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Tradição e cultura para articulação

Autor original: Viviane Gomes

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Mas, como a permanência das comunidades remanescentes de quilombos não seria possível sem a força e rigidez de suas tradições, a cultura destas pessoas e lugares também é fator importante. O fato de usarem coletivamente a terra é uma destas heranças. Outra, valorizada e fomentada ao máximo pelo Grupo Jongo da Serrinha, é o próprio jongo. Na comunidade quilombola de Valença (fazenda São José da Serra) a ONG desenvolve atividades de preservação da cultura local. "Eles constituem um núcleo de jongo primitivo. São descendentes diretos dos bantos, negros da região do Congo-Angola na África, traficados para o Brasil, que deram início ao jongo", explica Marcos André, do Jongo da Serrinha. A entidade faz eventos culturais diversos e ações de registro da cultura do quilombo. A fazenda São José da Serra revela outra tradição arraigada, conservada por poucos ainda hoje: lá não se casa com pessoas de fora.


No Maranhão, Ivo Fonseca, da ACONERUQ, relata que a preocupação com Educação e Cultura tem se traduzido em conversas com as prefeituras das áreas em que estão as comunidades quilombolas para implantação de escolas nas terras das mesmas. Além disso, segundo ele, existe também a noção de que é necessária a aplicação de conteúdos diferenciados para as crianças quilombolas - a exemplo do que membros dos movimentos negros pedem com relação à reformulação dos conteúdos escolares, principalmente os livros de História. "Estamos trabalhando nisso, ainda mais agora que existe a lei que obriga as escolas a ensinarem também a cultura afro-brasileira", diz Ivo.



Já Silvano, da ARQMO, relata a aproximação dos moradores das comunidades quilombolas do Pará com as pessoas das cidades, apesar das grandes distâncias: a comunidade remanescente de quilombo mais próxima de alguma cidade fica a três horas e meia de barco. Os moradores da comunidade mais distante de uma cidade demoram treze horas para chegar ao perímetro urbano. Mesmo assim, o contato freqüente com as cidades faz com que, nas comunidades quilombolas do Pará, as trocas sejam mais intensas e, assim, as tradições se percam ou se mesclem um pouco. "Várias pessoas de fora vão morar nos quilombos, em função de casamentos. Além disso, temos quilombolas católicos, da Assembléia de Deus e da Igreja Batista", exemplifica.



As constantes idas a cidades se deve à necessidade de comercialização do principal produto do estado: a castanha-do-pará. As comunidades quilombolas reunidas pela ARQMO produzem em grande quantidade o fruto, além de desenvolverem agricultura, pesca e caça de subsistência. A associação ajuda os grupos quilombolas a transportar e armazenar sua produção. A ARQMO investe ainda na formação dos moradores dos quilombos para gestão de suas áreas, levados pela preocupação com o manejo das terras. "Os próximos passos são obter a certificação orgânica para a castanha que produzimos,  desenvolver uma logomarca para os produtos quilombolas e montar uma cooperativa através da qual possamos agregar valor aos produtos e vender melhor para os comerciantes", diz Silvano, mostrando um belo exemplo de articulação e cidadania, vindo de pessoas que, por estarem nos rincões mais distantes do Brasil, tinham tudo para se esquecerem de sua condição de cidadãos, com direitos - já garantidos ou a conquistar.



Maria Eduarda Mattar

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