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Denúncias e ameaças, na luta contra a tortura

Autor original: Marcelo Medeiros

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Recentemente o grupo Tortura Nunca Mais de Minas Gerais manifestou-se publicamente contra a indicação do coronel da polícia militar mineira e ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar, Severo Augusto da Silva Neto, para o cargo de secretário-adjunto na Secretaria Nacional de Segurança Pública. O oficial é acusado de ser conivente e mandante de tortura, além de estar sendo julgado por falsidade ideológica na Justiça Militar. A insistência da organização em apontar a contradição de Silva Neto ocupar um cargo no governo fez com que ela fosse alvo de ameaças.


O major da PM de Minas Gerais, Domingos Sávio Mendonça, em declaração à imprensa, disse que “enquanto (a polícia) não se revoltar e se indignar, isso não vai ter fim (...) se continuar dessa forma, a gente não sabe até onde a paciência do ser humano tem limite (...). Os policiais estão indignados com essa perseguição. Nós sabemos que em todos os locais têm pessoas que não estão dentro do seu equilíbrio normal. Então, nós já assistimos a atos violentos contra um Promotor (...). Ficar assolando, provocando, a policia não é boa medida não”.


A atitude do major, que também é presidente da Associação de Oficiais da PM-MG, indignou os ativistas do Tortura Nunca Mais. Em entrevista à Rets, Heloísa Bizoca Greco, membro do grupo, comenta as ameaças e se posiciona contra o coronel Severo. “Não vamos nos acuar. Se fizéssemos isso não avançaríamos nenhum passo em nossa luta”, diz.


Rets - Quais são as acusações contra o Coronel Severo Augusto da Silva Neto?



Heloísa Greco - Nos últimos quatro anos, o Coronel Severo primeiro foi Comandante de Policiamento da Capital e depois Chefe do Estado Maior da Polícia mineira. A política de segurança pública nesse período foi caracterizada pelo aumento exponencial de violações aos direitos humanos, inclusive com casos de tortura e aumento da violência policial. Ele se notabilizou por ser policial de ricos – o que é comum. A maioria das vezes é assim mesmo, a polícia defende a propriedade do Estado e dos ricos apenas.



Ele é réu de dois processos, um na Justiça comum e outro na Militar. O primeiro caso data de um fato ocorrido em 2000. Naquele ano, uma televisão a cabo mineira, a TV Horizonte, foi roubada. A sede dela fica próxima à Assembléia Legislativa de Minas Gerais e o coronel Severo costumava ir a alguns programas na emissora, cujo dono é seu amigo. O incidente foi registrado devidamente. Até aí, tudo bem.


O problema começou quando um menino que trabalha na assembléia, chamado Hézio, comentou durante o almoço que um vizinho seu estava vendendo uma câmera com as mesmas características de uma das que foram roubadas. A informação chegou ao coronel, que designou cinco policiais da P-2, a polícia secreta mineira, para cuidar do caso. Isso já estava errado, pois o caso era de responsabilidade da polícia civil. Os policiais seqüestraram o Hézio para saber quem era o tal vizinho e qual sua relação com ele. Deram um pau nele e o menino explicou que não era ele quem estava vendendo a câmera. Foram então até o vizinho, chamado Luis Eduardo, e fizeram tudo de novo. Nada foi encontrado e depois chamaram o Hézio para “conhecer” o chefe deles, o coronel Severo. O garoto chegou de lá cheio de hematomas e nada foi feito.


Em seguida, o Hézio foi até a Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público de Minas e fez a denúncia, acatada pelos promotores e enviada à Justiça. O caso ainda está sendo julgado, mas é muito significativo, pois é raro que denúncias sobre tortura virem processo judicial. Geralmente elas são feitas e não são aceitas, ou são “perdidas”. Mais raro ainda quando envolvem oficiais de alta patente. O coronel Severo está sendo acusado de conivência com a prática de tortura e de ser mandante da ação.



Rets - E o outro caso?


