Autor original: Julio Cesar Brazil
Seção original:
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Em 1989, quando se tornou o primeiro homem a caminhar até os dois pólos do planeta, Robert Swan não sabia da guinada que sua vida daria a partir da ECO-92. Na ocasião, ele se comprometeu frente aos líderes mundiais a fazer uma ação global na área de meio ambiente que estabelecesse um exemplo para os mais jovens, sem esquecer de contemplar ações no plano local. A partir daí surgiu a Missão Antártica - que envolveu a remoção de mil toneladas de lixo do continente antártico - e a parceria com a loveLife, organização sul-africana que trabalha no combate à Aids. As experiências das iniciativas foram relatadas na Rio+10, ocorrida em Joanesburgo no ano passado, onde, com a apresentação dos resultados das atividades, as missões foram dadas como cumpridas.
Estando no Brasil por causa da Cúpula do Jovem Cidadão África-Brasil, organizada pela Inspia! (ONG que hoje em dia congrega os projetos iniciados por Robert), o explorador e ativista conta em entrevista exclusiva à Rets o que determinou seu engajamento em ações em prol do meio ambiente, fala sobre a possibilidade de desenvolver projetos diretamente no Brasil e se mostra um obstinado por promover mudanças antes que seja tarde.
Rets - Como você se transformou de explorador em um ativista em prol do meio ambiente e na luta contra a Aids?
Robert Swan - As pessoas normalmente estão interessadas no fato de eu ter andado para os pólos Sul e Norte. O fato é que durante estas experiências eu passei por momentos muito críticos, em contato com a natureza. Sempre fui uma pessoa muito próxima à realidade. Por exemplo, eu sei muito claramente como é ser pobre no Rio de Janeiro, só por um período curto. Eu já havia estado aqui, quando tinha apenas 21 anos, e o navio no qual eu ia embora teve um problema no motor e não chegou aqui a tempo. Eu tinha U$ 5 para permanecer aqui no Rio durante 14 dias, por minha conta, naquela idade. Por isso eu digo que toquei a pobreza.
Voltando à questão de como eu migrei de "a pessoa que andou até os dois pólos". É muito simples. Não sei dizer por que andei até os dois pólos, porque odeio andar. Não sou explorador. Existem várias coisas melhores para eu fazer da minha vida do que viver numa tenda, com vários homens. Mas eu fiz pelo simples fato de fazer. Provavelmente, se nada tivesse acontecido, eu teria simplesmente feito e ponto. Mas o que operou a mudança em mim foi o que vimos nestas jornadas. Quando caminhamos até o pólo Sul, usávamos óculos escuros de custavam U$ 2 mil por par. Mesmo com isso, meus olhos começaram a queimar, sentia dores. Nossos rostos... você espera queimadura por causa do vento frio, mas não que seu rosto se encha de bolhas e que sua pele comece a cair, como aconteceu. Eu tinha olhos azuis-escuro e meus olhos mudaram de cor [aponta para os olhos que hoje em dia são azul piscina]. Nossa pele foi "fritada". Tudo por causa do buraco na camada de ozônio embaixo do qual passamos. Não sabemos como, mas nos disseram que andamos embaixo de um buraco na camada de ozônio lá. Fomos as primeiras pessoas a fazer isso. Essa foi minha primeira exposição a esta realidade.
Além disso, na Antártica vimos um território que não pertence a ninguém e as pessoas se comportando como se fossem donas e deixando lixo num lugar que, na verdade, pertence a todos nós. Nos perguntamos: "O que está acontecendo?".
Rets - E foi a partir deste "choque" que você resolveu se engajar em projetos ambientais que pudessem ajudar a mudar esta realidade?
Robert Swan - Eu pensei: "Bom, andei até o pólo Sul e o Norte. As pessoas por alguma razão pensam que eu sei as respostas, mas eu não sei". Mas tive minha face queimada, meus olhos queimados duas vezes - pois enfrentamos dois buracos na camada de ozônio, um também no pólo Norte. (Eu costumava ter um sonho, ainda tenho às vezes, de que um da eu iria acordar e meus olhos estivessem completamente brancos.) Quando nós andamos para o pólo Norte, a calota polar derreteu, nós quase morremos. Ela deveria derreter em agosto e derreteu em abril. Isso nunca tinha acontecido na história do Ártico. Tinha visto estas coisas, que me preocuparam e as pessoas pareciam ficar somente discutindo se existiam ou não. Eu de fato vi o gelo derretendo e andei sob o buraco na camada de ozônio. E também vi jovens simplesmente irritados com a realidade, com tudo. Eu pensei: o que fazer?
