Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Artigos de opinião
Dom Demétrio Valentini*
Aconteça ou não a guerra do Iraque, o mundo não está em paz. Está doente, e sua moléstia é grave. Não é preciso disparar os mísseis, nem detonar as bombas. Mesmo caladas, as armas testemunham o arsenal mais perigoso que as produziu. As relações mundiais estão contaminadas por situações de injustiça, que é alimentada pela ganância e pela exploração dos fortes sobre os fracos, produzindo reações de ódio, de vinganças e de represálias. As guerras são simplesmente fruto desta dinâmica perversa.
A crise atual fez cair ilusões. Parecia que o novo milênio começava no embalo do entendimento e na utopia da paz universal. Qual nada! Já nos primeiros anos deste novo século revela-se uma incontida pressa por deflagrar conflitos e decretar guerras. Realimenta-se a tese de que a guerra é laboratório indispensável para os avanços da humanidade. Alguns, cinicamente, não duvidam que ela é vital para dinamizar a economia e para faturar vantagens que a hegemonia militar proporciona.
Bastou a ameaça, para que a guerra já suscitasse os seus efeitos maléficos. Reacendeu velhas rixas no continente europeu, que de novo se vê perigosamente dividido. Fez de novo aparecer os temores da Turquia, inquieta com a rebeldia sufocada dos curdos que ela ainda mantém, como último resquício do velho império otomano, que desmoronou com a primeira guerra mundial. Palestinos e israelenses, atolados em seu confronto fratricida, espreitam as novas oportunidades que uma possível conflagração generalizada poderia lhes proporcionar.
Na verdade, os temores da guerra reacendem feridas que ainda não cicatrizaram. E evidenciam injustiças que ainda permanecem sangrando.
A pesada herança dos últimos séculos deixou a África saqueada, empobrecida, com fronteiras inadequadas impostas pelos colonizadores, e agora relegada à própria sorte.
A América Latina, forçada a entrar apressadamente numa globalização comandada pelos interesses dos países detentores do poder financeiro e das tecnologias de ponta, engoliu empréstimos que continham a cicuta dos juros exorbitantes, e agora se vê exaurida, suando sangue para manter "compromissos" que vão comprometendo sempre mais suas energias e seu futuro.
Os árabes permanecem ressentidos pela maneira fácil como o ocidente suga seu petróleo e tira proveito de suas fragilidades culturais e políticas.
Os países da Ásia não estão nada conformados com o papel secundário com que se pensou confiná-los na geopolítica mundial. E aguardam a vez para uma revanche que julgam mais do que justa.
Este o mundo. Não estranha que esteja em guerra. Nem será duradoura uma paz que imponha a ordem da injustiça. Para que finalmente aconteça a paz verdadeira se faz necessário desmontar muitas injustiças, e remover suas iníquas conseqüências.
Talvez o mérito deste tosco confronto entre Bush e Sadam seja desnudar a evidência de que o mundo precisa de profundas transformações. Não precisamos de bombas nem de mísseis. Necessitamos, com urgência, da grandeza de ânimo de líderes que tenham a clarividência e a coragem de remover as injustiças sobre as quais se baseia a atual ordem mundial. Só assim o mundo terá paz.
*Dom Demétrio Valentini é bispo de Jales, São Paulo.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |
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