Autor original: Maria Eduarda Mattar
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O Disque Defesa Homossexual (DDH) é a tradução prática do Centro de Referência de Violência e Discriminação Homossexual, um dos centros criados há quatro anos durante a gestão do então governador Anthony Garotinho. Na época, o Secretário de Segurança Pública era Luis Eduardo Soares, que encampou e levou à frente a idéia dos centros de referência, cuja composição foi feita com a ajuda de ONGs. No caso do DDH, participaram da formulação do mesmo o Cedus, o grupo Atobá, o Arco Íris, entre outros. Na época da criação, o Disque Defesa Homossexual foi celebrado por ser uma iniciativa pioneira no Brasil, para prestar assistência às pessoas homossexuais, com o aval e a legitimidade de uma parceria com o estado. Com a saída de Luis Eduardo da secretaria, houve a desmobilização em torno do DDH, que não recebia o auxílio do Estado do Rio, que serviria para pagar os custos do serviço e o transporte das pessoas que lá trabalham - todas voluntárias. O auxílio sempre foi prometido, mas nunca concretizado. Durante a gestão de Benedita da Silva, os voluntários do Disque Defesa Homossexual chegaram a receber durante alguns meses a bolsa-auxílio para transporte.
Mas, hoje em dia a situação regrediu: além de o apoio da parceria não se concretizar, funcionários do DDH, que funciona dentro do prédio da Secretaria de Segurança Pública, foram agredidos verbal e fisicamente. É sobre isso e sobre a atual situação do DDH que nos fala, em entrevista exclusiva, Yone Lindgren - psicóloga, integrante do Movimento D'Ellas e coordenadora, voluntária, do DDH. A Rets procurou a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro para comentar as alegações da entrevistada, e - até o fechamento desta edição, no dia 21, às 18h - o órgão não se pronunciou.
Rets - Desde quando existe o Disque Defesa Homossexual e como foi o processo de sua criação? Quais ONGs estiveram envolvidas com a formação do DDH?
Yone Lindgren - O Disque Defesa Homossexual existe desde 1999. Na época, com a posse do então governador do estado do Rio de Janeiro Anthony Garotinho em 1999, o nomeado Secretário de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, e a subsecretária de Pesquisa e Cidadania, Silvia Ramos, fizeram um trabalho em prol da criação de centros de referência: o de violência e discriminação homossexual, o de racismo, o de religiões e o de comunidades carentes. Todos eram ligados à antiga Subsecretaria de Pesquisa e Cidadania. Assim, eles convocaram um encontro com as lideranças do Movimento Homossexual para a abertura de um diálogo com este setor da sociedade. Deste encontro foi criado um fórum permanente contra a discriminação homossexual, em que a Secretaria de Segurança Pública, junto aos grupos, discutiu problemas específicos relativos à população homossexual, que historicamente é excluída e discriminada. A partir daí, aproveitando a experiência do Disque Violência do Grupo Atobá, foi colocada a idéia de se fazer um serviço voltado para esta "comunidade" vitimada pela discriminação e violência. Foi uma reunião realizada entre os representantes da Secretaria de Segurança Pública, o Deputado Estadual Carlos Minc e os grupos homossexuais Atobá, Arco-Íris, Movimento D´ELLAS, Grupo Água Viva, Astral, Colerj, 28 de Junho e as instituições ligadas às minorias: PIM, Cedus, Ibiss, Fórum de ONGs-Aids/RJ, Da Vida, Afada e Iser.
Desde o início do funcionamento do DDH, ele esteve ligado diretamente à Subsecretaria de Pesquisa e Cidadania, a qual foi extinta, culminando com a saída do então Subsecretário Luiz Eduardo Soares do governo no ano de 2000. A partir daí, o serviço passou por uma fase de reestruturação, em que os grupos de defesa dos homossexuais passaram a gerir este serviço. Havia a necessidade de criar condições para que o DDH continuasse sendo mantido de uma forma eficiente. E também o estabelecimento de uma pessoa que fosse responsável para fazer um "link" entre a sociedade civil e o Estado, especificamente a Secretaria de Segurança Pública.
Rets - O serviço é pioneiro no país, cumprindo uma função ampla: de receber denúncias, orientar sobre DST/Aids etc. Que tipos de denúncias ou consultas vocês recebem?