E então, embora ela fosse uma pessoa bem estranha e que provavelmente gostava de mim pelos motivos errados, a então primeira-ministra da Grã-Bretanha, Margaret Tatcher, me chamou e disse "Robert, você tem que ir para o Rio de Janeiro, para a Cúpula da Terra". Imaginei que seria legal vir de novo ao Rio de Janeiro - dessa vez com dinheiro. Então vim para cá para a ECO-92 e, porque nós tínhamos hasteado a bandeira das Nações Unidas no pólo Norte, os líderes mundiais na conferência me pediram para falar, representando os jovens, com os chefes-de-estado aqui reunidos. Fiz isso e me comprometi a realizar, junto com a nossa equipe, uma ação global e uma local e reportá-la na Rio +10 [que aconteceu em Joanesburgo, África do Sul, em 2002].
Rets - Foi assim que surgiram a Missão Antártica e a parceria com a loveLife?
Robert Swan - Sim. A Missão Antártica consistiu na remoção de mil toneladas de lixo do continente antártico, mais especificamente da base russa de Bellingshausen. Os russos haviam deixado todo o lixo na base porque não tinham mais dinheiro. Eram basicamente máquinas, nada tóxico, um pouco de petróleo etc. Foi uma grande e boa briga. A Missão Antártica teve uma importância muito simbólica: envolveu 200 pessoas, 18 nações, ou seja, foi um esforço global. Entretanto, e isso é uma coisa pela qual eu tenho orgulho do nosso time, nós tentamos enxergar como podemos ser relevantes para as pessoas mais jovens. Remover mil toneladas de lixo da Antártica é relevante para os jovens, globalmente. No entanto, remover mil toneladas de lixo não é relevante para os jovens da África. Porque lá há gente morrendo de fome, o suprimento de água é péssimo e há 30 milhões de pessoas com Aids.
Considerando isso, a remoção do lixo torna-se um tanto esquisita, bizarra. Foi por isso que estabelecemos parceria com a loveLife, que está engajada na luta contra a Aids. E, acredite, assuntos como a Aids têm que ser considerados e cuidados antes de se pensar em sustentabilidade. Ora, não se tem alguma coisa sustentável se está todo mundo morrendo. Essa foi a ação local da Missão Antártica. Então, cumprimos estas duas missões e fomos à Cúpula Mundial, relatamos as experiências aos líderes e posso dizer que fizemos um bom trabalho.
Rets - Você pode falar um pouco mais sobre a parceria com a loveLife? Como foi a ação local na África?
Robert Swan - A loveLife está engajada na luta contra a Aids. Existem sete milhões de pessoas com a doença na África do Sul. Isso corresponde a toda a população do Rio de Janeiro. Nossa missão era percorrer o país, promover eventos esportivos, reunindo crianças e adolescentes que nunca haviam visto o mar ou um veleiro com a minha equipe, que já tinha estado na Antártica comigo. A intenção era inspirar os meninos e meninas a se juntarem à loveLife e não contraírem Aids. Ou seja, a "limparem seu ato", ou, em outras palavras, "usem camisinha". E também houve algumas ações acerca do lixo nas localidades visitadas, coletando informações sobre manejo de resíduos e sobre experiências bem-sucedidas, mas o principal assunto era combater a Aids.
Rets - O que chamou sua atenção na questão do gerenciamento de resíduos e o que pode ser aplicado em outros lugares?
Robert Swan - Tenho que ser realista. O nosso trabalho é ser um catalizador e estabelecer elos entre as pessoas. Não posso forçá-las a usarem estes elos. Nossa equipe, principalmente os que participaram da Rio+10 ano passado, vêm enttrando em contato com outras pessoas e, na verdade, está a cargo deles concretizarem novas ações, reunindo o que encontramos e replicando em outros países. Eu não posso fazer tudo isto. Mas, sim, estamos dando chance às pessoas de fazer isso. Se fizerem, muito bem. Se não, ao menos tentamos.
Rets - O seu trabalho e o da Inspia! são muito voltados para o estabelecimento de exemplos para crianças e adolescentes, não é verdade?
