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Folia de criança

Autor original: Julio Cesar Brazil

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Carnaval também é momento de promover direitos. A brincadeira e a folia também podem passar mensagens sérias. É nisso que acreditam os integrantes do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), ONG que trabalha pela defesa dos direitos da infância e da adolescência. Neste Carnaval, os meninos e meninas estão saindo às ruas participando de blocos em diversas capitais e aproveitando a festa de momo para duas coisas importantes: se engajarem em lutas (como o combate ao racismo e a promoção do Estatuto da Criança e do Adolescente) e, principalmente, brincarem - como toda criança gosta. A Rets conversou com Eulange de Souza, coordenadora do Centro de Formação do MNMMR, que conta como folia e questões sociais e culturais podem ser celebradas juntas. "Levando as mensagens - ou simplesmente ajudando a difundi-las, engrossando o coro - eles atuam como multiplicadores de informações importantes. Os participantes têm a clareza de que esta é uma festa do povo e vêm percebendo que têm o direito de participar junto com as comunidades deles, da forma delas, da celebração do carnaval", diz ela.

Rets - Quais blocos já saíram às ruas e quais estão por vir?

Eulange de Souza - O Bloco Eureca (Eu Reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente) acontece em São Bernardo do Campo, São Paulo, nesta sexta, dia 28. Neste mesmo dia, acontece em Maceió, Alagoas, o desfile do bloco Do Lado de Fora, com cerca de 250 meninos e meninas vestindo fantasias que foram confeccionadas por eles próprios. Também nessa sexta-feira, cerca de 150 crianças e adolescentes, de 30 núcleos de base do MNMMR em Manaus saem no Bloco Criança Urgente!, em torno do tema Brasil Decente. Em Salvador, os meninos e meninas participam do bloco Bonecos em Folia, que já existe há quatro anos. No Piauí, em Teresina, 30 meninos e meninas formam uma ala no bloco Coisa de Negro. E, no Maranhão, aproximadamente 70 adolescentes de três núcleos de base participaram de uma oficina de confecção de máscaras e receberam orientações sobre a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e a Aids.

O que já saiu às ruas foi o bloco Brincando e Frevando pela Paz, em Recife. Este foi criado em 1999 pelo MNMMR. O bloco toca na questão da exclusão e desigualdade social, sendo um resultado do trabalho realizado nas entidades participantes, no sentido de resgatar, levantar a auto-estima e exigir os direitos de crianças e adolescentes. O tema do Brincando e Frevando pela Paz foi "Não use violência nem como fantasia. Brinque na paz, drogas jamais!", escolhido pelas próprias crianças e adolescentes. O grupo tem a participação de diversas entidades: o Grupo Ruas e Praças, Semente do Amanhã, Galpão de Meninos e Meninas de Santo Amaro, Casa de Passagem, Grupo Sobe e Desce de Olinda, Casa Menina Mulher, LAR – Legião Assistencial do Recife, Grupo Comunitário Ressurreição, Grupo Afro Afoxé Orum, Grupo Tupinambá, CTC – Centro de Trabalho e Cultura e Secretaria de Políticas Sociais.

Rets - Todos estes blocos abordam a questão dos meninos e meninas em situação de rua ou também envolvem os mesmos em outros temas?

Eulange de Souza - Não, os participantes entram em contato com outras questões e ajudam tanto a levar a mensagem do Movimento mais longe, quanto a fortalecer os outros temas abordados nos blocos. Por exemplo: o bloco Eureca este ano desfila em torno do tema Orçamento Criança e o lema é Lugar de Criança é no Orçamento. Isso envolve os meninos e meninas no prcesso educativo, nas discussões relacionadas a ele. O bloco de Maceió tem o propósito de mostrar o processo de "desculturalização" promovido pelos blocos que apenas querem faturar nesta época do ano. Eles vão resgatar a cultura local, dando destaque para as brincadeiras de Boi, típicas do Estado. Além de entidades não-governamentais e grupos que trabalham com o Boi, também participa do bloco a Banda da Polícia Militar.

Os meninos e meninas que desfilam em Manaus - os que vão tratar do enredo Brasil Decente - vão poder se engajar em uma atividade que debate o Fome Zero (propósito do samba-enredo deste ano). Este bloco resgata as brincadeiras tradicionais da infância - com as crianças fazendo danças sincronizadas. O bloco contará ainda com um carro alegórico que transportará a logomarca do MNMMR. E, no Paiuí, os meninos e meninas participarão de um atividade que coloca o combate ao preconceito racial no centro das atenções.

