compromissos:
- lutar em favor da organização de todos os Catadores e Catadoras em associações ou cooperativas, reforçando os Movimentos dos Catadores existentes, superando a fome e a exclusão por meio de iniciativas que gerem trabalho e renda;
- intensificar o intercâmbio e a articulação entre as iniciativas e organizações de Catadores de recicláveis dos países do Mercosul e de toda a América Latina, visando a construção de redes de cooperativas, associações e empresas comunitárias e uma futura criação de um movimento latino-americano deste setor;
- trabalhar em favor de uma maior integração das comunidades de nossas cidades com as organizações de Catadores através de políticas e programas de educação ambiental, garantindo sua cooperação na separação e entrega dos recicláveis, no controle das ações dos governos, na valorização do trabalho dos Catadores, na participação em Fóruns de Gestão das políticas públicas;
- conquistar, junto aos governos, o reconhecimento do trabalho dos Catadores na limpeza pública e a regulamentação da nossa profissão;
- garantir programas de alfabetização e de formação para os Catadores que não tiveram oportunidades;
- lutar pela revisão da legislação do cooperativismo para facilitar a implementação e o funcionamento do sistema no processo de organização dos Catadores;
- lutar por novas formas de acesso dos Catadores aos benefícios da Previdência Social;
- lutar contra a privatização do setor e garantir que os programas de coleta seletiva sejam implementados prioritariamente em parceria com as organizações de Catadores;
- garantir que os investimentos do governo federal brasileiro para o setor de resíduos sólidos urbanos sejam condicionados à implantação da coleta seletiva em parceria com as organizações dos Catadores;
- lutar pela erradicação dos lixões e implantação de aterros sanitários e pela garantia de investimentos para a implantação de infra-estrutura para o trabalho dos Catadores através de suas organizações;
- lutar por uma legislação que exija que as empresas geradoras de resíduos sólidos assumam com responsabilidade o seu destino correto;
- dar passos concretos para garantir o domínio da cadeia produtiva por parte das organizações dos Catadores, articulando-se com outros movimentos sociais para garantir que as propostas de leis e de políticas públicas referentes à coleta, triagem e industrialização de resíduos sólidos, elaboradas pelos Catadores, sejam assumidas pelos governos;
- lutar por políticas públicas de fomento e incentivo para a capacitação e formação, com autonomia pedagógica das organizações de Catadores; lutar pela criação de linhas de crédito específicas para grupos organizados de Catadores;
- exigir a garantia da integração dos Catadores na política de saneamento ambiental;
- lutar em favor de políticas de meio ambiente e de investimento em tecnologias adequadas de industrialização;
- lutar em favor de nova modalidade de contrato de prestação de serviços entre as prefeituras e as organizações de Catadores na Coleta Seletiva; mobilizar nossas organizações contra a guerra ao Iraque e contra a militarização do Continente Americano com bases estadunidenses, reforçando a luta pela paz.
Caxias do Sul, 20 a 23 de janeiro de 2003.
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