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Faltou América Latina em Genebra

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets








Encerrou-se nesta sexta-feira, 28, a PrepCom II para a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI), que acontece em Genebra (Suíça), no mês de dezembro e terá uma segunda etapa em Túnis (Tunísia), em 2005. No processo preparatório para a CMSI, esta PrepCom II foi realizada para a discussão sobre Temas e Conteúdos que serão incorporados na Declaração de Princípios e no Plano de Ação - que deverão sintetizar os resultados da Cúpula (ver mais na matéria "Para entender o processo da CMSI", no link ao lado). A proposta, desde o início do processo preparatório para a Cúpula, era que a sociedade civil e o setor privado teriam a oportunidade de contribuir e participar ativamente das discussões, trazendo seus pontos de vista para que fossem levados em conta nos debates das delegações de governos. No entanto, não é isto o que vem acontecendo.

Paulo Lima - diretor executivo da RITS, que esteve presente à PrepCom - explica algumas das dificuldades enfrentadas: “Lamentavelmente tivemos um espaço muito restrito de intervenção nesta PrepCom II. O processo, que começou realmente muito confuso, não respeitou o caráter tripartite da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação. As reuniões da Sub-comitê 2, que redigiu a proposta de Declaração de Princípios e Plano de Ação, iniciaram abertas e fomos convidados a nos retirar em seguida. Fizemos chegar ao Bureau da Sociedade Civil nossa impressão da gravidade da situação, assim como da inexpressiva participação das organizações não governamentais dos países da América Latina e do Caribe, em termos quantitativos”.

Se as poucas oportunidades de participação preocupam as organizações do mundo todo que estiveram na PrepCom, a situação das organizações latino-americanas é ainda mais desoladora - a participação das organizações da América Latina e Caribe nas conferências preparatórias é quase nenhuma. Nesta PrepCom II, cerca de 15 instituições latino-americanas estavam presentes - entre elas, três organizações brasileiras (RITS, Rede Dawn e Grupo Interagir) - protagonizando, junto com as demais organizações da América Latina, o esforço de consolidação do modelo de participação da sociedade civil organizada - até então não definido completamente.

Não é de hoje que algumas organizações latino-americanas vêm tentando articular e jogar luz sobre as demandas e propostas dos países da região para a Cúpula. Este trabalho em prol de uma maior participação pôde ser visto em fins de janeiro, quando aconteceu em Bávaro, República Dominicana, a Conferência Ministerial Regional Preparatória da América Latina e Caribe para a CMSI. Por conta das poucas oportunidades de participação na Conferência de Bávaro, as organizações da sociedade civil participantes apresentaram uma carta onde pediam mais facilidade de interlocução e espaços de participação, e solicitavam que o Secretariado Executivo da Cúpula levasse “em conta as propostas e recomendações das organizações da sociedade civil nas propostas de Declaração e Planos de Ação” que surjam de reuniões das mesmas, entre outros pontos. O descontentamento das ONGs e redes presentes foi justificado: segundo Graciela Selaimen, diretora de informações da Rits, "as reuniões das organizações da sociedade civil aconteciam paralelamente à agenda oficial, em espaços improvisados e nos horários em que fosse possível. A Declaração de Bávaro - documento final da Conferência - trouxe em seu texto alguns pontos defendidos pelas ONGs (após esforços de intervenção), mas está distante de ser um documento amplamente discutido entre governos, sociedade civil e setor privado". Entretanto, ressalvas das delegações norte-americana e canadense (cuja presença numa reunião latino-americana e caribenha não se explica) ao texto do documento fizeram parte da redação final.

As tentativas de articulação e definição de consensos não se restringem aos momentos de encontros oficiais. Instâncias como o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil sobre Temas e Conteúdos - estabelecido durante a PrepCom I, na plenária da Sociedade Civil - vem desenvolvendo suas atividades através de debates via Internet. Foi constituída uma lista de discussão, “que funciona como um grupo de caráter aberto, que utiliza esta lista, entre outros mecanismos, para realizar seu trabalho”, explica Sally Burch, da Alai (Agência Latinoamericana de Informações, do Equador) e facilitadora da lista. No período entre as PrepCom I e II, o grupo de trabalho produziu duas versões de um documento sobre a visão acerca da Sociedade da Informação, princípios e propostas de temas da Cúpula. O documento foi apresentado durante a segunda conferência preparatória como um aporte aos documentos oficiais. “A dificuldade é saber se e como o documento produzido será levado em conta nas discussões oficiais, muita energia se gastou nele. Mas, de qualquer maneira, consideramos que foi um processo muito rico de busca de consenso e acordo entre a sociedade civil - o que vai ser um aporte a nossos próprios processos de articulação e reflexão”, pondera Sally, que concluiu: "Aqui em Genebra estamos nos reunindo diariamente para propor conteúdos para a Declaração e Plano de Ação e em geral, com relação aos temas de que trata a Cúpula”, afirmou ela, enquanto a Cúpula ainda se desenrolava.