Robert Swan - Eu tinha um sonho desde os meus 11 anos de andar até os dois pólos. Por nenhuma razão em especial, só para fazer. E achei que nossa história foi bem recebida, com animação, pelos mais jovens, porque eu apareço como uma espécie de "homem louco" que tinha uma idéia e que a realizou, sem grandes motivações... só por fazer. Ou seja, isso os inspira. Aliado a isso observei que havia pessoas que há 10, 15 anos estavam se esforçando e batendo na tecla no meio ambiente - em outras palavras o Greenpeace, Friends of the Earth, todas estas instituições - realizando aquelas ações envolvendo baleias, sangue etc. para chocar as pessoas. E de repente percebi que os mais jovens são, sim, inspirados pelo choque, mas quando este continua, sem trazer algo de mais substancial, eles pensam: "qual o sentido disso? Por que fazer qualquer coisa se na verdade vamos todos morrer na semana que vem?". Então concluí que aquelas ações para chocar são boas, mas também é necessário algo positivo, que dê esperança, para os garotos e garotas. Eu e minha equipe decidimos, então, fazer alguma coisa para suprir essa carência de ações mais positivas sobre o meio ambiente entre os jovens, sermos uma espécie de Indiana Jones do meio ambiente. Então decidimos que iríamos envolver os jovens. Você não inspira pessoas desta idade falando com elas. Você as inspira envolvendo-as.
Quando fomos para o pólo Norte, em 1989, decidimos fazer alguma coisa já com esta perspectiva de envolver os jovens. Tínhamos na nossa equipe 22 jovens, de 15 nações diferentes, incluindo uma garota do Brasil. Eles ficaram em nossa base - que estava situada no limite do Ártico -, enquanto oito de nós, de 7 nações, andamos até o pólo. Este foi nosso primeiro passo, com nada dramático ou fenomenal, apenas jovens felizes e contentes lá, como uma coisa despretensiosa. Na época eles só fizeram uma espécie de resumo da jornada e compartilhávamos um certo sentimento de que nós iríamos fazer alguma coisa importante. Mas, nós todos fizemos bastante coisa desde então. Tudo que fazemos eu tenho que levantar o dinheiro, eu levanto cada dólar, não temos uma executivo de relações-públicas, departamento de marketing. São só cinco pessoas na nossa equipe. E, se podemos fazer o que fizemos com apenas cinco pessoas, podemos fazer ainda mais. Isso é uma mensagem importante para ONGs.
Rets - Quais são os planos para o futuro da Inspia!?
Robert Swan - Bom, no momento sabemos que cumprimos nossos dez anos e temos que ser sustentáveis. Não podemos simplesmente levantar questões e deixá-las no ar. É o que Jacques Costeau, um grande amigo, uma vez me disse: atenha-se ao assunto. Ele era um oceanógrafo; não ia de repente dizer que ia para o deserto, entende? Manter-se na sua área. Então temos que continuar com o que já conquistamos: nossa relação com a loveLife e com jovens na África do Sul, para o combate à Aids. E também temos que começar a trabalhar com corporações que sejam sérias e não superficiais quando tratam do meio ambiente.
Muitas pessoas pensam assim: fizemos nossa parte. Agora, podemos ir para uma ilha deserta, abraçar árvore, essas coisas. Mas nós queremos recomeçar. Temos que ser sustentáveis. Então, o veleiro que está aqui no Rio voltará para a África do Sul e começará uma circunavegação da costa da África, trabalhando a questão da Aids, inspirando as pessoas a "limparem seu ato", que é o lema da nossa parceria com a loveLife.
Em dez dias eu vou à Antártica de novo para implementar um sistema de gestão de resíduos para os russos, cujo lixo nós limpamos, para assegurar que não tenhamos que limpar de novo. Mas também para reverter uma situação: na época da Missão Antártica, todo "riram" dos russos, apontavam para eles. Agora eu quero que os russos possam apontar para outras nações com bases na Antártica e perguntar: "Vocês estão lidando com as coisas da maneira limpa como nós estamos?". Essa será a missão. Então, esta será a nossa maneira de tentarmos ser sustentáveis: continuar trabalhando na Antártica nos próximos anos e dar a volta na África. Tentaremos fazer isso de um modo inspirador e positivo, envolvendo as pessoas para que enxerguem além das ações em si e tentem encontrar soluções.
Rets - Você vê algum desafio ambiental para o Brasil?
Robert Swan - Sim. A única razão pela qual vocês brasileiros reciclam 80% de suas latas de alumínio é porque boa parte do país é preguiçosa. Então o desafio ambiental para o Brasil é que vocês não podem simplesmente ser "verdes", ter muitas áreas verdes etc. Têm que haver considerações muito cuidadosas feitas a respeito de temas como ecoturismo. Vocês não podem de repente decidir que o estado do Mato Grosso é um parque, por exemplo. O desafio ambiental para este país é fazer links entre a indústria, o turismo, o dinheiro à proteção ambiental. Vocês reciclarem 80% das latas de alumínio é uma prova de que isso pode funcionar. O fato de pessoas pobres estarem tirando um sustento da coleta de latas é ótimo.