Já o bloco formado na Bahia tem, sim, um mote mais ligado à promoção dos meninos e meninas de rua. Lá, a intenção é usar o Carnaval para incluir os meninos e meninas que são sempre excluídos das festividades. Pretende-se fortalecer a identidade e a auto-estima de cerca de 40 crianças e adolescentes empobrecidos que participam do MNMMR.

Rets - O que levou o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua a utilizar blocos carnavalescos para levar sua mensagem às pessoas?

Eulange de Souza - Os meninos e meninas do Movimento, principalmente nos estados do Nordeste e em São Paulo, têm sempre ficado envolvidos em blocos carnavalescos e escolas de samba. Isso porque uma das linhas de trabalho do Movimento é trabalhar sob a perspectiva lúdica e cultural. A intenção é recuperar e trazer para o menino e a menina para a cultura em que ele ou ela vive, para participarem integralmente da vida da comunidade em que vivem. Não no sentido do mero divertimento, mas a cultura enquanto tradição, para saberem de onde vêm, como são as práticas dos ambientes em que se inserem etc. Assim eles podem aprender a compreender as dimensões existentes na vida deles. Eles começam a perceber, por exemplo, que a escola não é o único fator para o desenvolvimento pleno deles. Ela é importante, sem dúvida nenhuma. Mas a cultura é outro pilar para o desenvolvimento de cada pessoa.

Rets - Em meio a tanta folia, é possível tratar de temas sérios e importantes como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o combate às drogas etc.?

Eulange de Souza - As pessoas relacionam muito o carnaval às drogas, às doenças sexualmente transmissíveis etc., por existir a idéia de que é uma festa mundana e profana. Por isso, existe sempre a preocupação em indicar o uso do preservativo, a prática do sexo seguro, um esforço de combate às drogas. Com o movimento não é diferente, e isso é uma preocupação tanto dos meninos e meninas quanto dos educadores. Outro aspecto é o direito ao lazer que toda criança e adolescente tem. E o direito a se divertir com segurança e ter acesso a esta segurança. Isso também é discutido.

Levando as mensagens - ou simplesmente ajudando a difundi-las, engrossando o coro - eles atuam como multiplicadores de informações importantes. Os participantes têm a clareza de que esta é uma festa do povo e vêm percebendo que têm o direito de participar junto com as comunidades deles, da forma delas, da celebração do carnaval. E, inseridos nisso, expressam e tomam consciência da diversidade... É curioso ver como os meninos e meninas têm levantado e compreendido esta diversidade. O fundamental é isso: eles se interligarem com as comunidades e compreenderem a necessidade de estarem lutando por direitos.

O bloco Eureca (Eu Reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente) - que está completando 10 anos e lançando um CD com as músicas destes carnavais -, por exemplo, envolve as crianças e adolescentes, que percebem sua capacidade de serem sujeitos no processo educativo, através de uma ação coletiva.

Rets - A participação em blocos carnavalescos e em escolas de samba, além da função básica de tornar o Movimento mais conhecido, ajuda a trazer, na prática, mais meninos e meninas para o MNMMR?

Eulange de Souza - É claro. Todos os meninos e meninas membros do Movimento e que participam dos blocos gostam da festa, da magia, da alegria. E, ao verem estas pessoas participando de forma tão engajada e alegre, outros meninos e meninas vêm chegando, se interessando.

Rets - Os meninos e meninas têm clara para si esta idéia de que as atividades carnavalescas também servem para conscientização, ou participam mais pela festa, pela alegria?

Eulange de Souza - O objetivo de levar os participantes para os blocos é promover a participação na comunidade, no grupo; é mostrar que não têm que ficar isolados da sociedade. É fundamental a clareza de que estão fazendo parte da cultura de seus estados, cidades, comunidades. Eles têm este direito de participar de forma prazerosa dessa festa considerada central por todo o país. Isso também faz parte da consciência deles sobre sua participação no blocos: não só têm a "função" de estarem engajados, de levarem as mensagem - seja de combate às drogas, seja de respeito ao ECA etc. - a outras pessoas; mas têm o direito de ter prazer e de se integrarem nos processos coletivos.

Além disso, esta também é uma forma de eles lutarem por melhores condições de vida, de serem agentes de suas vidas e de mudanças na sociedade. Nós percebemos isso ao conversar com eles. Podem até não dizer claramente - até por causa da linguagem de muitos deles e delas, com gírias e uma forma de se expressar próprias - mas sentimos, com a convivência, que é isso que querem dizer: eles desejam passar suas mensagens do modo deles, com suas riquezas culturais. Ou seja, é o direito de se expressarem, fazerem parte do coletivo, de serem uma pessoa plena.

 


Maria Eduarda Mattar

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