O esforço de chamar a atenção para as particularidades e necessidade de maior envolvimento da sociedade civil da América Latina continuou durante a PrepCom II. As instituições latino-americanas, além de debaterem e produzirem documentos refletindo os tópicos acordados, fizeram uma aproximação com as delegações oficiais de seus respectivos países, para fortalecerem a atuação do bloco. Segundo Olinca Marino - ponto focal do caucus da América Latina, membro da organização mexicana LaNeta e do Programa de Direitos na Internet, da Associação para o Progresso das Comunicações - houve progressos neste esforço: “Em reunião com o GRULAC (Grupo de países da América Latina e do Caribe), entregamos documentos que a sociedade civil preparou”. Entre eles, estava uma carta, produzida pelo caucus da América Latina, na qual se destaca a importância de estabelecer mecanismos efetivos que facilitem o diálogo e o intercâmbio entre as organizações e os governos durante o processo da Cúpula (sobre os "caucus", ver a matéria "Para entender o processo da CMSI").

A importância do papel dos caucus é ressaltada por Graciela, que em Genebra participou caucus de gênero e do caucus da América Latina. "O trabalho realizado pelo caucus de gênero foi muito produtivo - algumas organizações participantes enviaram uma resposta ao documento produzido pelo Presidente da CMSI, Adama Samassekou. Foram encaminhadas também contribuições significativas ao Grupo de Trabalho da Sociedade Civil sobre Temas e Conteúdos, entre outras atividades. As participantes deram um exemplo com sua capacidade de organização e é essencial ressaltar que grande parte deste trabalho foi feito na Internet, através de listas de discussão. O que fizemos em Genebra é a ponta de um iceberg."


Posição brasileira

Nestes esforços de aproximação com os governos, a posição da delegação brasileira é uma das que têm recebido mais elogios, pelo diálogo e trocas de idéias com as ONGs. Na quarta-feira, 26 de fevereiro, foi anunciada em Genebra a criação de uma comissão interministerial no Brasil com participação das ONGs para o tema da Cúpula. Guilherme Patriota, membro da delegação brasileira e Assessor de Cooperação Internacional do Ministério da Ciência e Tecnologia, acredita que o processo está evoluindo e começam a surgir mecanismos informais de participação da sociedade civil nas discussões para a Cúpula. Patriota lembra que desde a PrepCom I, foi definido que não haveria uma cessão de soberania dos Estados, mas que foi aceita a criação de eventos paralelos para a participação da sociedade civil - e cita o exemplo das mesas-redondas que aconteceram na PrepCom II, durante a primeira semana.

Sobre as relações entre a delegação brasileira e os outros atores - sociedade civil e setor privado - Guilherme Patriota diz que o governo brasileiro está aberto e lembra que foram realizadas reuniões diárias com as ONGs presentes em Genebra, nestas duas últimas semanas. Segundo ele, "saímos desta PrepCom II com um documento de trabalho - o que não havia antes (refere-se ao rascunho do Plano de Ação que compila os resultados das reuniões regionais e que foi extensivamente debatido em Plenária pelo SubComitê 2 de Temas e Conteúdos). Acho que todos os atores interessados - sociedade civil e iniciativa privada - deveriam discutir o documento e apresentar ao Ministério de Relações Exteriores os seus comentários. O jogo agora é esse." Patriota diz que faz falta uma participação mais ampla e organizada das ONGs brasileiras e ressalta que, para uma boa discussão, é necessário que as organizações contribuam com aportes pontuais e objetivos ao documento da ONU. "Não adianta querer mudar tudo e partir do zero. Temos que trabalhar com o documento que sai da PrepCom II e tentar incluir os interesses dos diversos atores da maneira que for possível, mas para isso é necessário que se façam contribuições criativas e objetivas".

Para Diogo Assumpção, do Grupo Interagir e membro do caucus de Juventude, “a relação com o governo brasileiro durante a PrepCom II foi bem interessante, com reuniões diárias da delegação, tornando o processo transparente e aberto à participação de todos”. Para ele, as as organizações brasileiras, apesar de poucas, tiveram uma boa articulação e participação na conferência.

Já Paulo Lima concorda que a relação com os delegados brasileiros foi proveitosa - “todos os dias da PrepCom II realizamos uma reunião de avaliação e de troca de impressões sobre o avanço do processo com os delegados brasileiros” - mas acredita que a participação da sociedade civil organizada brasileira ainda não é suficiente. Ele defende que é preciso buscar uma maior articulação no Brasil e na América Latina “para que tenhamos uma representação com maior capacidade de pressão para a PrepCom III que se realizará em setembro em Genebra”.

O tempo é curto, mas a mobilização, possível. Um dos resultados das reuniões deste último dia de PrepCom II foi o consenso de que o próximo passo deve ser a realização de uma reunião intersetorial, em julho. O evento deve ser apoiado pela UNESCO e aberto a observadores. Em setembro, acontece a PrepCom III e, finalmente, em dezembro, a Cúpula - entre nos dias 10, 11 e 12. O processo é complicado, os espaços de participação, limitados e conquistados com perseverança; o trabalho é exaustivo. Mas a presença das organizações da sociedade civil é indispensável - e as organizações da América Latina podem - e devem - marcar sua presença e fincar suas bandeiras em Genebra.

O documento final que consolida as discussões desta PrepCom II será divulgado no dia 21 de março e estará disponível no site da Cúpula: www.itu.int/wsis.

Para quem quiser saber mais sobre a Cúpula, numa perspectiva mais orientada às organizações da sociedade civil, vale a visita ao site organizado pela Secretariado Executivo para a Sociedade Civil: www.geneva2003.org.


 


Maria Eduarda Mattar. Colaborou Graciela Selaimen

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