Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
Apesar da boa vontade, muitos jornalistas - ao fazerem matérias sobre pessoas com deficiência - acabam errando. Sem querer ou mesmo por desconhecer o uso de termos mais apropriados, acabam passando ao público preconceitos que ajudam a estigmatizar os deficientes como incapazes ou necessitados de favores da sociedade. Partindo dessas premissas, a organização não governamental Escola de Gente acaba de lançar o Manual da Mídia Legal – Comunicadores pela Inclusão. A publicação traz análises de matérias e anúncios onde aparecem más utilizações veiculadas na grande imprensa e dicas de como não cometer tais erros.
Resultado de um encontro com palestras e oficinas realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) no final do ano passado, quando alunos, professores, jornalistas, procuradores do Ministério Público e pessoas com deficiência se reuniram para debater o assunto, o manual conta com a colaboração de todos eles. Logo após o evento, foi apresentada a primeira edição, com poucos exemplares, esgotados no próprio evento de lançamento. Agora, a ONG lança efetivamente a publicação para ser distribuída: são mil exemplares à disposição das pessoas interessadas.
Em suas 100 páginas a publicação mostra quais termos devem ou não ser usados, realça a diferença entre “inclusão” e “integração” e comenta reportagens e peças publicitárias a partir do ponto de vista de universitários, de membros da Escola de Gente e de procuradores de justiça. Há ainda documentos e leis relacionados aos temas em questão, como a Convenção da Guatemala (ou Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiências) e o Decreto presidencial 3956 de 2001, que promulga a Convenção no Brasil.
Os erros e maus usos de palavras - e até mesmo na diagramação de jornais, que ligam fotos e títulos de maneira equivocada - se devem ao despreparo dos comunicadores e das faculdades. É isto que é defendido no manual. Pelo lado dos profissionais, o problema é a falta de atualização e checagem de informações antes de redigir o texto. Os cursos superiores, por sua vez, não valorizam o tema. “Não somos educados para lidar com as diferenças de maneira correta. É um problema não só das universidades, mas da educação em geral”, lamenta Marina Maria, estudante de jornalismo da Uerj e uma dos 15 universitários que participaram da elaboração da publicação. O objetivo da Escola de Gente é tornar estes estudantes multiplicadores dos conceitos aprendidos durante o Encontro.
Diferenças e análises
O primeiro passo para o comunicador redigir uma matéria correta, de acordo com o livro, é entender a diferença entre os conceitos de inclusão e integração. “A maioria das matérias usa o termo inclusão, mas fala de integração”, alerta o manual. Ambos tratam de inserção, mas carregam diferentes conotações. A integração seria uma inserção parcial e condicional, que pediria concessões ao sistema, entre outros pontos. Já a inclusão é a inserção total, que passa por transformações profundas na sociedade e por isso não procura, como a integração, esconder as deficiências para aumentar a possibilidade de inserção, mas procura demonstrá-las, pois são reais. “A inclusão tem a ver com a transformação do ser humano”, explica Alberto Arguelhes, da Escola de Gente. Esclarecidas as diferenças, o manual aconselha o uso de “inserção” quando não houver certeza.
A partir daí, seguem-se análises da Escola de Gente, dos universitários e de advogados sobre 14 matérias e propagandas. As críticas vão do uso de termos errados, passando pela falta de criticidade dos jornalistas até a promoção de preconceitos. Uma das principais constatações é que as peças jornalísticas consideram que pessoas com deficiência devem ser tratadas como “especiais” e não como cidadão com direito a acesso a tudo que qualquer outro possui.
Um exemplo foi reportagem de um jornal sobre a inauguração de uma praça destinada a cegos em Brasília. “Esta e todas as praças do Brasil precisam ser construídas ou reconstruídas para contemplar as infinitamente múltiplas condições humanas, com seus jeitos de falar, de andar, de ver, de pensar, de comer, de gritar e de se manifestar. Nem os indivíduos cegos devem se contentar com apenas uma praça só para eles, nem as pessoas sem deficiência visual devem entender todas as demais como de sua utilização exclusiva”, escreve Claudia Werneck, diretora da Escola de Gente. Para ela, "não basta mudar a terminologia. É preciso que cada profissional faça uma reflexão sobre seu próprio conceito de humanidade e pense se todas as pessoas estão incluídas nele. Parece uma coisa boba, mas a gente não faz".
Depois dos comentários, há um glossário, além de legislação e documentos relativos à inclusão de pessoas com deficiência. É impossível deixar de notar uma ironia. Uma das convenções, a da Guatemala, traz um termo desaconselhado pelo próprio manual. Mas isso não incomoda muito os autores. “Esse documento levou dez anos para ser redigido e os termos não eram objeto de análise. Hoje, ao aumentar nosso olhar, precisamos procurar melhor as palavras que usamos. Mas isso em nada invalida o conteúdo da convenção”, diz Alberto Arguelhes.
Para obter o Manual de Mídia Legal – Comunicadores pela Inclusão, basta ligar para o telefone (21) 2493-7610 e falar com Marina Maria. O envio é grátis, assim como o livro - graças ao apoio financeiro concedido pela Fundação Vale do Rio Doce. Há também a opção de baixar a publicação, em formato PDF, pelo site da Escola de Gente (ver link ao lado).
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