E acho que as pessoas mais ricas deste país deviam arregaçar as mangas e fazer alguma coisa e não ficar só esperando que as pessoas pobres limpem as ruas. Parece uma atitude de alta classe britânica de antigamente. Vejo um pouco disso acontecendo aqui, o que acho um pouco estranho. As pessoas ficam só discutindo o que é bom para o meio ambiente, mas na verdade não estão fazendo muita coisa. Acho que é preciso uma chamada à ação a fim de melhorar as pessoas deste país. Para elas levantarem e fazerem alguma coisa. Sem querer ser rude, é isso acho que eu acho que é necessário para o Brasil.
Rets - Como foi a Cúpula do Jovem Cidadão África-Brasil, que aconteceu de 7 a 9 de fevereiro? E quais ONGs brasileiras estavam envolvidas?
Robert Swan - As organizações brasileiras que participaram foram a Fundação Onda Azul, que trabalha com reciclagem e cultura; o PCCVJ - Projeto Coca-Cola de Valorização do Jovem; o Viva Rio, que compareceu com os projetos Jardineiros do Bairro, Estação Futuro e Luta pela Paz; o Nós do Morro, que trabalha com teatro entre jovens de favelas; o AfroReggae; o Jongo da Serrinha; e a Companhia dos Importantes - Esperança no Teatro.
Infelizmente, o evento ficou muito restrito à nossa equipe e aos participantes brasileiros. Quase nenhum público. Parece que não é uma boa idéia fazer um evento no final-de-semana no Rio de Janeiro. Tivemos certos problemas com isso. As pessoas provavelmente estavam nas praias. Ficamos um pouco decepcionados com isso, pois não é sempre que se consegue juntar um grupo de meninos e meninas pacíficos da África do Sul, que têm algo a dizer sobre suas vidas e tinham feito toda aquela viagem de veleiro até aqui. Além disso, juntamos um ótimo grupo de ONGs, com boas pessoas jovens e vibrantes, tomando decisões sobre o que podem fazer ... e cinco pessoas assistindo a isso. Completamente decepcionante. Mas, mesmo assim, nós fizemos.
E estou orgulhoso por ter um encontro marcado com o presidente brasileiro nos próximos dias, em Brasília. Vou poder contar a ele o que vimos fazendo e ver se há alguma coisa que o governo esteja fazendo e que nós possamos apoiar. Se isso quiser dizer que eu estarei representando só a nossa equipe, as ONGs que participaram e as cinco pessoas que assistiram ao evento, isso significa que enquanto as pessoas estão nas praias, nós estamos seguindo adiante. Um dia pode ser que aquelas pessoas fritem ou se afoguem no seu próprio lixo. E enquanto eles estão lá, nós estamos tentando alguma coisa. Tudo o que eu posso dizer é que eu não quero que se voltem para nós, todos queimados por causa do buraco na camada de ozônio, por exemplo, dizendo "oh, nós não sabíamos".
Rets - Qual foi a mensagem que os jovens sul-africanos trouxeram para a troca de experiências com os adolescentes brasileiros?
Robert Swan - Eles conseguiram basicamente passar a mensagem de que as pessoas pobres no Rio não são as únicas do mundo, que as pessoas vivem na África do Sul em condições parecidas. Além disso, abriu os olhos e horizontes deles o fato de terem ido a favelas. Foi interessante ver os moradores destes locais conhecerem os sul-africanos, que mostraram fotos de suas casas - simples cabanas de madeira.
Além disso, pudemos perceber muitas mensagens tácitas. Os jovens se dando conta de que fizeram as coisas acontecerem, vieram ao Rio, viajaram em um veleiro. Meses atrás estavam parados pensando qual "o sentido das coisas?", "como podemos fazer as coisas acontecer?". Portanto, a mensagem básica foi integração e a noção de que as coisas não são tão difíceis quanto se pensa que elas são. Há muita gente lutando também.
Isso sem falar na esperança, na animação, no monte de cores, de paixão... foi ótimo. Foi bom também para me dar embasamento para chegar ao presidente de vocês e dizer "nós queremos fazer isso, isso e isso. Você pode ajudar?"
Rets - Você tem a intenção de desenvolver alguma coisa pessoalmente no Brasil?
Robert Swan - Estou esperando para ver o que acontece. Me interessaria muito por causa das pessoas que fazem alguma coisa, não ficam só falando. Acho que seria importante lutar aguerridamente contra a apatia. Eu sinto isso bem próximo. Fazemos estas coisas incríveis e ninguém nunca fica sabendo. Se eu matasse pessoas - se vez ou outra jogasse alguém de um precipício ou atropelasse alguns com um caminhão - as pessoas saberiam mais sobre mim do que eu mesmo. Esse é um problema que provavelmente vários dos leitores da Rets enfrentam - eles tentam fazer coisas boas e ninguém liga. Minha mensagem para eles é: não desistam!
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