Yone Lindgren - O Disque Defesa Homossexual tem como um dos objetivos principais desobstruir os canais de comunicação entre os órgãos de segurança e a população homossexual. Além disso, visa orientar gays, lésbicas, travestis e transexuais sobre como agir em casos de violência e discriminação. Esta orientação se dá através de encaminhamentos a serviços de apoio jurídico, psicológico e acompanhamento das vítimas às delegacias. Temos várias instituições parceiras que ajudaram a construir e dar suporte ao serviço, e é preciso citar: o Grupo Arco-Íris (que nos possibilita o Atendimento Jurídico e Psicológico gratuitos); o mandato do deputado Carlos Minc; COAV (com atendimento às vitimas de violência e discriminação), fora as pessoas amigas nos mais diferentes postos e funções, os ativistas independentes e grupos homossexuais que lutam contra a homofobia e fazem ou fizeram parte do DDH. Dentre estas pessoas temos uma pessoa ligada a nós dentro da polícia, por exemplo.
Além do serviço telefônico, também fazemos palestras de conscientização - sempre a pedido. Pode parecer estranho, mas um dos locais que mais fazemos palestras são batalhões de polícia. Também é comum irmos a comunidades. Sempre tentamos enviar uma pessoa homossexual homem, uma mulher e um travesti (normalmente a nossa promoter, Hannah Suzart), para as pessoas terem a noção de todos os lados da questão. Outra atividade nossa é através da nossa promoter que, quando vai fazer apresentações ou a festas, divulga o Disque, explica o que o serviço proporciona e apresenta este respaldo legal e psicológico do qual muitas vezes os homossexuais não sabem que dispõem.
O DDH é tão inovador que despertou a atenção e o interesse de organizações de outros estados em criar serviços semelhantes, inspirados no nosso modelo. Hoje em dia temos Disque Defesa Homossexual na Bahia, Belo Horizonte e São Paulo. Até mesmo, uma alta representante da ONU, Mary Robison, em visita ao Brasil, fez questão de conhecer o serviço e nos parabenizar pela iniciativa.
Rets - Apesar de ter nascido para se concretizar em uma parceria com a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, em termos práticos, a parceria nunca se concretizou completamente. Qual era ou é a justificativa apresentada?
Yone Lindgren - Não é dada nenhuma justificativa concreta, fica aquele jogo de empurra com montes de reuniões que não levam a nada. De concreto só obtivemos até agora o espaço e o telefone. Já em 2001, a situação já havia ficado caótica, sendo impossível o contato com representantes da SSP. Quando o então governador Anthony Garotinho fez declarações altamente homofóbicas na mídia, o Movimento Homossexual Brasileiro (MHB) se fez presente com representantes do Conselho Gestor do serviço (Cláudio Nascimento, Yone Lindgren, Carlos Alberto Mignon, Charla Novy, Jussara Bernardes). Nesta reunião, o governador fez uma série de promessas, como a contratação da equipe do serviço DDH (que vinha atuando voluntariamente, uma vez que não estavam recebendo pelo trabalho), implantação de um núcleo para investigação e combate aos crimes contra homossexuais, produção de material de informação e divulgação e apoio logístico.
Em 2002, nada do que foi prometido pelo então governador foi realizado. O serviço teve continuidade com voluntariado. E, após diversas reuniões com representantes da SSP e do Ministério Público, coisa alguma foi decidida. Por sugestão do Ministério público, foi criada a Central da Cidadania, que também ficou sem apoio nenhum. A Central de Cidadania também era ligada ao Governo do Estado e uma de suas funções era repassar verbas para os centros de referência. Os únicos centros que se recusaram a virar OSCIP fomos nós e o de racismo...
Rets - Por que esta recusa?
Yone Lindgren - Porque se deixássemos de estar vinculados institucionalmente à Secretaria de Segurança Pública, deixaríamos de ter o direito ao apoio logístico e ao pagamento dos funcionários (que, como disse, têm trabalhado com voluntários, se virando para continuar ajudando no DDH, imbuídos de um idealismo maior que o meu, que sou coordenadora). Além disso, se ficássemos desvinculados, perderíamos esta chancela e legitimidade oficial, que nos permite, pelo menos em teoria, recorrer a serviços, como o encaminhamento e pedido de investigações por parte da polícia. Como somos uma “parte” da Secretaria eles teriam o dever de atender às nossas reivindicações neste sentido, por exemplo.
Então, em 2002, fomos obrigados a fazer a mudança do serviço, assim como os demais Centros de Referência, para um prédio sem condições de trabalho, já que não havia instalações telefônicas e elétricas. Sabendo disto, mantivemos os telefones e computador no prédio do Detran, dividindo as presenças dos atendentes, para que o serviço não ficasse desativado. Com a saída de Anthony Garotinho e a entrada da gestão de Benedita da Silva, as negociações foram feitas através da senhora Lucia Xavier, então representante da SSP em contato com os Centros de Referência. Como resultado, tivemos três meses de bolsa auxilio e alguns encaminhamentos solucionados. Quando Benedita saiu do governo, perdemos estas boas condições de trabalho.