Está na Justiça Militar e data de maio de 2002. A acusação é de falsidade ideológica, artigo 312 do Código Militar. Naquele mês, cinco jovens foram pegos com cocaína em uma operação da polícia. Foi feito boletim de ocorrência, mas eles eram de classe média, sendo que um é filho de um coronel do exército, ex-integrante do SNI (Serviço Nacional de Inteligência), chamado Dirceu Antônio Bovolin, na época assessor da Secretaria Nacional Anti-Drogas (Senad). O coordenador da operação recebeu ordens de liberá-los e suspender a ocorrência. Este caso também está em julgamento.


Rets - E quanto às ameaças? Quando elas começaram?


Quem fez ameaças foi o major da Polícia Militar Domingos Sávio Mendonça, que também é presidente da Associação de Oficiais da PM-MG, por meio de declarações à imprensa. Ele também é amigo do Coronel Severo. Eu acho muito grave, pois não foi qualquer PM quem falou, mas o presidente da associação. O pior é que até agora não houve nenhuma advertência ou censura às declarações por parte do Estado ou da PM.



Rets - Como você as recebeu?


Acho esse tipo de atitude intolerável. Já atuo há bastante tempo nesse meio, já enfrentei muitas situações semelhantes, mas a gente não se acostuma. Já entramos com representação contra o major. Não vamos nos acuar. Se fizéssemos isso não avançaríamos nenhum passo em nossa luta.


Rets - Com tantas denúncias graves, como você encarou a indicação do Coronel Severo para a Secretaria Nacional de Segurança Pública?


Fiquei perplexa. O Nilmário Miranda, hoje Secretário Especial de Direitos Humanos, conhece bem Minas Gerais e não sei por qual razão cismou que o Severo deveria assumir um cargo na Secretaria de Segurança, que é tão importante. O que a gente fez foi tornar públicas essas duas ações do Ministério Público.


Para mim, os direitos humanos e o fim da tortura são princípios inegociáveis. O Nilmário chegou a ser candidato ao governo de Minas pelo PT, ele tem responsabilidade nessa indicação. Estão traindo princípios que são sagrados para nós.


Rets - O Movimento Tortura Nunca Mais redigiu uma nota de repúdio às ameaças e à indicação do Coronel Severo para a Secretaria Nacional de Segurança Pública (veja link ao lado). O coronel, entretanto, percorreu redações de jornais mineiros com documentos que afirmavam que algumas adesões eram falsas. Isso é verdade?


Ele não só percorreu redações como telefonou para diversas entidades para que elas retirassem a assinatura da carta ou se manifestassem a seu favor. Até agora só uma, o Pólo de Reprodução de Cidadania da Faculdade de Direito da UFMG, retirou apoio. Não nos cabe avaliar o porquê, são problemas internos deles. Já temos 156 assinaturas até o momento, entre entidades e pessoas.


Rets - A tortura ainda é uma prática comum?


Em dezembro de 2002, o jornal Estado de Minas publicou uma reportagem com alguns números da violência policial entitulada “Polícia sustenta tortura”. De acordo com a matéria, em 2002 houve 122 casos de tortura policial em Minas e diversos casos de abuso de poder. Em 2001, foram 228 denúncias. Nesses dois anos, foram contabilizadas 453 denúncias de violência policial. Durante esse tempo, o Coronel Severo exercia importantes cargos na polícia militar mineira. O Severo é um marqueteiro. Ele faz e acontece e muitos - uns mais, outros menos ingênuos - acabam enredados em suas histórias.


Rets - Antigos torturadores ainda estão presentes nas polícias?


Volta e meia descobrimos algum caso. Recentemente tivemos o caso do Carlos Alberto Del Menezzi, que trabalhava no governo Fernando Henrique e acabou afastado depois de denúncias de envolvimento com torturas. Hoje não sabemos por onde ele anda. Há ainda o Ronaldo de Souza, que foi candidato a deputado estadual nas últimas eleições pela coligação PT-PL.


Rets - Por que a tortura persiste?


Ela é praticada nos porões. É a instituição mais sólida que temos hoje em dias nas PMs. É um legado terrível da ditadura, que serve para manter a população reprimida.


 


Marcelo Medeiros

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