O ano de 2003 infelizmente começou com o corte de todo e qualquer auxílio monetário, falta de apoio logístico e pessoal. Além do que só quando fomos à mídia é que conseguimos algum retorno. Mas, depois disso, foram reuniões e reuniões para obtermos somente promessas. Ainda assim chegamos aos mil casos acompanhados e resolvidos, sendo feito por nossos atendentes todo o serviço que deveria ser executado pela SSP, junto às polícias.
Rets - E atualmente, como está a situação? Quais são as justificativas dadas?
Yone Lindgren - Agora partimos para apelar à pessoa que consideramos o patrono do serviço – Luis Eduardo Soares - para que o DDH não acabe e, com ele, um dos únicos meios de defesa de nosso segmento. Tivemos uma reunião com ele (que agora é Secretário Nacional de Segurança Pública) no dia 19 de março, em Brasília, e tivemos resultados muito positivos. Ele se mostrou solidário e anunciou ações que num futuro próximo serão tomadas e que devem beneficiar não só o nosso segmento, mas outros grupos de excluídos. Ou seja, não foram feitas promessas diretamente ao DDH, porém, ao que parece, vai haver mudanças e novidades para toda a população.
Mesmo não tendo havido um comprometimento direto ou promessa de ação com relação aos pedidos do DDH, assim que voltamos de Brasília, a situação mudou. Antes, ninguém aqui da Secretaria queria falar conosco. Pelo contrário: nós corríamos atrás, insistíamos para pleitear as coisas, e nada. Agora, todos querem falar com a coordenação do DDH, de repente se deram conta de que existe uma coordenação.
Em tempo: é preciso deixar registrado que desde março os funcionários do DDH passaram a receber ticket alimentação diário de R$ 6, depois de muito tempo que nós viemos pleiteando.
Rets - Vocês denunciaram recentemente agressões verbais e físicas contra voluntários do DDH, que funciona dentro do prédio da SSP-RJ? Qual o motivo de tais agressões e como se deram?
Yone Lindgren - Sempre fomos motivo de piada. Por isso, todos que trabalham do Disque recebem um treinamento, onde são orientados a nunca responder e sempre pedir desculpas, em qualquer situação, para não criar confusão. No entanto, semanas atrás, um atendente nosso, Ubiratan Ferreira da Silva, entrou no elevador aqui do prédio da Secretaria e foi ouvindo piadas no percurso até o seu andar. Quando estava saindo do elevador, esbarrou em uma pessoa e - como eles têm a orientação para pedir desculpas – estava se virando para se desculpar, a pessoa – começou a xingar e ofender o rapaz com baixarias. Como ninguém é de ferro, ele retrucou e desceu em nosso andar. Quando já estava dentro da sala do DDH, conversando com outro atendente, a tal pessoa – a sargento Carmosina, lotada aqui mesmo na SSP - entrou e começou a ofendê-lo mais e partiu para a agressão física, surrando mesmo o rapaz. As pessoas que estavam em volta é que apartaram.
Depois disso, o Ubiratan foi à delegacia e fez exame de corpo de delito. Agora, a “denúncia” sobre esse caso virou nacional, pois apresentamos à Secretaria Nacional de Segurança Pública, quando estivemos lá com o Luis Eduardo Soares, esta semana. Ora, nós já não ganhamos nada, temos recursos e materiais insuficientes para trabalhar e ainda somos agredidos?
Rets - O fato de o DDH trabalhar com uma questão ainda polêmica e que desperta preconceitos tem a ver com as atitudes hostis em relação à equipe?
Yone Lindgren - Com certeza. A discriminação é constante. Até porque todas as pessoas que trabalham no DDH são homossexuais. Até porque que outras pessoas teriam a sensibilidade e a ideologia de fazerem esse tipo de trabalho, tendo que se virar, praticamente pagar para trabalhar?
Rets - Você acha que os voluntários e a coordenação do DDH estão perto do momento crítico em que a paciência acaba e não será mais possível continuar com o serviço?
Yone Lindgren - Os atendentes que permanecem no serviço o fazem porque são idealistas e meus amigos particulares. Somos uma equipe. Agora, a paciência está esgotada já tem tempo, mas acabar com o serviço vai ser difícil, porque somos teimosos e vamos à luta.
Rets - Se o DDH encerrar suas atividades, que conseqüências negativas você acredita que podem ocorrer, em termos de conscientização e assistência para as pessoas homossexuais?
Yone Lindgren - Nosso povo estará novamente exposto a agressões de todo tipo e sem respaldo para se defender legalmente. O DDH representa uma tentativa de criação de um espaço onde a sociedade organizada homossexual atua e constrói políticas de segurança com o Governo. É o reconhecimento dos homossexuais como interlocutores importantes na discussão de um problema que é tão relevante e atual na sociedade brasileira. Assim, com a extinção do serviço, este reconhecimento vai se perder e ficaremos sem um canal oficial de solução de casos e orientação.
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